Sunday, December 06, 2009

PLANO INQUINADO

Senhor Mário Crespo, *

Estive atento ao seu programa de ontem - Plano Inclinado - que me suscitou dizer-lhe que
gostei da intervenção da Prof. MFBonifácio a propósito da avaliação e diferenciação dos professores do ensino secundário: eles realmente não querem ser avaliados, querem ser bonificados; e a cedência deste Governo perante os sindicatos (aliás previsível a partir do momento em que se constitui em minoria) em acabar com a introdução de um escalão na carreira, confirma uma aberração que não tem paralelo em qualquer outra carreira pública. E o PSD, como maior partido da oposição, é altamente responsável por este revés.
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Não gostei da intervenção do Prof. Nuno Crato. É um matemático prestigiado, e não só em Portugal, é uma personalidade afável, um pedagogo de excelência. Mas a sua sinceridade, ao reconhecer que a Universidade pública admite candidatos altamente impreparados porque é remunerada em função do número de alunos que a frequenta, é chocante.**
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Se não há exigência por parte de clientes, de utilizadores, de empregadores, neste caso, não há qualidade nem evolução positiva. Os professores universitários são os grandes responsáveis por aquilo de que se queixam. Porque é a eles que compete propor e fazer aprovar as medidas que ponham cobro ao descalabro que todos os dias invectivam.
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O Professor João Duque também não esteve sempre bem. Com o objectivo de sublinhar os números do desastre acabou por exagerar nos traços. Disse o professor João Duque que um amigo seu colocou anúncio para admitir uma secretária com habilitações de ensino secundário e das cem candidatas só uma soube responder a uma questão de aritmética (por todas consideradas a mais difícil do concurso) que exigia simplesmente saber o resultado de sete vezes cinco e, mesmo a que acertou, fez um boneco (Um armário tem sete gavetas e em cada gaveta há cinco processos. Quantos processos há no armário?).
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O senhor Professor João Duque, que merece a nossa maior consideração, tem amigos que não deveriam servir de exemplo para estas coisas. Se não vejamos: Um indivíduo pretende admitir uma secretária e submete as candidatas a um concurso. Até aqui tudo bem. Queixa-se toda a gente que a escola não ensina mas depois conclui-se que os empregadores não exigem. Como as pessoas respondem a incentivos se não há barreiras ninguém se prepara para saltar.
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Do concurso consta uma prova de que se desconhece o conteúdo mas sabe-se que inclui uma pergunta de aritmética que exige que as candidatas (não se sabe se também eram admitidos candidatos a concurso) soubessem multiplicar sete por cinco. Uma exigência infíma, portanto. O amigo do Professor João Duque não estava, seguramente, interessado numa secretária com razoáveis conhecimentos de aritmética. Perguntou por perguntar. Estaria, antes, interessado na valorização de outros atributos.
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Com tantos licenciados desempregados ou a trabalhar em funções subvalorizadas por falta de alternativas como é que o Amigo do Professor João Duque consegue reunir noventa e nove candidatas que não sabem multiplicar sem que ninguém que saiba, e esteja interessada ou interessado no lugar, dê por isso?
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O exemplo do Professor João Duque seria simplesmente anedótico se por ele não prespassasse um enorme equívoco: o de que os problemas da produtividade e do desenvolvimento económico se resolvem essencialmente com a educação. E não resolvem. Todos os dias ouvimos notícias de empresas, nacionais ou filiais de multinacionais, que encerram ou se deslocalizam. Por que é que isso acontece? Por falta de pessoas habilitadas? Não. A educação é fundamental mas não é condição suficiente num processo de desenvolvimento e os senhores professores sabem muito bem isso.
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"...é surpreendente que a resposta do crescimento à dramática expansão da educação nas últimas quatro décadas tenha sido desapontante. A manifesta falta de resposta do crescimento ao empenho dos governos na educação é, também neste caso, devido à ausência de incentivos. Se não existem incentivos para investir no futuro, a expansão da educação valerá pouco. Podem os governos forçar a frequência escolar mas isso não cria, só por si, incentivos para os estudantes investirem no seu futuro. Formar pessoas com elevadas habilitações em países onde a actividade mais rentável são os lobies, (o tráfico de influências, as cunhas), o favorecimento do governo, não é uma fórmula de sucesso de uma sociedade. Criar capacidades onde não existe tecnologia utilizável não terá repercussão no crescimento económico." - William Easterly, The Elusive Quest for Growth (2001).
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Cumprimentos.
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* mariocrespo@sic.pt
** Do original foi retirado :"Aceitaria o professor Nuno Crato que num restaurante lhe servissem um prato pejado de carapauzinhos fritos retardados? A questão é a mesma por mais prosaico que possa parecer o objecto de comparação. "

8 comments:

aix said...

Gostaria de ter acompanhado todo o programa que,quanto a mim, com a ausência de ganhou em credibilidade.Por razões familiares só pude acompanhar parte e, do que vi, concordo com a generalidade das tuas análises. São realmente pessoas informadas, serenas e com conhecimentos firmes nas áreas respectivas, mas o Prof João Duque denotou carências a nível de informação pedagógica quando disse preferia um professor tipo Einstein a escrever fórmulas no quadro de costas para os alunos. Igualmente a Profª MF Bonifácio desvalorizou a importância da atitude pedagógica
no ensino universitário ao assumir que nunca aceitaria ensinar no ensino secundário. As duas atitudes correspondem a uma visão tradicional da selecção dos docentes universtários(assistentes)
exclusivamente a partir das competências cognitivas não havendo qualquer aferição das competências pedagógica ao longo da carreira.Ora hoje reconhecem-se duas carreiras com perfis bem diferentes: a carreira de professor (com todas as categorias)e a carreira de investigador(o docente universitário só é investigador como condição e complemento ao ensino).Agora comunicador, pedagogo, daqueles a quem podemos chamar 'mestre' é, sem dúvida o Prof. Nuno Crato que pôs problemas, esses sim pertinentes,ao nível dos 'curricula'da formação pedagógica.

qix said...

As minhas desculpas : 'com a ausência de...' Medina Carreira.

aix said...

As minhas desculpas: 'com a ausência de...'Medina Carreira

rui f. said...

Caro Francisco,

Obrigado pelos teus comentários, pertinentes como sempre.
Concordo inteiramente com eles e só não fiz referência a esses aspectos para não sobrecarregar a mensagem.

João Vaz said...

Excelente post. bateu na tecla certa Rui. Parabéns.

Rui Fonseca said...

Obrigado, João.

Luciano Machado said...

Como discordei da apreciação negativa relativamente ao prof Nuno Crato fui rever o programa, não tivesse eu dado a devida atenção ao mesmo e a minha admiração pela figura estivesse a distorcer o sentido crítico.
E... continuo a não partilhar da tua apreciação.
Não concordas que a evolução da produção científica tem sido bastante mais favorável que a da educação? As causas apresentadas por NC também me parecem acertadas: é que na educação, contrariamente à produção científica, numca se optou pelo benchmarking, antes pelo contrário, para não criar mais dificuldades aos alunos baixou-se o nível das exigências.
Relativamente ao problema da Universidade portuguesa, seja pública ou privada, referido por NC, é da má preparação dos alunos que entram.
A forma de financiamento é um dado exógeno que, claro, condiciona a abordagem do problema mas ele também existe nas universidades privadas.
O determinante é que o critério de acesso é exclusivamente baseado nas classificações do secundário cuja relação com conhecimento se tem vindo progressivamente a degradar. A proposta do NC é de diferenciação da abordagem relativamente aos alunos mais carenciados sem que isso ponha em causa o rigor científico final.
Parece-te mal?
Relativamente ao Prof Duque também me parece que exageraste quando chamas à critica o episódio menor da selecçao da secretária pelo amigo. Ele das poucas intervenções que teve achei interessante a acento tónico na impreparação dos alunos que acedem à universidade e referência à forma desadequada de avaliação dos professores universitários, com base exclusivamente nas publicações.
Quanto à Prof Maria Teresa Bonifácio, também estou de acordo que tem uma visão acertada do problema, mas quanto à solução criticou a proposta do NC do "propedeutico" dizendo-se não motivada para um ensino desse tipo mas ficou-se por aí concluindo que se perdeu uma oportunidade histórica.
Abç.
L

Rui Fonseca said...

Caro Luciano,

Grato pelo teu comentário.
Não foi minha intenção apreciar no meu apontamento todas as intervenções doos convidados. O meu Amigo Francisco já referiu aspectos que não foquei e concordo com os pontos de vista dele.

Referi-me, sobretudo, a três questões que me parecem nucleares e que ninguém aborda nestas questões da educação:

1ª. Quem pode ter influência negativa na qualidade de ensino são os empregadores, e a Universidade em certo sentido é um empregador dos alunos que terminam o secundário. Se são maus os candidatos porque os admitem? Porque precisam deles para receberem os seus ordenados. Então do que estamos a falar não é do ensino superior mas do negócio do ensino superior.

O que é muito degradante sobre todos os pontos de vista menos o do negócio.

2º. A educação não é o factor primordial de crescimento económico. É importantíssimo mas não jogador único.

3º. O exemplo dado por J Duque não cola com a realidade portuguesa, apesar da manifesta falta de preparação de muitos alunos saídos do secundário. E, para além disso, há muita gente licenciadada desempregada. Como é que apareceram ao Amigo de J Duque 99 que não sabiam multiplicar 7 por cinco? É azar a mais.