Triplo retrato de Pessoa - Júlio Pomar
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Fernando Pessoa nasceu há 120 anos.
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"Quanto mais avançamos na vida, mais nos convencemos de duas verdades que todavia se contradizem. A primeira é de que, perante a realidade da vida, soam pálidas todas as ficções da literatura e da arte. Dão, é certo, um prazer mais nobre que os da vida: porém são como os sonhos, em que sentimos sentimentos que na vida não se sentem, se conjugam formas que na vida não se encontram; são contudo sonhos, de que se acorda, que não constituem memórias nem saudades, com que vivamos depois uma segunda vida.
A segunda é de que, sendo desejo de toda a alma nobre percorrer a vida por inteiro, ter experiencia de todas as coisas, de todos os lugares e de todos os sentimentos vividos, e sendo isto impossível, a vida só subjectivamente pode ser vivida por inteiro, só negada pode ser vivida na sua substância total.
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Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá, guiando-se pelo instinto dos gatos, que buscam o sol quando há sol, e quando não há sol o calor, onde quer que esteja. Feliz quem abdica da sua personalidade pela imaginação, e se deleita na contemplação das vidas alheias, vivendo, não todas as impressões mas o espectáculo externo de todas as impressões.
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Não posso ser nada nem tudo: sou a ponte de passagem entre o que não tenho e o que não quero."
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