Thursday, April 17, 2014

A CULPA DO POVO

Há quase um ano coloquei aqui um apontamento, com o mesmo título, a propósito de uma afirmação feita na altura pelo professor Pranto*:"se foram feitos (disparatados) investimentos públicos foi porque o povo assim o quis". 

Há dias, outra vez por mero acaso de zapping, topei com uma conversa entre um crónico televidente e a professora M Filomena Mónica, naquele caso a propósito da publicação de um livro da prof. Mónica, sobre o descalabro da disciplina nas escolas portuguesas, e não só, porque - afirmou ela - a praga foi criada por metodólogos inspirados nas doutrinas roussianas, que defendem a prevalência da liberdade criativa sobre a disciplina e o método nas escolas, e espalhou-se por toda a Europa e Estados Unidos.

Não é difícil concordar com a professora Mónica neste ponto, tantas são as notícias de insubordinação, vandalismo, agressões a professores, que frequentemente chegam a público. E que o desaforo não se localizou em Portugal testemunha-o, por exemplo, "Entre les murs", um filme rodado em França, que passou em Portugal como "A Turma". Até aqui, nada de novo. E de quem é a culpa, perguntou o crónico? A culpa é do ministro? Não é, responde Mónica, os culpados são um grupo de iluminados instalados no ministério, discípulos de Rousseau, e que nenhum dos trinta ministros nos últimos 40 anos conseguiu desalojar, incluindo o actual, amigo do crónico, que, quando comentava televidente com este, afirmava que o ministério deveria levar uma limpeza de alto a baixo. Não foi, e não foi porque, continuou Mónica a explicar, não há exigência de qualidade do ensino em Portugal, porque os portugueses habituaram-se a desenrascar-se com cunhas e, do ensino, a esperar apenas um papel, um diploma, um canudo. E, portanto, segundo Mónica, o culpado de tudo isto é o grau nulo de exigência  do povo. 

Ouvi, e esqueci. A generalização de responsabilidades é o álibi falacioso dos verdadeiros responsáveis. Quem são os culpados da crise? Os culpados, dizia João Salgueiro há dois anos, somos nós todos. E vá lá, vá lá, segundo esta outra sumidade, a culpa não é só do povo!

Mas o que me fez voltar ao tema não foi o facto recente de Mónica acusar o povo. Acusações do estilo são frequentes da parte daqueles que não são povo, são eles, uma espécie de gambozinos que não existe como povo. O que me suscitou o comentário de hoje foi um imeil, um de muitos milhões com que se entretem o povo a distribuir pelo povo (suponho que é povo, se não os confundo com os gambozinos).

(continua).

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* O prof. Pranto foi secretário de Estado do Tesouro e das Finanças do XIV Governo Constitucional (António Guterres) (1999-2000), foi depois membro do Conselho Nacional do PSD, entre 2008 e 2011, tem acumulado cargos em várias empresas públicas e privadas. Enquanto membro do segundo governo de António Guterres esteve, certamente, muito próximo da gestação do esbanjamento de dinheiros públicos em obras que excederam largamente as exigências da organização do Euro-2004.

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