Saturday, March 12, 2011

FISGADA

Ouço esta manhã na rádio Sócrates afirmar que não informou o PR acerca das medidas de austeridade adicionais que ontem apresentou em Bruxelas porque se trata de um assunto da governação. Confirmou, deste modo o que já ontem toda a gente sabia: Sócrates ignorou o PR, apresentou o assunto ao líder do PSD como um facto consumado, e não informou sequer os parceiros sociais com os quais decorriam negociações.

De madrugada, e já depois de terminados os trabalhos da reunião de Bruxelas, Passos Coelho veio declarar não estar o PSD disponível para apoiar o conjunto de medidas que Sócrates não negociou com ninguém;
os representantes sindicais e patronais mostraram-se surpreendidos;
o que é que pode fazer o PR?  

Segundo a Constituição (artº. 191, nº. 1) o Primeiro-Ministro é responsável perante o Presidente da República e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, perante a Assembleia da República.
Ao cidadão comum poderão escapar as subtilezas do jargão jurídico ficando sem saber qual o alcance da responsabilidade do PM perante o PR. O nº.2 do mesmo artº.191, estipula que "...os Ministros são responsáveis perante o Primeiro-Ministro e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, perante a Assembleia da República." Será da mesma natureza que relaciona os Ministros com o Primeiro-Ministro? A práxis política demonstra que nunca foi assim.
Mas, por outro lado, o artº. 201 define as competências dos membros do Governo e a alínea c) do seu nº. 1, estipula que compete ao Primeiro-Ministro "informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do país;" 

Segundo esta leitura, e o cidadão comum não atinge outra, Sócrates ao confirmar que não informou o PR acerca dum assunto da governação do país por se tratar de um assunto de governação, ou não está inteirado das suas competências (o que é inverossímil), ou decidiu-se por uma estratégia de guerrilha o PR de modo a provocar a queda do Governo e a sua recuperação em próximas eleições. Intencionalmente ou não, a falta de Sócrates afigura-se ao homem comum como um acto de abuso de poder.

Espera-se agora que os constitucionalistas, se estão acordados para o assunto, nos confundam ainda mais debitando cada qual o seu parecer. Depois de mais de trinta anos em democracia e de regime semi-presidencialista, as ambiguidades constitucionais, para além das suas redundâncias e excrecências, continuam a perturbar profundamente a vida política, social e económica em Portugal.

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