A entrevista de Eduardo Catroga no programa "Diga lá, Excelência", que transcrevi aqui*, corre o sério risco de submergir entre as vagas sucessivas de politiquices que inundam os media e entretêm os portugueses. Com coisas sérias não se brinca e a malta, em geral, está mais virada para brincadeiras. Não fosse assim, e não haveria tantas entre nós em tempos de crise.
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Trata-se de um documento que resume bem, creio eu, o pensamento do entrevistado acerca dos problemas do país e dos meios que deveriam ser mobilizados para os atacar. Não encontrei neles pontos com que possa discordar mas continuo com muitas dúvidas sobre a praticabilidade de alguns deles. Deste, por exemplo:
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Transcrevo:
" Defende, então, que se deve voltar ao congelamento dos salários na função pública?
Com certeza. Agora não quer dizer que, em função das prioridades, não conseguisse, poupando noutras áreas, arranjar uma verba, por exemplo, para incentivar acréscimos de produtividade a sério na função pública. Ou seja, haveria aumentos selectivos em função dos acréscimos de produtividade."
A produtividade é um conceito que tem as suas subtilezas e poderá ser equívoco até. No caso da função pública, que como Catroga na entrevista é demasiado relevante na economia portuguesa para não ser avaliado sistematicamente em termos produtivos, e não é, a análise da produtividade é um tabu onde nenhum partido até hoje ousou meter mãos. Mesmo nos casos que, pelo menos aparentemente, a análise da produtividade seria tecnicamente relativamente fácil a orientação tem ido em sentido contrário. A não inclusão de todas as responsabilidades assumidas em nome dos contribuintes (via Orçamento do Estado) pelas empresas públicas (o Público noticia hoje que o presidente da CP avalia o défice desta em mais de três mil milhões de euro) é o exemplo mais acabado da fuga ao escrutínio público de um gato com um rabo, preocupantemente cada vez mais longo, de fora.
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A produtividade da função pública se avaliada por critérios macro-estatísticos é uma delícia: aumenta proporcionalmente ao aumento dos salários da função pública. Tem, neste sentido, aumentado bastante mais que o sector privado em geral e, muito particularmente, muito mais que o sector privado dos transaccionáveis. A produtividade global do país tem-se, portanto, macro-estatisticamente transferido do sector privado que tem de mostrar o que vale no mercado para os sectores que têm os seus rendimentos garantidos e aumentados. Outra delícia, portanto.
A produtividade da função pública se avaliada por critérios macro-estatísticos é uma delícia: aumenta proporcionalmente ao aumento dos salários da função pública. Tem, neste sentido, aumentado bastante mais que o sector privado em geral e, muito particularmente, muito mais que o sector privado dos transaccionáveis. A produtividade global do país tem-se, portanto, macro-estatisticamente transferido do sector privado que tem de mostrar o que vale no mercado para os sectores que têm os seus rendimentos garantidos e aumentados. Outra delícia, portanto.
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E não estou a querer fazer humor : ainda não há muito tempo os banqueiros justificavam os seus lucros impressivos num país que globalmente rasteja com a produtividade que foram capazes de imprimir aos seus negócios. Recentemente, constatámos todos que não seria bem assim. Mais recentemente, as produtividades bancárias assaltam de novo.
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Voltando à função pública, se não nos quisermos enganar, temos de a avaliar. O problema é que eles não deixam.
Se não vejamos:
Voltando à função pública, se não nos quisermos enganar, temos de a avaliar. O problema é que eles não deixam.
Se não vejamos:
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Na Justiça: É um descalabro. Ninguém, com um mínimo de senso crítico, dirá que a Justiça vai bem em Portugal. A grande maioria dirá que é péssima. Como é que pode avaliar-se a produtividade dos magistrados e dos funcionários judiciais se a corporação trabalha em auto-gestão? Por auto-avaliação? A auto-avaliação nunca o é se for avaliação mesmo.
Na Justiça: É um descalabro. Ninguém, com um mínimo de senso crítico, dirá que a Justiça vai bem em Portugal. A grande maioria dirá que é péssima. Como é que pode avaliar-se a produtividade dos magistrados e dos funcionários judiciais se a corporação trabalha em auto-gestão? Por auto-avaliação? A auto-avaliação nunca o é se for avaliação mesmo.
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Na Educação: Com grandes culpas do PSD, que de forma não inteligente alinhou ao lado dos sindicatos esquecendo-se que um dia será governo e encontrará o problema por resolver, os professores vão conseguir aquilo que sempre quiseram: não serem avaliados.Querem ser bonificados: Todos bons, exceptuando uns óptimos e outros excepcionais, para os quais não admitem quotas.
Na Educação: Com grandes culpas do PSD, que de forma não inteligente alinhou ao lado dos sindicatos esquecendo-se que um dia será governo e encontrará o problema por resolver, os professores vão conseguir aquilo que sempre quiseram: não serem avaliados.Querem ser bonificados: Todos bons, exceptuando uns óptimos e outros excepcionais, para os quais não admitem quotas.
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Na Administração Pública, em geral: O único meio de avaliação seria o benchmarking. A comparação dos resultados atingidos em Portugal vis-a-vis aqueles que são obtidos nos países com os quais a nossa economia se tem de confrontar. Ninguém fala disso, nem quer falar. Andam os políticos entretidos com escutas e outras conversas de gente pouco séria para se dedicarem a questões economicistas que não dominam e desprezam.
Na Administração Pública, em geral: O único meio de avaliação seria o benchmarking. A comparação dos resultados atingidos em Portugal vis-a-vis aqueles que são obtidos nos países com os quais a nossa economia se tem de confrontar. Ninguém fala disso, nem quer falar. Andam os políticos entretidos com escutas e outras conversas de gente pouco séria para se dedicarem a questões economicistas que não dominam e desprezam.
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Há alguém que possa tentar modificar isto?
Talvez o Presidente da República. Habla con elle, Eduardo.
Há alguém que possa tentar modificar isto?
Talvez o Presidente da República. Habla con elle, Eduardo.
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5 comments:
Também subscrevo em geral as ideias do amigo Catroga que me parecem coerentes e sensatas.
Acho pretinentes as tuas reservas quanto à avaliação da produtividade na função pública em função de cujos acréscimos se poderiam, na proposta do Eduardo, fazer aumentos selectivos de remunerações.
Mas imagino que ele quando avança com essa ideia quer dar a hipótese de, na medida das disponibilidades geradas por eventuais poupanças noutras rubricas, o governo poder actuar sectorialmente sobre salários mais desajustados.
É claro que é mais fácil a implementação de uma medida de contenção geral do que possibilitar aberturas em função de critérios pouco objectivos. A partir do momento em que se procedam a aumentos num determinado sector virão todos os outros a encontrar razões para reivindicarem igual benesse.
Quanto à intervenção do PR aí sou eu quem tem as maiores dúvidas. Isso só seria viável se o presidente tivesse poderes para avançar com um cenário de governo o que no actual quadro constitucional não tem cabimento.
Parece-me mais frutuosa a proposta do Prof Jacinto Nunes de alteração do sistema eleitoral de modo a que os eleitos se possam sentir mais responsáveis perante os respectivos eleitores do que perante as cúpulas partidárias que os nomeiam. Estamos num circulo vicioso que não sei como sair dele.
Vamos continuar a reflectir...
Caro Luciano,
Obrigado pelo comentário.
Conto amanhã escrever aqui no Aliás um apontamento sobre a possível intervenção do PR e a alteração constitucional que muitos advogam da eleição de deputados por círculos uninominais, como preconizou ainda há dias J Nunes.
Mas, para já, como entendes a acusação de inacção do actual PR feita por António Vitorino no último "Folhas Soltas" e que está disponível no site da RTP:
Política - António Vitorino critica Cavaco Silva - RTP Noticias, Vídeo
Que pretende António Vitorino (e não só, certamente) que CS faça?
Das ocorrências do dia de hoje parece que só o PS é que vem requerer insistentemente a intervenção do PR, mais para trazer os outros à sua "razão" do que para liderar qualquer processo de convergência política.
Começam a ouvir-se vozes de que é inevitável o cenário de eleições antecipadas.
Essa história das eleições antecipadas confunde-me. E se derem o mesmo resultado, maioria relativa (como as sondagens indicam)? Vamos repeti-las até darem o que queremos, como no caso do tratado 'Lisboa'? E, sabemos o que queremos? E os custos? E a chatice? E o descrédito sobre o interesse das eleições? Parece-me que, antes de novas elições,
deveria encontrar-se um sistema constitucional que garantisse mais estabilidade governativa no caso de resultados como estes últimos.
"Essa história das eleições antecipadas confunde-me."
Caro Francisco,
A mim, também.
O que eu penso é que deveria o PR convocar os paridos, a começar pelo PS, e intimá-los a formarem uma maioria parlamentar.
Escrevi isso agora mesmo num apontamento a que dei o título Xeque ao rei - 4.
A designação Xeque ao rei foi da da por Maurice Duverger, o teórico do semipresidencialismo para a situação em que o governo não tem o suporte de maioria parlamentar.
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