Monday, December 03, 2012

INSEGURANÇA SOCIAL

O artigo de Bagão Félix publicado a semana passada no Público, que transcrevi aqui, foi ontem citado por Marcelo Rebelo de Sousa em resposta à pergunta do dia: vai ou não o PR enviar o OE ao TC para fiscalização preventiva? O professor/analista/comentador acha que o PR não vai enviar porque, se o fizesse, comprometeria a entrada em vigor do OE no princípio do ano, uma hipótese que, segundo julga Marcelo, o PR não arriscará. Mas há inconstitucionalidades neste OE? Marcelo entendia que não até ler o artigo de Bagão Félix e, nomeadamente, o argumento de ser superior a tributação dos rendimentos dos pensionistas aquela a que estarão sujeitos os que se encontram ainda em actividade. Lendo o que escreveu Bagão Félix, Marcelo disse que ficou com dúvidas. Mas, lamentavelmente, não explicou porquê.

Ora esta iníqua discriminação fiscal, que atropela princípios de direito, a começar pelo princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, já atingiu reformados do regime geral segurança social este ano, e foi o alargamento da tributação previsto para 2013 que espoletou uma reacção generalizada.

Aliás, a violação do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei em matérias tributárias é geralmente desmedida, e, no caso em questão, vem de longe. Apontei já várias vezes neste bloco de notas alguns exemplos dessa antiga e persistente discriminação fiscal que recua ao tempo em que a segurança social foi, e bem, alargada aos não contributivos mas, iníquamente, suportada apenas pelos contributivos do sistema geral de segurança social. De fora ficaram vários regimes especiais que subsistiram até muito recentemente, e alguns ainda se mantêm. Dito de outro modo: as contribuições feitas durante os muitos anos em que vigorou o sistema de capitalização do regime geral da segurança social obrigatória,  e só essas, e que tinham sido investidas em imobiliário (Propriedade da Caixa de Previdência de ..., lia-se em placas colocadas em prédios urbanos), em grandes investimentos nas décadas de 50 e 60 (electricidade, petroquímica,  celuloses, etc.) pagaram o alargamento da segurança social aos não contributivos.

Esgotados os recursos capitalizados até princípios da década de 70, o sistema de capitalização capitulou para um sistema de compromisso intergeracional: as contribuições dos activos de hoje pagam as pensões dos reformados de hoje, mas foi  (e ainda é) um sistema que, tendo alargado a segurança social aos não contributivos, não integrou os abrangidos pelos regimes especiais. Resultado: foram os contributivos do regime geral da segurança social, e só esses, que pagaram o alargamento da segurança social aos não contributivos, primeiro através da alienação dos activos capitalizados, depois com os saldos positivos entre contribuições e pensões de reforma durante dezenas de anos.

Mais: a consolidação das contras da segurança social (regime geral) com as contas do Estado permitiu aos governos cobrirem parte dos défices orçamentais até muito recentemente. Isto é: claramente os contributivos do regime geral da segurança social foram tributados de forma iniquamente mais gravosa que todos aqueles que sempre manobraram para ficar fora daquele sistema.

E agora, que a crise impõe um penoso programa de austeridade, é aos que contribuiram para um regime solidário de segurança social durante uma vida de trabalho, medida na generalidade dos casos, em mais de quatro e meia dezenas de anos,  que este governo impõe o mais gravoso regime tributário sobre os rendimentos.

Simplesmente, um logro enorme seguido de uma iniquidade sem qualificativo adequado.

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