Friday, December 04, 2009

CONVERSAS AO ALMOÇO

- Então ZM, que tal foi a apanha da azeitona?
- Há coisas que não gostei de ver ... mesmo nada.
- Tais como ... ?
- De repente, senti-me recuar vários séculos na história da humanidade. As pessoas ainda apanham a azeitona à mão, socorrendo-se de escadas para a espipar dos ramos para os panais de sarapilheira estendidos no chão. Assim...zzzp!
- É duro...
- É duríssimo. Aquela gente, cerca de seis pessoas, já anda há mais de um mês naquilo. Na aldeia já só moram os velhos. No Verão e nos fins-de-semana anima-se porque aparecem por lá os emigrantes ou os que vivem em Lisboa e Porto. Os que ficaram vão continuando a produzir alguma coisa, mas cada vez menos. Está tudo errado.
- O que é que está errado?
- Esta política que tem levado os mais novos a quererem um curso a todo o custo que depois os deixa desempregados. Entretanto a nossa factura alimentar não pára de aumentar, um dia destes não há dinheiro para continuar a importar do estrangeiro o que comemos todos os dias.
- Se o ZM fosse PM deste país o que é que faria para alterar a situação?
- Não sei. Não sou especialista no assunto. Mas sei que está mal. Liga-se a televisão e ninguém fala disto, por quê?
- Nisso concordo consigo. Fala-se de tudo e mais alguma coisa mas nunca ouvi abordar a questão da nossa dependência alimentar e o risco que daí impende sobre as populações numa situação em que os abastecimentso do exterior possam ser interrompidos. E não me refiro à falta de meios de pagamento (que, no entanto, podem vir a faltar, lamentavelmente essa é uma situação cada vez menos remota) mas a razões de conflito internacional generalizado. É paradoxal que tenhamos ainda um exército para, supostamente, defender o território mas a ninguém pareça ocorrer que nenhuma praça resiste a um cerco quando os sitiados dependem dos abastecimentos exteriores.
- Falta-nos um rei.
- Essa é boa. Um rei para quê?
- Um rei é sempre um referencial. Pode alterar muita coisa.
- Se for absoluto, se governar em ditadura, talvez. Se for um rei constitucional, um desses reis que ainda perduram na Europa, está constitucionalmente obrigado a não interferir no governo do país. Lê o "discurso do trono" mas quem o escreve é o PM.
- Os espanhóis adoram Juan Carlos.
- Nem todos. E Juan Carlos manda em casa dele e nada mais. A Espanha são várias nações e, apesar do seu carisma, não tem podido fazer nada pela unidade espanhola.
- Mandou calar o Chávez.
- Pois mandou, e ia arranjando um grande sarilho diplomático. Não, definitivamente a solução dos nossos problemas não passa, nem de perto nem de longe, por aí.
- Mas ajudava.
- Em quê?
- Como símbolo em que as pessoas acreditassem. As pessoas, hoje, já não acreditam em nada nem em ninguém.
- Talvez não. Mas em reis, raínhas, princesas e princípes encantados eu já deixei de acreditar há muitos anos. Em boa verdade, nunca acreditei. Porque nunca senti que resultasse qualquer superioridade do acaso de que nasce um rei. E, por acaso, muitos nascem imbecis ou irresponsáveis. Teremos de inventar outra saída. Dom Sebastião está irremediavelmente morto há muito.

5 comments:

Anonymous said...

Parte 1
Caro Rui:
O tema da conversa de ontem sobre a azeitona serviu apenas para dar mais um exemplo de como a nova cultura ocidental da excelência é incompetente, ridícula e perigosa. Cada vez mais tenho a impressão – o que de resto já foi referido em muitos escritos - de que o nosso povo, que é inteligente e sabe quais são de facto os grandes problemas do País, se desligou completamente da classe política. Tenho aliás sempre presente aquele desenho animado que vi há muitos anos no cinema e que é um cão muito exaltado atrás de uma janela a ladrar, a ladrar, a ladrar para alguém na rua. Mas nada se ouve porque a janela está fechada. Só se vêem os movimentos da boca e o estado agressivo do cão. Mas eis que a janela se abre e o cão pára de ladrar. Fica quieto e muda a sua expressão, passando esta a ser mais de receio do que de ameaça (esta mudança de expressão era muito engraçada, porque correspondia à passagem de uma situação protegida – a janela fechada – para o confronto directo, mais perigoso, mesmo para o cão). Mas a janela torna a fechar-se e a primeira imagem do cão a ladrar e agressivo volta a repetir-se. Uma coisa é certa: neste desenho animado, julgo que húngaro, nunca há qualquer som. É uma interligação entre o cão e a pessoa sem qualquer som. Se este eventualmente existir, ninguém o ouve.
Pois bem: julgo que cada vez mais o nosso querido povo português corresponde à pessoa da rua do desenho animado e a classe política ao cão. Quando os políticos aparecem e falam dos seus problemas e questiúnculas na TV ou em outro lugar qualquer virtual, é como o cão a ladrar atrás da janela: ninguém já os ouve porque aquele som (as palavras) cada vez se identifica menos com os problemas fundamentais que o povo tem e sente na pele.

Anonymous said...

Parte 2
Caro Rui
A questão da azeitona, é uma questão como tantas outras e que tem a ver as políticas que todos estes governos, sem excepção, têm vindo a defender desde há muitos anos, sob pretexto de implementação daquilo a que chamam A Excelência. E sabe o que é que isto deu? Uma tremenda ilusão e uma grande mentira. E sabe quem são as vítimas disso? O povo mais rural, do interior, que deixou as suas terras do Alentejo e das Beiras e veio para as grandes metrópoles urbanas deste País – os Cacéns, os Rios de Mouro, os Odivelas, os Santas Iria da Azóia, eu sei lá, de urbanizações degradadas e qualidades de vida certamente muito inferiores às que tinham nas terras de que são de origem; os seus filhos, que acreditaram de sua boa fé nos cursos superiores em universidades privadas sem qualquer estrutura e credibilidade, estando agora no desemprego ou empregados a recibo verde; nós todos, que tivemos e temos que pagar a factura de toda esta infra-estruturação sub-urbana e os custos com esta incúria e irresponsabilidade dos governos.
E o que vemos para o futuro, para a frente? Nada ou quase nada Rui. Com esta gente na política, cuja maioria apenas vive e se alimenta dela - às vezes até demais…-, eu não vejo grandes perspectivas. Pior: dantes, lá apareciam, como caídas do céu, as soluções que nos permitiam manter a nossa economia relativamente saudável. Foram as remessas dos emigrantes, primeiro; depois, os fundos comunitários. Mas agora não.
Por isso tem que haver outra coisa, outra política, outro sistema que nos devolva a coragem e a solidariedade; que consubstancie e congregue um programa verdadeiramente português para o futuro; que se identifique connosco como povo, como Nação, como Grande Nação que nós somos e sempre fomos e preserve a nossa Identidade e Cultura Lusitana.
Acha que com o nosso sistema político ainda vamos lá? Ainda acredita nisso? Então responda-me: quem é que determina todo o sistema governativo e estrutural deste País? É o sistema político. São os partidos políticos. São aliás os dois grandes partidos políticos deste País. E o Presidente da República quem é? Há, pois é, também pertence a um partido político. O círculo está assim fechado. Já sei. Vai-me dizer agora que nós é que elegemos os senhores. Pois é. Mas essa é outra das mentiras que este povo um dia há-de perceber que com o voto nas mesmas pessoas já lá não vamos. Oxalá seja bem para breve.
Por isso há muito que penso noutra personalidade para este grande País, que lhe dê uma nova perspectiva e um novo projecto como Nação. Uma referência fora do sistema partidário e uma mão amiga para todos nós.
Não Rui. Eu não tenho idade já para ter tiques e tabus acerca das coisas. Eu sei que falar em Rei é mal compreendido pela maioria dos portugueses, mas estou convencido que é apenas porque temos esses tiques e esses nervosos miudinhos com algumas realidades que outros países – todos eles, repare, no topo da lista dos mais desenvolvidos, livres e democráticos do mundo – não têm. E não posso deixar de reflectir quando, em determinados eventos importantes, vejo o quanto esses povos amam o seu Rei. E o quanto, para um povo, isso pode ser importante para o ajudar a levar para novos caminhos.
Abç, zm

Rui Fonseca said...

Caro ZM,

Obrigado pelos seus muito pertinentes e transparentes comentários.

Continuo apenas com uma dúvida: Como é que um rei pode ser solução para isto? Em que país é?

Anonymous said...

Rui:
Em que País é? No nosso, claro está. Se, à boa maneira dos nossos políticos, temos que copiar tudo e ser como são os outros- veja-se tudo o que são normas comunitárias, cabendo até perguntar "e a Espanha também copia da mesma maneira?" -respondo eu "claro que não". A Espanha só "importa da Europa aquilo que quer; o que não quer, faz de conta..." - então que copiemos o que as melhores democracias europeias (Holanda, Paises Nordicos, Inglaterra) também já decobriram.
Concorda ou acha que estamos bem com a nossa solução dos PRs oriundos dos mesmos partidos políticos dominantes do nosso País?
O pior que podemos fazer é ficar sempre na mesma, à espera.
abç,zm

Rui Fonseca said...

"Concorda ou acha que estamos bem com a nossa solução dos PRs oriundos dos mesmos partidos políticos dominantes do nosso País?"


Caríssimo ZM,
O meu Amigo dá alguns exemplos de democracias em monarquias constitucionais (Holanda, Paises Nordicos, Inglaterra) onde o rei não tem qualquer poder governativo mas apenas simbólico.

Repare, no entanto, que a Alemanha, a Áustria, a Suíça, a França, os Estados Unidos,por exemplo são repúblicas bem sucedidas.

Continuo, por isso, a pensar que não está na monarquia a solução dos nossos problemas. Aliás, a monarquia constitucional claudicou em Portugal por lhe terem atribuido muitas culpas que, em boa verdade, não lhe pertenciam. Mudaram o regime mas os problemas com que o país se defrontava transitaram quase todos para a república.

Já que o meu Amigo contou a história do cão à janela, permita-me que lhe conte d do tipo que se embriagava com água tónica: O fulano bebia gin com água tónica e embriagava-se, bebia whisky com água tónica e embriagava-se, bebia rum com água tónica e embriagava-se. Etc. com água tónica e o mesmo resultado. E concluiu que a água tónica embriaga.

Ora, para o caso, o senhor Dom Carlos ou o Presidente Soares, são a água tónica da nossa embriaguez colectiva.

Abç