Sunday, April 06, 2014

PRIVATIZEM O MINISTÉRIO PÚBLICO

Há mais de dois anos anotei aqui , e em outros apontamentos posteriores, que os interesses colectivos, reunidos nesse ente abstracto a que se convencionou chamar Estado, com E grande, só seriam convenientemente defendidos se os advogados de defesa (geralmente designados por procuradores da República) fossem interessados nos resultados das causas que defendem. No limite, que se privatize o Ministério Público! É uma ideia idiota, no sentido de que jamais poderá funcionar? Talvez. 

 

Mas ontem, e a propósito de, poucos dias depois do chefe ter sido absolvido, pela prescrição da ordem, de pagar a multa de 1 milhão de euros, ter sido o folião-director-corporativo -vd aqui - também absolvido, pela mesma via, de pagar 650 mil euros, e desinibidos de continuar a banquetearem-se, tudo levando a crer que todos os outros implicados na mesma tramóia sejam absolvidos e desinibidos do mesmo modo, afirmava um dos vários políticos comentadores que temos que "por estar o governo a cortar indiscriminadamente nos salários da função pública, os melhores saem para o sector privado" . E que "é normal que os interesses colectivos sejam mal defendidos quando, como acontece no caso em questão, se alinham perante 29 advogados de defesa dos arguidos, muito bem pagos,  2 defensores dos interesses colectivos cada vez mais mal pagos".

 

Apesar de algumas dúvidas que o argumento me suscita - por exemplo, continuo sem perceber se nos casos em questão a defesa não é paga pelo Banco de Portugal e pela CMVM, que é suposto não serem abrangidos pelas restrições salariais que impendem sobre a função pública  - o raciocínio encaixa-se perfeitamente na ideia frequentemente confirmada de que a justiça é variável consoante os honorários pagos aos advogados. 

 

Assim sendo, não há reforma da justiça que valha a pena se não passar pelo interessamento dos  advogados nos resultados das demandas. Interessamento que tem de ir além de uma remuneração certa mas sempre menos gratificante do que aquela que atiça o engenho do outro lado. 

Repito-me: há algum cliente que manteria um advogado que lhe perdesse sistematicamente as causas? Há um: o Estado. Um cliente, naturalmente estúpido. Uma estupidez que só pode ser moderada se for alterada a forma como os interessados lhe comem as papas na cabeça. 


 

 

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