Quando, esta manhã, ouvi a notícia da tragédia perguntei-me se não havia gente nos postos de observação de fogos, activos e atentos, quando o fogo deflagrou a meio da noite. E se, tendo observado fogo, foram avisadas imediatamente, entre outros, as entidades que poderiam ter encerrado as entradas nos fornos crematórios em que, provavelmente, se iriam transformar as principais comunicações rodoviárias naquela área.
Algumas horas depois ouvi uma entrevista, depois publicada aqui, e que transcrevo a seguir.
Como o engenheiro Paulo Fernandes, também considero irresponsável o coro que se apressou a desresponsabilizar tudo e todos porque as causas foram naturais e, segundo o coro, foi feito tudo o que poderia ter sido feito.
Não foi, senhor Presidente da República, não foi, senhor Primeiro-Ministro.
Mandem averiguar.
Aqueles que foram sacrificados pela eventual incúria de alguém impõem-nos que o assunto não seja sumariamente encerrado com o convencimento de que vivemos no melhor dos mundos quando a dimensão desta tragédia nos avisa do contrário.
Teria sido possível evitar uma tragédia tão
grande? Especialista acredita que sim
“No mínimo, pedia-se que se tivessem encerrado as estradas a tempo e
horas”, defende o engenheiro florestal e especialista Paulo Fernandes.
A pergunta
que todos fazem agora é: teria sido possível evitar esta tragédia? Paulo
Fernandes, engenheiro florestal e professor no Departamento de Ciências
Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, acredita que pelo
menos teria sido possível minimizar a sua dimensão. Desde logo porque era
possível antecipar que existia um potencial de factores combinados, como a
temperatura elevada, ventos muito fortes e, sobretudo, a instabilidade
atmosférica (trovoadas e raios), que já estava prevista há dias, explica. “Uma
mistura fatal”, sintetiza.
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“Estas
coisas nunca são totalmente previsíveis, mas o sistema tem de estar preparado.
No mínimo, pedia-se que se tivessem encerrado as estradas a tempo e horas”,
defende o especialista, que se espanta com a surpesa manifestada por vários
responsáveis no terreno. “Estou é surpreendido por isto não ter acontecido
antes e mais vezes”, enfatiza.
Paulo
Fernandes faz um paralelo com o que aconteceu em 2003 [ano em que arderam 152
mil hectares de floresta e morreram 21 pessoas], “com incêndios enormes
causados por raios” e lamenta que os fogos naturais sejam em Portugal
sistematicamente desvalorizados por representarem apenas 2% do total.
“Temos de
estar preparados. Em Portugal, não há pessoas especializadas em meteorologia de
incêndios, há académicos, mas não há operacionais”, diz, notando que qualquer
país com este potencial adverso tem de ter pessoas a trabalhar nestas áreas “a
tempo inteiro”.
Todo o
sistema de prevenção e combate a incêndios precisa, aliás, de ser reformado,
defende. “Esta originalidade portuguesa de ter fases alfa e charlie não
faz sentido hoje. Um sistema moderno não pode estar dependente do calendário,
tem de ter flexibilidade para responder sempre que necessário, até por causa
das alterações climáticas.”
A própria
concepção do sistema, “pulverizado por várias forças com pouca massa crítica,
torna tudo mais difícil”, acrescenta, lembrando que temos “um sistema muito
focado no combate”, em que 90% do investimento é para esta área.
Mas Paulo
Fernandes também acentua que se lembrou dos incêndios ocorridos em 2009 na
Austrália, “um dos países mais avançados na prevenção e combate e até na
preparação das pessoas” para lidarem com este tipo de situações. Nesse ano,
morreram na Austrália cerca de 170 pessoas, “quase todas quando tentavam
fugir”. Mas a frente das chamas chegou a ser de 200 quilómetros e as projecções
(de materiais, como cascas) chegaram a 30 quilómetros, nota.
Agora, o
que pede é que se retirem ilações desta tragédia. “Acho inconcebível que
responsáveis do Governo e até o Presidente da República comecem logo a declarar
à queima-roupa que tudo correu muito bem”, porque isto, acredita, contribui
para “a desresponsabilização”.
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