Thursday, August 20, 2009

PÓS CRISE


A edição de 8/14 Agosto do Economist dedicava a capa e o editorial à questão que aqui abordei: a vulnerabilidade da economia alemã resultante da sua dependência das exportações e, consequentemente, da evolução económica dos países seus clientes. O editorial do Economist concluía: "Now the country needs to gear up the domestic economy. Politicians often protest that services are for dodgy financiers or downtrodden burger-flippers and that Germany deserves better. As September’s vote draws near, they should think again, if only for the sake of millions of their underemployed compatriots. It is time to experiment."

A economia japonesa caracteriza-se por um perfil exportador semelhante. Não penso que tanto num caso como noutro se observe um paradima diferente daquele que tem caracterizado as respectivas economias.

O FMI confirma as últimas previsões acerca da inversão da tendência do ciclo e previne que devem os EUA aumentar as exportações e a China as importações, se se quiser sustentar a recuperação da economia global. Já agora, acrescento eu o que quase toda a gente diz, também Portugal tem de aumentar as exportações se quiser evitar o completo descalabro da sua economia. E, evidentemente, o exercício prolonga-se a todos os países do planeta. Se o FMI se refere às economias norte-americana e chinesa é porque elas são, incontestavelmente, agora, os pivots do comportamento económico mundial.

Mas "uma coisa pensa o cavalo e outra quem está a montá-lo". No caso português, toda a gente (ou quase) concorda que Portugal tem de aumentar a sua produtividade e competitividade para reduzir o défice externo e suster o crescimento das dívidas. Mas como é que isso se faz? Há várias receitas mas levam tempo a engolir. Como o potencial de crescimento continua a rastejar, mesmo que a crise global se extinga mais depressa do que ainda há bem pouco tempo era previsível, não nos sobrará grande margem para aproveitar plenamente a retoma. O menos mau que nos poderá acontecer é continuarmos a voar baixinho.

Nos casos dos EUA, da Alemanha, do Japão e da China, os quatro principais motores económicos mundiais, as questões que se colocam são completamente diferentes. China e EUA não têm alternativa senão prosseguirem políticas de ajustamento que possam permitir um maior equilíbrio entre as suas relações comerciais. À China não pode interessar continuar a empilhar dólares em reservas ou aplicações em dólares susceptíveis de desvalorizações. Os EUA não podem continuar a sustentar-se com o crescimento do endividamento externo. Uma das consequências deste reajustamento passa necessariamente por uma alteração do papel da divisa chinesa no contexto do sistema financeiro internacional.

À economia norte-americana detem o mais elevado índice de produtividade do mundo e é ainda uma das mais competitivas. Não lhe falta potencial para voltar a ser o principal motor da economia mundial. Durante os últimos anos a disponibilidade chinesa para vender e financiar os compradores provocou um desequilíbrio comercial que não pode perdurar indefinidamente.

Que podem os norte-americanos exportar? Em princípio tudo, ou quase. Não lhes falta nem capacidade física, nem competência humana, nem know-how. Exportar mais ou menos depende fundamentalmente das condições que o mercado lhes oferecer ou lhes pedir. Até agora os mall têm enchido as suas lojas de produtos maid in muitos países, com particular destaque para a China. Mas isso não significa que não haja competência para produzir os produtos importados em território norte-americano. A longo prazo o mercado cumpre a razão porque nasceu: a troca. Ninguém pode perdurar a vender (a comprar) mais do que comprar (vender).

9 comments:

António said...

E pronto, lá vem outra vez a coisa da produtividade.
Faça-me umas continhas, que disso sabe você.
Deixe estar como está a nossa produtividade.
Volte a pôr os funcionários publicos e tudo o que manja do Estado em valores de, por exemplo há trinta anos.
Dará alguma coisa de jeito?
Por muito que se possa produzir nesta republica, havendo cada vez mais marmanjos a mamar a coisa cada vez é pior. Cada vez se produz menos, ou será que por muito que a gente se esfarrape para produzir, o resultado do esforço é sempre anulado por quem daí gasta?
Na minha modesta e simples maneira e ver, isto parece aquela empresa em que os operários não produzem, de dia, que se veja para sustentar o patrão mais o que ele gasta durante a noite.
Ele, os amigos e as amigas...
Ou aquela dos remadores, muitos a mandar e só um a remar.

Rui Fonseca said...

" isto parece aquela empresa em que os operários não produzem, de dia, que se veja para sustentar o patrão mais o que ele gasta durante a noite.
Ele, os amigos e as amigas..."

Caro António,

Concordo, em parte. E digo, em parte, porque a realidade nunca é monocolor.

É verdade, sim senhor, que os problemas da economia portuguesa só se resolvem quando existirem condições que não subalternizem quem produza bens e serviços que têm de competir no mercado.

E, antes de mais, melhor justiça.

A crise da justiça explica em grande parte os problemas estruturais que enfrentamos.

A Chata said...

"Que podem os norte-americanos exportar? Em princípio tudo, ou quase."

E as estruturas de produção onde estão, para onde foram?

Uma média de cerca de 600000 desempregados/mês desde o inicio deste ano quer dizer o quê?

Silicon Valley mudou-se para Mumbai.
A industria automóvel está a ser sustentada pelo Estado até ao suspiro final (enquanto a chinesa está florescente, veja-se o Auto show de Xangai e as vendas de carros na China).
As indústrias farmaceuticas produzem na China, India ou em qualquer barracão do Bangladesh.
Há Estados falidos, cidades tenda, familias endividadas, ainda esta semana faliu mais um banco.

O Finantial Times:

Mounting joblessness fuels US housing crisis
By Saskia Scholtes in New York
Published: August 20 2009 17:59 | Last updated: August 20 2009 17:59

More than one in every eight homeowners with a mortgage was behind on home loan payments or in some stage of foreclosure at the end of the second quarter, as mounting unemployment aggravated the housing crisis, the Mortgage Bankers Association said on Thursday
...
http://www.ft.com/cms/s/0/4f8283a8-8da3-11de-93df-00144feabdc0.html?nclick_check=1


Neste momento o 'motor' EUA pode explodir a qualquer momento, basta a China deixar de precisar de financiar o consumo americano do que, ainda, exporta para lá.

No People's Daily ontem :

China to trim US treasury holdings, diversify Forex reserves
16:17, August 20, 2009

China sold off 25.1 billion US dollars worth of U.S. treasury bills in June to bring its holdings to 776.4 billion dollars, according to data released by the U.S. treasury Department Monday. This has gratified people in China, whereas the United States keeps a close eye on the move.
...
http://english.peopledaily.com.cn/90001/90780/91421/6734461.html

O famosa 'Chimerica' parece mais uma 'previsão' que vai falhar:

‘Chimerica’ is Headed for Divorce
In Newsweek, Niall Ferguson argues that the seemingly inseparable economies of China and America may be headed for separation
Back in early 2007, it seemed as if China and America were so intertwined they’d become one economy: I called it “Chimerica.” The Chinese did the saving, the Americans the spending. The Chinese did the exporting, the Americans the importing. The Chinese did the lending, the Americans the borrowing.
http://chinadigitaltimes.net/2009/08/%e2%80%98chimerica%e2%80%99-is-headed-for-divorce/

A China precisa de importar o quê?
E a China importa.

Petroleo, minérios e produtos agricolas.

Os negócios já estão feitos com Angola, Venezuela, Russia, Irão, Paquistão, Brasil e várias republicas da ex-União Sovietica com aqueles nomes acabado em 'ão'.

E os negócios são feitos nos termos chineses. Veja-se o recente caso Rio Tinto.

Tal como os EUA, o Japão e a Alemanha 'dominaram' o Mundo economicamente no século XX, a China vai dominar no século XXI,
Os métodos são muito mais subtis
e o alarde é menor porque a cultura é outra e o regime politico também.

O Mundo mudou e, parece-me, se queremos ser realistas, não podemos continuar a equacionar os problemas enquadrados num cenário que já não é real.

Previsões de economistas do FMI temos visto o que têem valido: grandes surpresas num futuro próximo.

Rui Fonseca said...

"Tal como os EUA, o Japão e a Alemanha 'dominaram' o Mundo economicamente no século XX, a China vai dominar no século XXI,"

Não digo que não nem uma só vez.
Mas não vislumbro que desse facto possa vir mais mal ao mundo.

Quanto ao facto de os EUA poderem um dia destes perder a condição de potência única mundial, ocorre-me aquela célebre frase de Mark Twain, acerca da sua morte estando ele ainda vivo: "as notícias acerca da minha morte são exageradas".

Ainda vai correr muita água sob as pontes antes de a China chegar ao nível de desenvolvimento dos EUA.

Apesar dos crescimentos exponenciais chineses a diferença é ainda abissal.

A Chata said...

"Mas não vislumbro que desse facto possa vir mais mal ao mundo."

Nem Mal, nem Bem.

A História repete-se, impérios crescem e caem e são substituídos por outros, tem sido sempre assim.

A grande diferença é o total de população envolvida.

Mas, acabou por não me especificar o que é que os EUA (ou a Europa)vão produzir (se a China deixar) para exportar e para onde.

Dê-me só um exemplo de algo que a China ou a India não produza a preços de uva mijona.

Carros, texteis, computadores, software, televisores, telemoveis, produtos farmaceuticos, chocolates e afins, refrigerantes, material de papelaria, moveis,...?
Até serviços de saúde a India fornece em condições e preços muito melhores.

O quê?


"Ainda vai correr muita água sob as pontes antes de a China chegar ao nível de desenvolvimento dos EUA."

Será?
O que sei é que a qualquer momento a China pode retirar o 'tapete' e cobrar a divida astronómica dos EUA, arrastando o Dollar para as ruas da amargura.

Os Romanos também achavam que o invasor eram barbaros...

Rui Fonseca said...

"Dê-me só um exemplo de algo que a China ou a India não produza a preços de uva mijona."

Há muita coisa nos sectores da indústria farmacêutica e da informática porque não dispõem, por enquanto, do know how.

Também na agricultura, apesar de ser protegida, os EUA têm condições de produtividade imbatíveis.

Também na aeronáutica.Por exemplo.
Para dar exemplos em sectores muito diferentes.

Não tenha dúvidas. Ainda durante muitos anos a China estará a uma distância considerável dos EUA.

"O que sei é que a qualquer momento a China pode retirar o 'tapete' e cobrar a divida astronómica dos EUA, arrastando o Dollar para as ruas da amargura."

Como? A dívida não se cobra assim sem mais nem menos. A dívida está titulada em dólares. Se o dólar cair desamparado o que é recebem os chineses pelos dólares que têm?

O problema é muito mais complexo do que parece à primeira vista.

Se o dólar se desvaloriza, e a desvalorizaçao é sempre relativamente a outra ou outras moedas,passam os EUA a produzir ao "preço da uva mijona"? E os chineses que fazem, nesse caso? Eles que até agora têm mantido a sua moeda ligada à moeda norte-americana?

A Chata said...

"Há muita coisa nos sectores da indústria farmacêutica e da informática porque não dispõem, por enquanto, do know how. "

Deve ser por isso que o homem da Microsoft, a última vez que li tinha 6 centros na China (e estava a pensar em abrir mais) afirma que prefere contractar engenheiros chineses formados na China do que engenheiros chineses formados nos EUA ou Europa por estarem mais bem preparados.

Na farmaceutica?
Onde acha que são produzidos os farmacos que consumimos?
Para já não falar que a China tem uma longa tradição de medicamentos tradicionais que está a incentivar.

E na aeronautica, o Airbus já está ser montado na China e é assim que começa a transferência do know-how.

Quanto à divida,


China to trim US treasury holdings, diversify Forex reserves
16:17, August 20, 2009

China sold off 25.1 billion US dollars worth of U.S. treasury bills in June to bring its holdings to 776.4 billion dollars, according to data released by the U.S. treasury Department Monday

http://english.peopledaily.com.cn/90001/90780/91421/6734461.html


Claro que não se faz de um dia para o outro, nem é simples mas...

Além de que a posição de credor com dinheiro permite controlar muita coisa.

A Chata said...

Acabei de ouvir na SIC Noticias.

Bons sinais para a economia.
O consumo aumentou em Julho.

Como dizem agora os nossos jovens,
Dahaaaaa!
O mês de Julho é mês de subsidio de férias, de visita de emigrantes, de turismo. É natural que o consumo aumente.

Não consigo ver como isso é um sinal, a não ser de desespero para confirmar previsões que dificilmente se irão concretizar.

Rui Fonseca said...

"Não consigo ver como isso é um sinal, a não ser de desespero para confirmar previsões que dificilmente se irão concretizar."

Talvez se concretizem. Talvez não.
Mas os indicadores positivos são melhores que os negativos. E, por agora, são positivos.