(...) A legislação urbanística portuguesa de hoje em dia, em contrapartida, é uma verdadeira obra-prima da corrupção sistemática do aparelho do Estado e das Autarquias. Pode dizer-se que um especulador não teria escrito melhores leis para si mesmo. Desde que foi publicado o Decreto-Lei n.º46/673, fazendo da privatização de loteamentos e mais-valias urbanísticas o estribo da política nacional de solos (2), uma minoria de políticos e funcionários públicos que controlam a emissão de alvarás urbanísticos e a revisão de planos de ordenamento detêm o poder quase soberano de redistribuir a riqueza nacional em favor de quem lhes aprouver, sem necessidade de prestarem quaisquer contas perante os restantes cidadãos. A perspectiva de conquistar essas “fortunas trazidas pelo vento” (3) a que se chama mais-valias urbanísticas (4) graças ao controlo de certos cargos políticos e administrativos atrai para a vida partidária não poucos oportunistas ansiosos por sobraçar pastas e pelouros ligados ao urbanismo. Quem paga este jogo? Quem ganha com ele? (...)
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Por força da bolha imobiliária dos últimos vinte anos, as poucas dezenas de milhar de indivíduos que controlam esse sector, mancomunados com uma poderosa rede de governantes, legisladores, autarcas e funcionários públicos, locupletaram-se açambarcando centenas de milhares de fogos habitacionais e revendendo-os mais tarde a preços especulativos produzidos sob o beneplácito de uma legislação oportunista, e ainda graças à manipulação política de alvarás urbanísticos e de planos de ordenamento do território. Num processo comparável ao da maré ultra-liberal que assolou a Europa entre a Revolução Francesa e as Revoltas de 1848, criou-se uma nova aristocracia rentista, tornada imensamente rica não por via do empreendedorismo produtivo, mas por meio do controlo oligopolista e político desse bem essencial que é a habitação. Foi um jogo de anti-mercado, travestido de “progresso”, que deu resultados de soma zero: o montante total das fortunas dos novos aristocratas imobiliários igualou a dívida gigantesca, em hipotecas quase perpétuas, de toda a geração que necessitou de adquirir casa neste período infeliz.Quando uma sociedade inteira começa a percepcionar a acumulação de riqueza não como uma recompensa do trabalho ou do empreendedorismo, mas como o resultado de favores político-administrativos que transferem dinheiros que deveriam ser públicos para os bolsos de uns poucos privados, estabelece-se uma degradação da moral pública que asfixia o mérito e a produtividade.
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A concretização política destas reformas, aparentemente simples de um ponto de vista técnico, não será fácil. Nas autarquias, nos órgãos de soberania, no tecido empresarial do país, existem inúmeros protagonistas cuja ascensão ao poder tanto político como económico resultou das oportunidades de enriquecimento a expensas de alvarás urbanísticos. Rebentada a bolha imobiliária, a fonte das suas riquezas secou; mas o seu poder político mantém-se. Se, durante as décadas de despautério imobiliário não souberam fazer melhor do que promover o caos urbanístico aprovando loteamentos em terrenos de aliados seus, ao mesmo tempo que fechavam os olhos ao endividamento nacional que sustentava as fortunas que criaram a dedo, dificilmente serão eles a encontrar solução para o problema em que a sua ganância nos lançou.Quem sacrificou Portugal à corrupção urbanística não pode salvar o país da miséria que ela trouxe. (...)
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Leio este texto de P Bringue e não posso senão concordar com ele.
Mas depois interrogo-me: Quem esteve (e está) a grande maior parte do tempo à frente dos destinos deste país depois do 25 de Abril?
Não deixa de ser surpreendente e irónico que este magnífico libelo acusatório seja subscrito por um socialista.
Remorso ou repulsa, quem é culpado por ti?
Concorde-se ou não, com tudo ou com parte, vale a pena continuar a ler aqui.
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