Friday, December 18, 2009

CONVERSAS AO ALMOÇO

- O que se vê é que toda a gente critica mas ninguém avança com soluções. O que há mais neste país são Medinas Carreiras.
- Isso é quase verdade. E digo quase porque há quem (poucos é verdade) que têm apresentado propostas com coerência. Podemos discordar delas mas não podemos negar-lhes coerência.
- Mas quem?... Quem é que tem feito propostas?
- O Vítor Bento, por exemplo. Mas outros, como Silva Lopes têm apontado no mesmo sentido: se o euro é forte e a economia portuguesa precisa de aumentar a competitividade que a força do euro lhe retirou, a solução estará, por esse lado, na redução dos salários (ou no congelamento, dependendo da distância temporal pela qual se optar). Além do mais essa redução seria socialmente mais justa (porque geral e proporcional aos rendimentos de cada um) do que o ajustamento que forçosamente será feito pelo crescimento do desemprego e a redução dos salários para os novos empregos. (Já dediquei ao assunto vários apontamentos neste caderno. Veja-se, por exemplo aqui , aqui e aqui. ) Aliás, já Olivier Blanchard, numa conferência do Banco de Portugal realizada em Fevereiro de 2006 na Gulbenkian (vd. aqui ) alertava para as dificuldades de ajustamento de Portugal ao euro e de algumas medidas que se impunham. Mas ninguém que o deveria ter ouvido lhe deu ouvidos.
- Eu compreendo que se tenha de reduzir os salários mas, nesse caso, deveriam ser reduzidos, e não aumentados, os horários de trabalho.
- Meu caro, provavelmente ter-se-á de fazer uma coisa e outra.
- Mas por quê? Com o desemprego a aumentar faz algum sentido aumentar os horários de trabalho?
- Se te referes às últimas notícias acerca do aumento do horário de trabalho para 60 horas semanais nos hipermercados, também não compreendo. Mas a competitividade dos sectores tradicionais, aqueles que vendem horas de trabalho (têxteis, calçado, etc.) passa pela aproximação às condições dos seu concorrentes.
- Dos chineses?
- Dos chineses, por exemplo. Quer queiramos quer não, uma parte muito importante do sector transformador em Portugal compete com eles e outros com condições de trabalho semelhantes. Se não tomamos isso em consideração não evitaremos que continuem a fechar fábricas ao ritmo que temos visto até agora.
- Mas porque carga de água é que temos de ter as condições de trabalho dos chineses?
- Porque competimos com eles em alguns sectores que ainda representam uma parte substancial do nosso sector industrial e das exportações.
- E porque é que não impõe a União Europeia restrições às importações chinesas que salvaguardem o nosso modelo social?
- Porque na União Europeia, dos países que estão na zona euro, Portugal tem um handicap que os outros não têm: ainda depende bastante das produções de baixa e média tecnologia. A Alemanha, por exemplo, vê a China sobretudo como um grande mercado para os seus produtos e não uma ameaça para as suas produções. Pelo menos por enquanto.
- E não poderemos, nós unilateralmente, tomar medidas proteccionistas?
- Duvido. E, além do mais, ninguém obriga o consumidor português a comprar produtos chineses. Compra porque é barato. No dia em que houvesse barreiras alfandegárias para estes produtos os preços subiriam na nesma medida. Reduzir-se-ia o poder de compra do consumidor. O problema está no facto de haver quem se dispõe a produzir para nós a preços baixos pelo dinheiro que temos pedido emprestado.
- As pessoas não precisam de comprar tanta coisa...
- Isso é verdade mas quem as convence? Há dias, e digo isto a título meramente de exemplo, comprei uma garrafa de vinho do Porto e perguntei ao lojista quantas garrafas de whisky estava ele a vender por cada garrafa de vinho de Porto. Cem, pelo menos, para mais não para menos, disse-me ele.
- A televisão deveria ter uma missão de informação acerca do disparate que é esta sociedade de consumo.
- Pois devia, mas a televisão vive dos anúncios se é privada e a pública, que também vive deles em parte, incentiva o consumo até em programas diários popularuchos (O Preço Certo, por exemplo). Por outro lado, sabes de algum partido político que tenha isso na sua agenda? Que se bata pela redução deste consumismo sem sentido? Nem os Verdes!
- Pois nem os Verdes. E o PCP, que deveria ter aproveitado esta crise para se demarcar dos hábitos que o neo-liberalismo incutiu nas populações centra a sua política na reclamação de aumentos de salários.
- Pois é.

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