Tuesday, December 15, 2009

O CAMURRO*

- E nesse caso não deveria o Governo negociar o Orçamento antes de o apresentar à discussão da Assembleia da República?
- Não. A sede própria para a discussão do Orçamento de Estado é a Assembleia da República pelos 230 deputados que a compõem.
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Deste modo o Governo assume que lhe compete, e só a ele, definir as balizas financeiras da sua política explorando as barreiras programáticas entre os os partidos da oposição à sua esquerda e à sua direita. Quando finalmente for aprovado na especialidade, terá em cima todos os tributos trocados pelos votos necessários à sua passagem.
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É difícil que, nas actuais circunstâncias, que tal não aconteça.
Não estando o Governo disponível para negociar uma maioria parlamentar que possa apoiar uma
maioria coerente nem nenhum partido da oposição disponível** para dar o seu apoio (ou a sua abstenção) sem contrapartidas que lhe garantam aplausos do seu eleitorado, o Orçamento do Estado depois da batalha campal em perspectiva será, em grande parte, o que a demagogia quiser.
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Se o défice estrutural do OE , a dívida, o desequilíbrio externo, não forem desde já atacados, por razões de táctica eleitoral, a situação (muita a gente o diz, mas só diz) desembocará em imposições externas de emergência.
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Não há alternativa: Como o crescimento económico não pode, só por si, inverter a situação porque continuará anémico (e ninguém diz o contrário) o equilíbrio das contas públicas, a desacelaração do crescimento da dívida, a desaceleração do desequilíbrio externo, só podem conseguir-se reduzindo a despesa corrente do Estado, uma conclusão que a maioria não refuta.
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Mas que despesa?
Ninguém fala nem quer pegar na batata quente. A começar pelo Governo, que deveria desafiar as oposições a fazer com ele o difícil exercício que terá custos (agora ou maiores mais tarde) que não é esperável que apenas o Governo e o partido que o apoia estejam dispostos a pagar.
Ninguém ignora isto e muito menos o PR.
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* Segundo o anedotário antigo um camelo é um burro desenhado por uma comissão.
** Ficámos nos últimos dias esclarecidos acerca daquilo que espera o PS do PR para a redução da conflutualidade partidária a que se vem assistindo. Se as pretensões do PS eram descabidas a resposta do PR foi desenquadrada. Porque nem o PS deveria querer o envolvimento partidário do PR nem o PR deveria ter invocado o seu governo minoritário, exercido em circunstâncias muito diferentes das actuais.

4 comments:

aix said...

A situação não me parece clara. A Constituição diz que é à AR que compete fazer as leis. Ora o orçamento é uma lei que tem de ser aprovada pela AR. A AR aprova, e quem o faz? É o Governo que o propõe. O mais lógico, na minha débil lógica,seria o Parlamento votar o orçamento de cada partido e dar como aprovado o que tivesse a maioria dos votos.A democracia é boa mas também tem muitos quês.

Rui Fonseca said...

"A democracia é boa mas também tem muitos quês."

Tem muitos,caro Francisco.
O primeiro dos quais é obrigar os cidadãos (e os políticos são cidadãos) a comportarem-se democraticamente, isto é, a respeitarem as opiniões dos outros.

Ora se um governo é minoritário não pode impor o seu orçamento na totalidade se ele for rejeitado por uma maioria.

Se o Parlamento votasse a proposta de orçamento de cada partido e desse como aprovada a que tivesse maioria de votos seria naturalmente sempre aprovada a do governo minoiritário. O que significaria que um governo minoritário nunca teria de negociar nada e teria a mesma capacidade de decidir de um governo maioritário.

E, se assim fosse, não respeitaria uma regra basilar da democracia (a da prevalência da vontade da maioria) e não seria, portanto, democrático.

Salvo melhor opinião.

aix said...

«E, se assim fosse, não respeitaria uma regra basilar da democracia (a da prevalência da vontade da maioria) e não seria, portanto, democrático».
Caro Rui, há muitas maneiras de cozinhar o bacalhau...E se os partidos opositores do orçamento,agora constituidos em maioria,fossem obrigados a apresentar o 'seu' orçamento para ser votado era anti-democrático?

Rui Fonseca said...

"E se os partidos opositores do orçamento,agora constituidos em maioria,fossem obrigados a apresentar o 'seu' orçamento para ser votado era anti-democrático?"

Caro Francisco,

A hipótese que colocas pressupõe que existiria uma maioria alternativa ao actual governo. Essa maioria, contudo , não existe nem nunca se perfilou para existir.

No campo das hipóteses há a ideia que tem sido, de vez em quando, levantada da "moção alternativa" que obrigaria aqueles que votam contra uma moção de confiança obrigarem-se a apresentar-se como alternativa de governo.

Assim, se o OE do Governo PS não fosse aprovado pela AR, situação que o faria cair, os opositores deveriam apresentar-se como alternativa de governo e um OE alternativo. Não é isso que está estabelecido no nosso sistema constitucional.

Assim sendo, e porque não é esperável que de eleições antecipadas resultasse um governo maioritário monopartidário capaz de enfrentar os problemas do país,
penso que deveria haver um governo de base partidária alargada atendendo à difícil situação do país, que é muito difícil embora essa situação não seja ainda percepcionada pela grande maioria da população.

Para já, e para além do cenário de rejeição do OE que provocaria imediatamente uma crise política de consequências imprevisíveis, vejo três alternativas-
1 - O PS acaba por negociar uma proposta de orçamento com o CDS (vejo muito difícil que o faça nas actuais circunstâncias com o PSD, o BE ou o PCP);
2 - O PS sujeita-se a uma hipótese "Camurro", um OE com cedências à esquerda e à direita que não servirá, certamente, os interesses do país mas apenas as
demagogias partidárias;
3 - O PS joga no pleno, faz finca pé, não cede e encosta as oposições ao cenário do tudo ou nada e elas abstêm-se de forma suficiente imitando a votação para o orçamento rectificativo de há dias.

Mas, como referi, nada disto servirá ao país porque serão tudo e apenas jogadas de curto prazo.