Há dias foi notícia o embate da polícia no Porto com um grupo que ocupava já há algum tempo um prédio camarário devoluto. Se bem entendi o grupo de ocupas utilizava as instalações disponíveis para fins de cooperação social. Não sei se a utilização era aquela e só aquela que os ocupas invocavam mas a favor dos ocupantes deponho os meus argumentos de defesa.
É público, notório, e muitas vezes referido nos media que o Estado, central e local, continua a deixar desmoronarem-se muitas edificações devolutas, total ou parcialmente, que são património público.
Esse abandono, que se junta ao abandono de muitos outros milhares de casas de propriedade privada, constitui uma afronta a quem não tem casa e dá uma imagem a quem nos visita da apagada e vil tristeza de quem se habituou a viver com total indiferença entre escombros.
A lei das rendas tem sido vezes sem conta dada como culpada do abandono dos edifícios mais antigos, mas sabe-se que nem só a famigerada lei (ou a ausência dela) está na origem desse abandono. A especulação, heranças em contencioso, e outras causas sem qualquer conexão com a tal lei das rendas, não têm sido suficientemente penalizadas de modo a promover a racionalidade económica da propriedade, urbana e rústica. Tenho insistido nisto neste caderno de apontamentos: o direito de propriedade não pode colidir com o interesse mais vasto dos interesses da sociedade. E, objectivamente, cada casa, cada prédio, ao abandono reduz o valor dos prédios vizinhos e constitui uma mancha repelente para quem nos visita se não procura o lado sórdido das cidades.
Hoje é notícia de que também a Câmara de Lisboa tem uma casa com ocupas activistas e a polícia intimou os ocupantes a sairem no prazo de dez dias. A ocupação é um abuso de direito que deve ser reprimido. Mas o abandono de um prédio camarário, sendo também um abuso de direito, deveria de igual modo ser punido. A ocupação é uma forma de punição do abandono de um bem público. A desocupação só deveria ser accionada a partir do momento em que a Câmara desse início às acções necessárias à utilização legal desse bem público.
Se assim fosse, se tal princípio fosse adoptado e generalizado à propriedade privada abandonada, as nossas cidades, nomeadamente Lisboa e Porto, seriam mais habitadas e mais acolhedoras para quem nelas reside e para quem as visita.
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