Sunday, November 11, 2012

O DÉFICE MAIOR

O maior défice não é das conta públicas. Nem o défice comercial. De um modo ou de outro, o seu  ajustamento acabará por fazer-se porque, tal como a árvores, os défices não crescem até ao céu.
 
O maior défice é o da consciência moral colectiva que tolera aquilo que as sociedades cívicamente maduras nunca tolerariam, não porque reprimam pela força a sua ocorrência mas porque o conjunto de valores que as caracterizam anula tal  possibilidade à partida. 
 
Há dias, numa audição parlamentar, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses avisou, muito claramente, que o OE 2013 põe em causa a independência de juízes. Para além da aberração que constitui a existência de uma estrutura sindical de profissionais que integram um orgão de soberania, o que é verdadeiramente sintomático da nossa inferioridade cívica colectiva é o desplante do suposto representante daqueles a quem compete administrar a justiça em nome do povo afirmar, perante deputados na AR que a eventual redução das suas condições remuneratórias, qualquer que seja a sua vertente, pode reduzir a sua independência de julgamento, e, consequentemente, gerar condições para a sua dependência das partes em juízo.  
 
É compreensível que os senhores juízes façam chegar a quem de direito que a sua condição de juízes lhes confere, como a qualquer profissional de um serviço público, o direito a uma retribuição condigna e conforme com as suas habilitações e responsabilidades sociais. O que não se compreende numa sociedade democrática é a insunuação velada de que alguns desses profissionais possam admitir serem pagos por quem eles têm obrigação de julgar, sem reservas, com independência. O que é, de todo em todo, improvável é que tal discurso emergisse numa sociedade democraticamente madura.
 
Também em protesto contra cortes no  OE 2013, desfilaram ontem (vd aqui) 10 mil militares. Os canais televisivos, aliás, tinham dado aos promotores, nomeadamente às associações de oficiais e sargentos, largos espaços para argumentarem as razões da convocação dos protestos, e Otelo Saraiva de Carvalho foi  convidado a repetir os seus apelos revolucionários.
 
Considerando que são reivindicações remuneratórias que mobilizaram este desfile, típico de uma república das bananas, o que é que farão os militares se as suas exigências não forem aceites? Um golpe militar?  Não lhes ocorre que os portugueses não sabem para que queremos tantos militares? E que é por serem demais para as exigências de defesa do país que os meios disponíveis não dão para mais? Que a profissionalização total das forças armadas foi um erro que só se corrige reduzindo os efectivos actuais? Que não lhes compete, enquanto militares, discutir mas cumprir ordens em matéria de defesa nacional? Que só, deste modo, poderão ser o exemplo de consciência cívica que lhes impõe a sua condição de militares?
 

2 comments:

Fenix said...

"...que a eventual redução das suas condições remuneratórias, qualquer que seja a sua vertente, pode reduzir a sua independência de julgamento, e, consequentemente, gerar condições para a sua dependência das partes em juízo."

É caso para perguntar: - Qual o preço da consciência de um Homem (Juíz)!? O preço do seu sustento?! O preço do seu sustento mais o luxo que deseja?!

Duvido que esta gente que assim se manifesta tenha coragem de punir quem deixar de pagar as suas contas ou de roubar para comer, porque não lhe pagaram a eles (também) o seu preço...

rui fonseca said...

"Duvido que esta gente que assim se manifesta tenha coragem..."

Subscrevo.