Há dias transcrevi aqui um artigo do ministro alemão das finanças, Wolfgang Schäuble, publicado Financial Times, e comentei que esse texto um dia será histórico. As notícias de hoje de confirmação da atitude alemã perante os membros do euro em dificuldades (Merkel defende expulsão da zona euro de países que não cumpram as condições) reforçam-me a convicção do meu palpite: de que não estando a Alemanha disponível para ajudar a solucionar os problemas do sistema monetário europeu através de empréstimos ou garantias aos membros sobreendividados, não resta a estes alternativa senão resgatarem-se pelos seus próprios meios. A intransigência germânica num momento de crise sem paralelo na curta história do euro e da União Europeia faz algum sentido. Os problemas com que a Grécia (e Portugal, a Espanha, a Itália, etc.) se confrontam não são estruturalmente de natureza financeira. O endividamento excessivo é sempre consequência de outros vícios.
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Que não se resolvem com a saída do euro. Pelo contrário, é a coabitação com o euro que pode forçar à adopção de comportamentos mais consentâneos com o crescimento da produtividade e da competitividade. As desvalorizações competitivas, a que a saída do euro conduziria irremediavelmente, podem insuflar transitoriamente algum ânimo às economias debilitadas mas não curam as causas dessas debilidades e, perversamente, adiam a tomada das medidas mais convenientes.
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O euro, no entanto, pode representar, como já em diversos apontamentos já tenho referido neste caderno, um papel de bode expiatório permanentemente disponível para os governos que o queiram usar. Dito de outro modo, a quase unanimidade que ainda hoje se observa acerca das virtualidades da moeda única pode esboroar-se de um dia para o outro se a estagnação se prolonga e os conflitos sociais se agudizam e se tornam incontidos.
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A presença no euro, e na União Europeia, julgo eu porque não vislumbro uma união monetária perdurável que não aponte para uma união política, exige, portanto, uma consciencialização muita alargada do que está em jogo. A consciencialização de que a pertença a um clube garante direitos mas impõe deveres, não está colectivamente absorvida. Se se continuar a equacionar a possibilidade de retirada, a retirada acontecerá mais tarde ou mais cedo.
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Essa conscencialização implicaria um compromisso social subscrito por todos os grupos de interesses decisivos quando às medidas a adoptar. Que está muito longe de se cumprir num PEC com um horizonte limitado de três anos por mais manifestações de aprovação externas que receba. Seria, contudo, já um bom princípio que à volta dele se congregasse uma maioria qualificada de deputados*. O que está longe de parecer possível. Mais do que os interesses do País, continuam os partidos a entreter-se com discussões de mera chicana política.
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*A recente entrevista ao PR não permite esperar da sua parte uma intervenção mais decisiva no sentido da constituição de um governo maioritário pluripartidário, que não partirá seguramente da iniciativa do actual quadro partidário. Creio que, deste modo, o PR perde o combóio da história e Portugal ficará parado numa das próximas estações.
5 comments:
Será que poderíamos esperar outra atitude da Alemanha? O mais grave é que este ponto de vista facilmente será assumido pela França e outros mais ricos o que quer dizer que devemos preparar-nos para o fim da União a um prazo não muito longo. Ou não?
A ameaça da Alemanha é uma atitude sensata perante os desvarios de países como a Grécia e Portugal.
A Alemanha tem ainda algumas regiões com um rendimento p.c. inferior à média europeia, e com infraestruturas débeis em que tem que investir. Ao mesmo tempo, é a principal fonte dos subsídios que Portugal recebe da UE.
Comportamo-nos mal: que é que queremos que a Alemanha faça? Que nos premeie, ainda por cima?
Portugal pode e deve pertencer à UE. Com as políticas públicas certas que já teve, até convergiu. Com políticas públicas erradas, como as actuais, divergimos.
Alguns Governos têm sido o maior passivo deste país.
"Ou não?"
Luciano, não sei.
O que sei é que uma união não pode cimentar-se com situações continuadas de ajudas aos sobreendividados.
Isso não ocorre mesmo num estado federado como é o caso dos EUA.
A Califórnia debate-se com problemas financeiros graves mas não tem podido contar com o apoio que precisa do governo federal.
Em 1975, a cidade de Nova Iorque esteve próxima de declarar falência porque o município não conseguia satisfazer os compromissos financeiros e a Adninistração Central recusava avalizar ou conceder qualquer financiamento. Ficou conhecido o título utilizado pelo Daily News no dia seguinte à recusa do fianciamento do presidente Ford: "Ford to City: Drop Dead"
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Mais tarde, na sequência de negociações ... o empréstimo acabou por ser concedido. No entanto, as condições de contrapartida foram duras ...
(in Estudos Económicos e Financeiros /BPI/Fevereiro de 2010)
"Com políticas públicas erradas, como as actuais, divergimos."
Admito que sim, sem reservas.
Mas por onde param as políticas alternativas certas?
Dizendo isto não digo que não haja. Só digo que não as conheço.
E não passamos disto, caro Pinho Cardão.
Oh Rui!...
Não conheces tu outra coisa!...
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