Friday, September 07, 2012

OS EUROPEUS NÃO EXISTEM

Passou cá, de regresso a casa e à Universidade onde é investigador. Cientista de mérito largamente reconhecido, na casa dos quarenta.

- Como vão as coisas por lá?
- Podiam ir melhor, esperemos que melhorem.
- E quando é que saímos do euro? Os gregos estão prestes a sair, não?
- Não creio. Seria um desastre para eles, e para nós.
- Mas porquê? Desastre é não disporem de moeda própria que lhes permita decidir a política cambial que mais lhe convenha. Fui sempre contra a entrada de Portugal no euro, aliás penso que não deveríamos sequer ter entrado na União Europeia. A União Europeia é uma ficção, os europeus não existem. 
- Albanizávamos-nos, então?
- De modo algum. Portugal é um país rico. Eu nasci em Angola, agora estou aqui, estou a fazer uma boa carreira, tenho família em quase todos os continentes. Veja o que aconteceu em 75. Chegou aquela gente toda e Portugal ganhou outro dinamismo. Hoje há quase cem mil portugueses em Angola. Há mais de duzentos milhões de pessoas que falam português. É com eles que Portugal tem de contar.
- Não penso que possamos deixar de nos integrar na Europa. Aliás, sou favorável a uma federação europeia. E a culpa da situação em que estamos não é do euro, não é da União Europeia. As desvalorizações competitivas nunca originaram um crescimento económico e social sustentado. Veja o caso do Brasil. Só saiu do subdesenvolvimento larvar quando abandonou a política da desvalorização crónica do cruzeiro. 
- Mas são os países que ficaram fora do euro que estão em melhor situação agora: veja o caso do Reino Unido, da Suécia, da Dinamarca, ...
- São em maior número os que estão em boa situação dentro da zona euro. O Reino Unido não está assim tão bem, e as coroas sueca e dinamarquesa flutuam à volta do euro. A Hungria não está no euro e está com problemas sérios, os checos não estão, e estão equilibrados. No nosso caso, a origem do desastre não está no euro mas no endividamento importado (e algum reexportado para a Grécia) pelos bancos que atingiu níveis que nunca deveria ter sido consentido terem sido atingidos. E os bancos sabiam disso, o Banco de Portugal sabia disso, os governos sabiam disso mas convinha-lhes o crédito para comprar os votos com as obras com que enchiam o olho dos eleitores. São eles, os bancos, e muito especialmente o Banco de Portugal, e os governantes, os culpados.
- A União Europeia pagou para se arrancaremas vinhas, para se destruir a frota de pesca e a marinha mercante.
Não é verdade. Portugal recebeu da UE muitos fundos estruturais. Se houve uma má utilização desses fundos devemos culpar aqueles que em Portugal consentiram os desmandos e as falcatruas na sua utilização. Eu herdei umas vinhas que não tinham dimensão económica competitiva. Abandonei-as sem esperar quaisquer fundos europeus, que, aliás, nem solicitei sequer. Foram abatidos muitos barcos de pesca sem dimensão competitiva. O que fizeram com o dinheiro que a a UE pagou? Investiram em barcos bem apetrechados? Houve apoios a culturas específicas, de girassol, por exemplo. Os institutos responsáveis pelas atribuições dos fundos e controlo das produções viram o que toda a gente viu: Lançadas as sementes à terra, ninguém mais se importava com a seara que morria ressequida. De quem foi a culpa? da UE ou dos serviços incompetentes do ministério da agricultura?
- Mas acha de os de leste ou os do norte da Europa nos ligam alguma, que querem saber de nós. Não. Deveríamos sair do Euro, sair da União Europeia,  e contar com nós mesmos.
- E as dívidas?
- Acabavam-se as dívidas. A Argentina falhou, e veio ao de cima. Os cubanos há muitos anos que contam apenas com eles e têm conseguido. Os portugueses têm de fazer o mesmo. O futuro dos portugueses está nos portugueses, onde quer que eles estejam.
- Discordo. Foi o isolamento, o acantonamento a que a geografia e a história nos remeteram, que nos marginalizou, nos dispensou dos conflitos, dos desafios, dos confrontos, e  nos amoleceu a garra. Não devemos agora esquecer por onde andámos, o nosso passado, a nossa vocação atlântica, mas não podemos deixar de nos integrar na Europa.
- Os portugueses não têm hoje direito a voto em matérias vitais. Segundo um relatório da ONU, recente, Portugal é uma democracia deficiente porque o voto dos portugueses pouco decide. A Grécia vai sair da Europa. E penso que os gregos ganharão com isso. Desde logo porque ficarão novamente senhores dos seus destinos. Hoje não têm capacidade de decidir por eles.
- Se a Grécia sair do euro ...
- e  da União Europeia ...
- Acaba a União Europeia. 
- E, depois? 
- Hum! Os gregos cairão nos braços de Putin?
- Ficam pior?
- Muito pior. E,  se isso suceder assistiremos ao desmantelamento da Europa, à recomposição do bloco russo. À guerra, muito provavelmente.
- Mas a guerra já começou.
- Em certa medida sim.

Mas ainda há tempo para evitar que se precepite num conflito bélico que destruiria mais uma vez a Europa. Foi essa a razão primordial que há cinquenta e quatro anos esteve na origem dos alicerces da União Europeia, um edifício ainda em vias de construção, à espera que pacificamente o terminem, e que não o abanem tanto os projectistas que acabem por o deitar ao chão. Porque, se houver desmoronamento, muitos europeus poderão ficar debaixo dos escombros.

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