Saturday, December 27, 2008

CRISE DE CONFIANÇA POR ABUSO DELA

Por sobre qualquer crise económica paira sempre uma nuvem de desconfiança que a provoca ou precipita, e que pode impedir o seu desanuviamento. É a quebra dos elos de confiança entre os agentes económicos que provoca a ruptura no tecido, e que em alguns casos se recompõe através de medidas adequadas e noutros não. A confiança é um estado de alma de construção lenta que liga os indivíduos, os grupos, as sociedades, as nações, entre si, que pode ser destruída de um momento para o outro. Toda a gente sabe isso por experiência própria. A recomposição da confiança perdida é tanto mais difícil de conseguir-se quanto mais frouxa for a consistência anterior dos elos quebrados.
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É esta diferença de solidez de confiança que explica porque é que resultaram as acções de retoma tomadas em períodos de crise nos EUA, no Reino Unido, na Austrália e não vingaram na Argentina, no México, no Brasil ou na Tailândia, por exemplo. Não sendo mensurável a reacção que cada corpo social experimenta quando sujeito às mesmas medidas, porque a resultante do nível de confiança ou de progressão da desconfiança dos indivíduos envolvidos não pode ser calculada previamente, não são modelizáveis os comportamentos colectivos em ambiente de crise e é nesta impossibilidade que residem em grande parte as frustrações dos macroeconomistas. Eles conseguem algum consenso acerca das causas e as consequências das crises quando os estragos são conhecidos, mas discordam frequentemente entre si acerca da terapêutica adequada a cada caso.
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Em todo o caso, convém distinguir três abordagens das crises económicas: as suas causas, as suas consequências e as lições que delas devem ser retiradas para prevenir a sua ocorrência ou minimizar as suas consequências. Ainda recentemente, muitos julgavam a ocorrência de crises em economias desenvolvidas uma praga do passado. Os macroeconomistas julgavam ter atingido um patamar de confiança nos instrumentos adequados a prevenir novos abalos e eis que se abate
sobre a economia global outra vez o fantasma que eles julgavam exterminado.
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Há nesta crise que se descortina cada vez mais demolidora no ano que está prestes a começar, uma causa, que se não foi primordial no desencadear da crise (que, eventualmente, poderia sempre ocorrer) foi (está a ser), inquestionavelmente, potenciadora de quaisquer outras causas: o abuso de confiança que, em diversos graus, foi cometido por muitos agentes financeiros. Ainda que esta prática de abuso de confiança não seja original, tendo promovido outras crises sobretudo em economias emergentes, atingiu desta vez uma dimensão nunca antes atingida.
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É, portanto, muito claro que foi esta generalizada prática de abuso de confiança, que já desencadeou algumas prisões e promete mais, que sapou os alicerces do edifício que os macroeconomistas julgavam ter construído com alguma solidez. E não cabem a venalidade ou a desonestidade dos homens em modelos econométricos? Cabem, certamente. Mas não será razoável integrá-los na construção de modelos macroeconómicos. Quando do que estamos a falar é de crimes (de abuso de confiança, neste caso) o problema que se enfrenta não será de natureza económica mas policial.
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Se há uma lição a retirar desta crise é a de que a prevenção de crises futuras exige a adopção de leis e sanções desmotivadoras de crimes de abusos de confiança, o que implica uma alteração radical do funcionamento consentido actualmente ao sistema financeiro. Trata-se, essencialmente, de permitir que a justiça funcione. Se a falta de confiança que se instala em tempos de crise já é matéria frequentemente indomável pelos macroeconomistas, o abuso de confiança extravasa claramente as suas capacidades.

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