Thursday, November 08, 2012

CORDEIROS & COMPANHIA

Um dia, já lá vão largos anos, ouvi uma senhora contar a outra, manifestamente satisfeita com o que contava, que tinha assinado uma declaração confirmando que uma terceira tinha trabalhado em sua casa como doméstica durante um período de tempo que a habilitava a receber uma pensão paga pelo Estado. Ouvindo isto, disse à benemérita que, com a sua assinatura, me tinha ido ao bolso. Quem me ouviu, e estavam presentes outras pessoas, não percebeu, e foi com alguma dificuldade que tentei explicar a razão da minha observação. Porque nem a beneficiada tinha alguma vez trabalhado como doméstica nem era sequer socialmente desprotegida. Soube-se mais tarde que juntava o dinheiro da pensão e com os fundos reunidos ia de vez em quando até ao estrangeiro.
 
Ocorreu-me esta cena quando ontem vi o desfile dos farmacêuticos carregando caixas contendo 320 mil assinaturas numa petição exigindo ao Governo (vd  aqui) alteração das políticas adoptadas para o sector. A dar entrada ao cortejo, estava o presidente da Associação Nacional de Farmácias, a receber a petição, um deputado do PCP.
 
O presidente da Associação Nacional de Farmácias é, desde há muito tempo, cara de uma corporação que, até recentemente, encostou o Estado, financeiramente debilitado, à parede. O seu governo à frente da ANF permitiu-lhe um poder quase despótico e geralmente reconhecido, até por ele, como altamente proveitoso. As farmácias, sem dúvida alguma imprescindíveis a um sistema de saúde condigno, viram, mercê de um estatuto que protegia a corporação, valorizados os seus valores de trespasse a níveis que denunciavam a magnífica rentabilidade da sua actividade. Justifica isto que, agora, devolvam à sociedade aquilo que antes ganharam a mais? Justificam-se políticas que provoquem, segundo o que se lê, o encerramento de cerca de 600 farmácias?  Não creio que haja da parte do Governo qualquer intenção, que seria absurda, de desforra, mas não sei avaliar até que ponto a revolta dos farmacêuticos tem razoabilidade.

O que sei é que  muitos, para não dizer quase todos, dos 320 mil que assinaram a petição, se lhes fosse perguntado se considerariam altos os preços dos medicamentos diriam que sim, e que se  concordariam com o aumento dos preços dos medicamentos diriam que não. Por que é que, então, conseguiram os farmacêuticos reunir tantas assinaturas dos seus clientes?

Porque os subscritores da petição, neste caso, não intuiram claramente que a reinvindicação dos farmacêuticos (melhores preços, melhores condições de pagamento) se opõe aos seus próprios interesses (preços mais baixos).Tal qual a senhora que declarou, inocente e falsamente, que a outra tinha sido sua empregada doméstica durante vários. Quando o Estado é metido de permeio leva sempre pancada de todas as partes em confronto.

Deve então o Estado deixar de interferir no preço dos medicamentos? Não deve. Mas deve explicar explicar convenientemente aos contribuintes as razões das medidas que toma.

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