Saturday, June 27, 2009

ECONOQUÊ?

Depois do Apelo à Reavaliação do Investimento Público, mais conhecido pelo documento dos 28, surgiu ontem o Apelo dos 51 à opinião pública. Subscrito por economistas, sociólogos e politólogos, na sua maior parte professores catedráticos, o manifesto dos 51 é, claramente, um texto de apoio ao programa de investimentos públicos que o actual Primeiro Ministro se propõe executar, se mantiver o cargo após as próximas eleições legislativas. Opõe-se ao documento dos 28, que coloca grandes reservas à oportunidade da execução de alguns dos megaprojectos, e nomeadamento do TGV, considerando a crise económica e financeira com que Portugal se debate no meio do turbilhão de uma crise global de dimensões que só encontram paralelo na Grande Depressão de 29.

Sintetizando, os 51 subscrevem que,

"A contracção da procura é agora geral ... o combate ao desemprego tem de ser o objectivo central da política económica ... Uma taxa de desemprego de 10% é o sinal de uma economia falhada, que custa a Portugal cerca de 21 mil milhões de euros por ano – a capacidade de produção que é desperdiçada, mais a despesa em custos de protecção social... Em cada ano, perde-se assim mais do que o total das despesas previstas para todas as grandes obras públicas nos próximos quinze anos ..., Assim, respondemos propondo um vigoroso estímulo contracíclico, coordenado à escala europeia e global,... Os recursos públicos devem ser prioritariamente canalizados para projectos com impactos favoráveis no emprego, no ambiente e no reforço da coesão territorial e social: reabilitação do parque habitacional, expansão da utilização de energias renováveis, modernização da rede eléctrica, projectos de investimento em infra-estruturas de transporte úteis, com destaque para a rede ferroviária, investimentos na protecção social que combatam a pobreza e que promovam a melhoria dos serviços públicos essenciais como saúde, justiça e educação... (quanto ao documento dos 28)...Trata-se de uma opinião que reflecte uma escolha político-ideológica destinada a impor à sociedade uma noção unilateral e pretensamente científica... temos de pensar sobre os nossos problemas no quadro europeu e global onde nos inserimos. A competitividade futura da economia portuguesa depende também da adopção, pelo menos à escala europeia, de mecanismos de correcção dos desequilíbrios comerciais sistemáticos de que temos sido vítimas..., Precisamos de mais Europa ...Por isso, apelam à opinião pública para que seja exigente na escolha de respostas a esta recessão, para evitar que o sofrimento social se prolongue."

Releio um documento e outro e não vislumbro no segundo, relativamente ao primeiro, mais do que uma acusação de cientismo ideológico, mas sem refutar qualquer dos constrangimentos mais críticos que pesam sobre a economia portuguesa, nomeadamente, o galopante endividamento externo, o crescente desequilíbrio da balança comercial, a estagnação do crescimento económico decorrente da falta de competitividade da nossa economia, as condicionantes, mal geridas, impostas pela adesão ao euro. Tratando-se, em grande parte, de pessoas que ensinam ou ensinaram nas mesmas escolas, esperar-se-ia, se não uma maior convergência de leituras dos dados que caracterizam a conjuntura pelo menos maior respeito deste segundo grupo pelas perspectivas adiantadas pelo outro. O confronto que evita a discussão da realidade económica financeira do país, que, incontornavelmente, condiciona as políticas possíveis mais adequadas ao desenvolvimento económico e social, e à criação de emprego, levando o debate para a chicana ideológica, constitui um péssimo certificado para a ciência económica e para a dignidade da habilitação como economista que a maior dos subscritores indica a seguir ao nome.

Percebem-se mal algumas dos pressupostos que suportam a argumentação do apelo dos 51:

1 - Partem do princípio que, havendo quebra geral da procura, as políticas de emprego passam pela despesa do Estado, nomedamente pelo investimento público. Ora, como facilmente se pode constatar da leitura de dados que são públicos, o crescimento da economia portuguesa não tem sido condicionado pela procura. O problema da economia portuguesa está do lado da oferta, como demonstra V Bento em "Perceber a crise...". É essa insuficiência de competitividade das produções portuguesas que tem determinado o crescente desequilíbrio entre importações e exportações, o crescimento da dívida externa, a estagnação da economia portuguesa. Os portugueses têm procurado muito mais do que oferecido.

2 - No programa de investimentos enunciado, redentor da economia portuguesa, cabem todos os projectos, dos mega aos micro. Esperar que a estagnação da economia portuguesa, a grande responsável pela não criação suficiente de emprego, que dura há mais de 10 anos e é, portanto, muito anterior à crise global, se resolve principalmente através do investimento público, e nomeadamente dos megaprojectos, carece de fundamento. Primeiro, porque não resolve o problema fundamental com que se defrontam, geralmente, as produções de bens e serviços portugueses (competitividade); segundo, porque projectos como o TGV dinamizarão, sobretudo, a procura (e o emprego) nos países fornecedores dos equipamentos que o projecto tem de adquirir e não encontram produtor em Portugal; terceiro, porque, conforme é referido, é preciso optar, e as opções não podem deixar de contar com os meios disponíveis. Ora um programa de investimentos públicos, tão abrangente que não deixa nenhum de fora, é, lamentavelmente, impossível.

3 - Afirmam os 51 que "a competitividade futura da economia portuguesa depende também da adopção, pelo menos à escala europeia, de mecanismos de correcção dos desequilíbrios comerciais sistemáticos de que temos sido vítimas", remetendo a solução dos nossos problemas para decisões a nível da União Europeia. Mas não referem uma única pretensão que deva ser negociada pelo governo português em Bruxelas. Aliás, os 51 vão muito mais longe nas suas propostas e propõem " um vigoroso estímulo contracíclico, coordenado à escala europeia e global" . Nada modestos, estes 51. Esquecem-se, ou parece que se esquecem, que há duas crises: a nossa e a global. E que, ultrapassada a segunda, não há nenhuma garantia, antes pelo contrário, que esteja solucionada a primeira, que é mais antiga.

4 - Mas é o endividamento externo, que não pode crescer indefinidamente, o nó górdio apontado pelos 28 mas soberanamente ignorado pelos 51, que constitui o maior desfasamento entre um documento e outro na definição da linha de partida. É, no mínimo, estranho que tanta gente que faz das contas a base das disciplinas que ensina, passe por cima do principal argumento do outro grupo sem dizer que as contas deles estão erradas e por quê.

Limitam o seu apelo à opinião pública com a distribuição de um credo. Chegará? Sei lá. As religiões têm muita força.

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