Saturday, June 14, 2008

À VOLTA DO REFERENDO

Resultado irlandês

Por que carga de água é que são os votantes do "não" a emperrar o que quer que seja? Por que é que não serão os votantes do "sim", precisamente, os que estão a emperrar uma melhor construção europeia?

Rui Fonseca disse...
Pode explicar melhor se faz favor?
11:45 PM
AMN disse...
Posso.
Várias reacções aos resultados lamentam o resultado irlandês como sendo um entrave a um determinado caminho de construção europeia(que, recorde-se, no único referendo realizado, foi chumbado). Ora, porque não fazer a leitura inversa, proporcional à humildade que devemos ter na leitura dos resultados. Estará este caminho correcto?
3:21 AM
Rui Fonseca disse...
Há uma tese (aliás, também a tese de muita gente que se regozija com o chumbo porque não quer a Europa: O Bloco de Esquerda, o Partido Comunista, o Sinn Fein, etc) que defende o instituto do referendo como avaliador genuíno da vontade popular.É por isso que mil vezes nos avisam que a Europa assim não vai pelo bom caminho, assim está a ser construída à revelia da vontade dos cidadãos, assim é obra de gabinetes, assim não se promove o ideal europeu. E porquê? Muito simplesmente porque o povo não é ouvido, e deveria ser, em referendo.Esta tese implica outra: A de que o referendo (democracia directa) é mais democrático que as decisões tomadas por via parlamentar (democracia representativa). O que não deixa de ser curioso porque a democracia representativa tem sido o sustentáculo mais saliente das democracias modernas sem que os vigorosos defensores do referendo alguma vez tenham posto a democracia representativa em causa. Tendo ganho o "não" na Irlanda em referendo, pretende o Adolfo, numa leitura que decorre daquela tese, fazer-nos ver a perspectiva daqueles que vêm no "não" irlandês um salutar apoio à construção europeia.O que é uma forma sofista de querer fazer ver.Sofista, porque qualquer pessoa sabe que os referendos são geralmente aproveitados para mobilizar os votantes no sentido de atirarem contra vários alvos que nada têm a ver com o alvo do referendo. No caso da Irlanda, o aborto, os casamentos gay, a neutralidade militar, etc., serviram para receber grande parte das balas atiradas em nome do Tratado que, toda a gente sabe, não continha nenhum daqueles temas.Mas o sofisma não fica por aqui, porque vem logo a questão: Mas em todas as eleições há manipulação de intenções, logo, assim sendo, parece que o que está mal é o sistema democrático. Ora o sistema democrático, está dito e redito, não é perfeito. O problema é que, como dizia o outro, é o menos mau de todos. O que acontece é que num referendo a jogada é sim ou sopas, o que torna o exercício muito mais vulnerável há mistificação e à demagogia. Assim sendo, que fazer? Não podemos ignorar, que mesmo considerando o referendo um instrumento demagógico, ele é, por esse mesmo motivo, mobilizador e atractivo. Podemos argumentar incansavelmente que a democracia representativa é, e é, e é, bla,bla,bla,bla,bla,bla, mas continuaremos sempre com o estupor do referendo à perna.Só vejo uma saída, e já a coloquei aqui neste blog há tempos atrás:Há um documento (Tratado de Lisboa) que foi aprovado por todos os representantes de todos os estados membros. Essa representatividade não pode, legitimamente, ser posta em causa.Temos de admitir, portanto, que o Tratado é a melhor resultante dos interesses dos estados membros conseguida por aqueles representantes. O instituto do referendo exige um documento a referendar. Assim sendo, deveria haver referendo em todos os estados membros. Com uma ressalva: O referendo teria como objecto a adesão à União Europeia regulada por aquele documento e não o documento em si.Trocando por miúdos, o que os irlandeses deveriam ter dito era se queriam ou não continuar na UE sob aquele Tratado. Se não querem, lamenta-se, mas saiam.A forma como foi conduzido este processo condenou este Tratado ao fracasso como condenará qualquer outro. O que me espanta é que, gente experimentada, inteligente e séria, empenhada na construção europeia, não tenha percebido o óbvio.Não, Adolfo, humildemente, o "não" neste caso não só é um entrave, é um instrumento útil para aqueles que querem destruir a União Europeia. Louçã & Companhia estavam ansiosos por vê-lo chegar.O mesmo teria sido o sentir de Salazar. Que nos queria isolados do mundo.A sua grande vantagem, Adolfo, é não ter vivido nesses tempos de isolamento.
AA disse...
Adolfo, tens de fazer perguntas mais simples. Ou talvez não, podem ser campo para demagogias
.
9:06 AM
Rui Fonseca disse...
Uma pergunta simples para o António,Salazar submeteu a referendo a Constituição portuguesa. Em 1933.Será que vivemos em democracia até 1974 e passámos a um regime não democrático desde então uma vez que nunca mais houve referendos à Constituição e às emendas?
9:22 AM
AA disse...
Claro que sim. Uma andorinha faz a Primavera. Eu sempre disse isso. E o Adolfo sempre defendeu a 'democracia directa' e todas as ideias simplistas que lhe imputa dia sim dia não.
9:40 AM
Rui Fonseca disse...
Uma andorinha não faz a Primavera, mas muitos andorinhões escurecem o ambiente.Salazar não foi caso único. A história recente está recheada de ditadores que utilizaram o plebiscito como forma de lhes garantir a perenidade no poiso
." (...)10:00 AM
AMN disse...
O problema Rui, é pensar que a ditadura está apenas associada aos Salazares desta vida e não, como deveria, à negação, por uma forma ou por outra, de participação e debate popular nas questões estruturantes de um Estado.Por isso, ditadura pode, também, ser um conjunto de eurocratas que maquilha uma Constituição chumbada por dois Estados, a chama de Tratado de Lisboa e quer fazer entrar em vigor à evidente revelia do voto popular. Ditadura pode, por isso, ser desvalorizar um instrumento que está constitucionalmente consagrado na Irlanda e lá colocado, precisamente, pelos mesmos que a o Rui atribui tantos poderes: os representantes eleitos.Ninguém aqui divinizou o referendo. Nem o seu oposto. O problema deste Tratado, e é isso que para mim sempre esteve em questão, foi o seu percurso, que diz tudo da arrogância dos eurocratas.E já agora, mais uma vez, eu não disse, em parte alguma, que o voto "não" é que corresponde ao salutar apoio à construção europeia. Pelos mesmos motivos que não digo isso de qualquer "sim". Essa leitura não pode fazer-se de qualquer resultado.
11:51 AM
Rui Fonseca disse...
"ditadura pode, também, ser um conjunto de eurocratas que maquilha uma Constituição"
Adolfo, salvo melhor opinião, não tem razão.Aquilo a que chama Constituição, e sabe que não é, não foi maquilhada por eurocratas mas o resultado de demoradas e complicadas negociações entre os representantes dos estados membros.Poderia ser de um modo diferente?Sinceramente, não vejo como.Pode uma discussão popular, como advoga, partir do nada?Não pode.Alguém tem de apresentar alguma coisa para discussão. Mas alguma coisa que já tenha à sua volta um consenso restrito, pelo menos. Se não a discussão volatiliza-se e nunca ninguém mais a agarra.O problema, portanto, anda à volta do referendo e não do documento sujeito a ele. O que nos coloca, para além da valia democrática desse instituto, a possibilidade de haver alguma possibilidade de sucesso. Se há, é sempre muito remota. Porque são 27 membros, porque cada referendo (a história confirma-o) despoleta animosidades que nada têm a ver com o objecto a referendar. Muitas vezes até para alvos opostos. O Sinn Fein, o único partido representado no parlamento irlandês que fez campanha pelo não, argumenta que o Tratado não serve porque aponta para uma Europa pouco socialista. Creio que o seu voto, Adolfo, se fosse "não" seria por razões inteiramente contrárias. Por essas e por outras é que os nossos amigos do Arte da Fuga se colocam, sem quererem, ao lado de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louçã, etc. Mas eu, já disse, não enjeito o referendo. Desde que tenha consequências para quem rejeita a proposta. A Irlanda, neste caso, ou diz como devemos sair do beco ou deve sair ela do clube. Não há alternativa.Corrijo: Há alternativa, sim senhor. Continuarmos a brincar às uniões europeias. Para gáudio do Jerónimo e do Louçã.

6 comments:

António said...

Está bem. Se os democratas, tecnocratas, eurocratas que são hoje governo nos países da UE mais os que estão em Bruxelas decidirem, sem o consultar, com base na constituição europeia, que você passa a trabalhar 65 horas semanais,e não vai ter direito a reforma senão aos 70, para si que acha que o voto popular lhes confere toda a liberdade à custa da nossa,está bem deciddo.
Se isso for só consigo, não me importo.
Importo-me é se for consigo, comigo e com o meu vizinho.
Importo-me e preocupo-me.

Rui Fonseca said...

Caro António,

Bem observado. Mas tem um ponto fraco: É que essas questões não são abrangidas pelo Tratado nem a UE em Bruxelas se mete nessas coisas.

António said...

Não?
Então quem é que está a tratar do assunto da carga horária semanal?
Aquela coisa em que os "colaboradores" serão obrigados,um por um, a alinhar?
Quem são os ministros europeus?
Eu não sou!
E se são feitas é porque o tratado, a constituição, o permitem.
Ou está consignado, ou não está consignado.

Leia lá S.F.F.

«Depois de quatro anos de negociações, os ministros europeus aprovaram hoje a Directiva do Tempo de Trabalho, chegando a acordo sobre a possibilidade de prolongar a semana de trabalho das actuais 48 horas até às 65 horas.
A Comissão Europeia já saudou o acordo político. “Este é um grande passo em frente para os trabalhadores europeus e reforça o diálogo social. Mostra, mais uma vez, que a flexigurança pode ser posta em prática” »

Coisa fina.

Rui Fonseca said...

Não conheço os detalhes do acordo a que o António se refere. Não posso, portanto, comentar a notícia.

O que posso comentar é que, não havendo Tratado de Lisboa, a questão a que se refere parece que está a ser tratada. De onde, deduzo, o tal Tratado não tem que ver com a questão.

Depois, segundo leio, o acordo decorreu de negociações realizadas ao longo de quatro anos pelos ministros dos transportes dos países membros.

Não discutindo a bondade do acordo a que chegaram, que como disse, desconheço, parece que a forma como esse acordo foi realizado está correcta porque não parece que poderia haver outra em que o fosse mais.

O que o António não concorda, no fim de contas, neste caso, é com os termos do acordo. Mas esse é outro problema, o da flexisegurança, que nada tem a ver com o Tratado de Lisboa. Não concorda?

Já agora: Com mais corda ou com menos corda, isto é com mais ou menos horas de carga horária, penso que o problema com que a humanidade se vai defrontar (já está a defrontar-se) é precisamente o inverso: A perseguição da produtividade como forma inescapável de progresso, no sentido que hoje temos dele, vai determinar (está a determinar) a redução do trabalho. Já tenho dedicado ao assunto algumas reflexões, que coloquei aqui no Aliás, e me levam a concluir que um dia quem quiser trabalhar ...tem de pagar.

E a razão é simples: Como o trabalho se vai tornando um "bem escasso", as leis da economia levam a que passe a ter um preço (e crescente) para aqueles que se quiserem "dar ao luxo" de trabalhar.

Complicado? Um bocado. Um mundo às avessas que, felizmente ou infelizmente, já não irei
testemunhar.

Se se quiser dar ao trabalho de pensar um pouco neste paradoxo tome em consideração que a capacidade de produção tende para infinito mas a de consumo está limitada pelas 24 horas do dia.

Pago um jantar a quem demonstrar que estou errado.

Rui Fonseca said...
This comment has been removed by the author.
Rui Fonseca said...

"o acordo decorreu de negociações realizadas ao longo de quatro anos pelos ministros dos transportes dos países membros."

Há neste comentário um erro óbvio: Não foram os ministros dos transportes mas os ministros do trabalho.

Contágio da greve dos camionistas.