Leio o seu artigo publicado no Público de hoje (Desmancha-prazeres-idiotas), e começo por não perceber quem lhe merece o epíteto. Começa o Professor por afirmar que "ser desmancha-prazeres de prazeres idiotas ... estar contra a maioria é uma delícia que (lhe) apraz saborear."
Não quero retirar das suas palavras que, para si, as maiorias são sempre idiotas mas não vejo alternativa senão deduzir delas que, em seu entender, a idiotice é uma pecha das maiorias. De outro modo, estaria contra todos os prazeres idiotas, sejam eles maioritários ou orgulhosamente sós. E sempre exceptuaria quem, com quem discorda, não é totalmente idiota.
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Destaca o Público a sua afirmação de que "as críticas às remunerações condicionadas ao sucesso das empresas são um ataque demagógico à sua eficiência". Permita-me que discorde, sem que dessa discordância retire qualquer prazer em desmanchar o quer que seja, mas apenas pelas dúvidas que algumas certezas suas me suscitaram.
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Afirma o Prof. que "estes bónus (vultosos) não existem em Portugal, pelo que a discussão, por esta razão, é vazia de conteúdo no nosso caso". Como muito bem sabe, a relatividade é inerente à medida. E se os bónus de 10 ou 20 milhões de euros, geralmente pagos a gestores norte-americanos e ingleses em anos bons (para utilizar a sua expressão), não são atribuídos em Portugal, as empresas portuguesas são minúsculas quando comparadas com os gigantes dos EUA. Faça o Prof. a proporção entre um BCP, por exemplo, e um CityBank, e os bónus que as respectivas administrações se atribuíram antes do deflagrar da crise, e constatará quem se abotoou melhor.
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Afirma o Prof, mais adiante que "(porque os bónus eram baseados em indicadores de curto prazo) ... não é uma razão para acbar com os rendimentos dos gestores ligados ao desempenho, mas para mudar esses indicadores, bem como a sua monitorização. E se alguém ficar prejudicado serão os investidores."
Acontece, contudo, que quem, geralmente, se atribui bónus vultosos é quem define as regras de atribuição, directa ou indirectamente, num círculo de influências e conivências impenetrável. E esta não é uma conclusão de maiorias invejosas e despeitadas mas de alguns académicos e personalidades insuspeitas.
E, a este propósito, recordo-me do que escreveu Alan Greenspan em The Age of Turbulence, ainda a crise não tinha emergido e o "mágico" não tinha feito o seu acto de contricção.
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"... a crítica (que deve ser feita) não é aos bónus, mas à falta de accountability (quando os gestores se comportam, na prática, como donos das empresa)", afirma o Prof.
Mas o Prof. sabe que a nomeação de auditores e revisores oficiais de contas se processa no mesmo círculo fechado de interesses e não há, por enquanto, nenhuma independência possível de contabilistas, auditores e revisores relativamente à gestão das empresas . Aproxime-se melhor o Prof. do estatuto que regula as actividades dos ROC em Portugal e concluirá com facilidade que desempenham por força de lei uma actividade de moços de fretes principescamente remunerados.
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"... se não for o nosso dinheiro nem o nosso investimento, não é assunto que nos diga respeito..." , adverte o Prof. E eu concordaria, se a afirmação não pudesse estar enviesada por aquele se inicial. Por uma simples razão: O nosso dinheiro pode andar por aí sem que a maioria se aperceba disso. Afirma o Prof. que "hoje, há vários economistas de diversas sensibilidades políticas (que) têm defendido uma redução dos salários nominais, pois estaria em causa a competitividade das nossas empresas...". Arrisco-me a pensar que o Prof. inclui o seu consócio Vítor Bento naquele conjunto. E eu admito que VBento tenha razão.
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Trabalhei durante muitos anos numa empresa industrial sujeita às leis dos mercados internacionais. Os custos e os preços são ditados pela concorrência. Os resultados não dependeram de quaisquer favores do Estado. Já o mesmo não sucede com as empresas em regime de monopólio de facto, e VBento demonstrou isso muito bem. Podemos discordar da terapêutica mas, lamentavelmente, não conseguiremos alterar o diagnóstico.
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"A onda de crítica às remunerações condicionadas ao sucesso das empresas é um ataque demagógico à sua eficiência". Pode ser. Mas desse ataque não se defende com honra quem persiste no assalto sem olhar a meios.
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* Luís Campos e Cunha
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