O Financial Times de hoje publica um artigo de Kenneth Rogoff ( professor de economia na Universidade de Harvard e co-autor de “This Time is Different”) - Uma parábola para o euro : um casal com uma conta bancária conjunta.
A parábola é conhecida, Kenneth Rogoff acrescenta, no entanto, um conjunto de outros titulares à conta inicial para vincar mais a demonstração de que não há grupo que não acabe por se desintegrar se não houver entre os seus elementos um conjunto de valores centrípetos que lhes garanta unidade ao longo da viagem pelo tempo.
Na sua versão original e mais simplificada que esta de Rogoff, pergunta-se se é possível a perdurabilidade da união de um casal que possui uma conta conjunta no banco mas um dos parceiros é perdulário ao ponto de afundar a solvabilidade e a credibilidade financeira do outro. A resposta óbvia é não. Por mais intensos que sejam os outros laços que os unem, mais tarde ou mais cedo o desregramento perdulário de um deles acabará por destroçá-los. A probabilidade dessa ocorrência aumenta quando aumenta o número de elementos ligados pela mesma conta conjunta. As vantagens, que também existem, na medida em que os banqueiros retribuem melhor as contas maiores, desfazem-se se um ou mais elementos do grupo colocar em causa a fiabilidade do conjunto.
Acontece o mesmo com um conjunto de países unidos por uma moeda comum. A mobilidade do factor trabalho entre os países membros é uma condição necessária mas não suficiente à coesão da união. Uma moeda comum exige, entre outros factores de coesão, uma autoridade fiscal central com autoridade tributária sobre os países membros, um regulador financeiro central, mas sobretudo não pode dispensar a legitimidade do poder de uma união política.
Em resumo: A União Europeia ou é uma união política legitimada democraticamente ou será desunião com todas as consequências dramáticas que esse divórcio implicará.
Dentro de algumas horas, cerca das 10 da noite, celebram-se 38 anos do início dos movimentos militares que no dia seguinte derrubariam um regime de quatro décadas que caiu sem que alguém tenha disparado um tiro em sua defesa. Este ano, as celebrações do 25 de Abril não vão contar com os militares representados na Associação 25 de Abril, Mário Soares também já fez saber que não contem com ele e Manuel Alegre, idem aspas. Argumentam, certamente por desmemoriação pontual, que a soberania do país está no prego e culpam este governo da afronta.
Há dias, soube-se que o governo dos Países Baixos, que não se encontram em situação de fragilidade financeira, se demitiu por falta de apoio às medidas decorrentes do tratado recentemente assinado por 25 dos 27 membros da União Europeia.
Apenas dois exemplos extremos, onde o incómodo das consequências da adesão a uma conta conjunta pré-nupcial ameaça acabar mais dia menos dia com a conta e destruir o grupo. A soberania, real ou imaginada, continua a determinar as emoções dos povos europeus enquanto eles não forem colocados perante a questão curial:
---, é de sua livre vontade ser europeu?, sujeitando-se a regras de convivência que não podem deixar de passar pela perda de soberania de cada um movimentar a conta conjunta conforme lhe der na real gana?
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Act. - É muito curioso, e essa foi a principal razão que me levou a escolher o artigo de Rogoff como tema do meu apontamento de hoje, que sejam sobretudo os economistas norte-americanos que defendem o federalismo como única saída para o impasse europeu. Na União Europeia, o assunto continua tabu. Mesmo os federalistas europeus não disfarçam o incómodo da, consequente, perda de soberania, muitas vezes já largamente perdida.
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