Saturday, November 06, 2010

CONVERSAS AO ALMOÇO

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- E que me dizem da nomeação de Horta Osório para presidente do Lloyds, a convite do governo britânico? É o oitavo maior banco do mundo, caramba! Afinal também há portugueses com mérito excepcional mesmo quando avaliado pelos standards internacionais. Andamos sempre a queixarmo-nos das nossas incapacidades e, afinal, há quem demonstre o contrário.
- Sem querer diminuir o feito do Horta Osório, porque, sem dúvida, é de realçar, penso que devemos relativizar esta nomeação e, sobretudo, o desafio a que Horta Osório se propôs. Porque dar a volta ao Lloyds não vai ser uma tarefa fácil, o Lloyds mais do que um grande banco  é um banco grande com grandes problemas. Mas, por outro lado, os banqueiros há muito tempo que deixaram de me impressionar. 
- Mas não é, para nós, motivo de orgulho ver um português à frente do maior banco inglês?
- É motivo de orgulho, por exemplo, para os indianos verem vários compatriotas à frente de grandes corporações norte-americanas? Só se partirmos do princípio que descobrimos que não há motivos rácicos que obstem ao aparecimento de génios, seja do que for, em qualquer parte do mundo. Porque, mais do que orgulho, é de surpresa ou espanto que estamos a falar.   
 A ideia de que Mourinho, Cristiano Ronaldo, Damásio ou Horta Osório são dos nossos, e que isso significa que, afinal, não somos assim tão maus, é um lenitivo que não nos torna nem individualmente nem colectivamente melhores do que aquilo que realmente somos. E, sobretudo, é uma ideia errada: a de que a natureza não distribuiu com equidade as potencialidades humanas pelos diferentes povos do mundo, de que há povos superiores. É, afinal, um complexo de inferioridade pontualmente superado.
- Mas não fica safisfeito por ver um português bem sucedido no estrangeiro?
- Ficaria mais satisfeito por vê-lo bem sucedido aqui. Imagine que Horta Osório tinha permanecido em Portugal e era hoje o presidente de uma grande empresa industrial com impacto internacional, uma espécie de Nókia. Gostava de o ver aqui, neste palco, a fazer aquilo que aqui deveria ser feito: produzir. 
- Mas a banca não produz?
- A banca deveria contribuir para a produção. Lamentavelmente, a banca é um dos grandes responsáveis pela ruína da economia portuguesa. Porque canalizou poupanças e empréstimos para negócios especulativos, para o consumo desenfreado, para a construção civil execessiva, para o Estado perdulário. Aliás, um homem insuspeito a este respeito, António Borges, afiirmava há dias na Gulbenkian isto mesmo. Pena é que o tenha feito tão tarde e que, ele próprio, tenha estado envolvido nessa banca que aqui e lá fora engendrou a crise. 
- Em todo o caso há algumas razões para os emigrantes portugueses serem bem sucedidos: geralmente emigram os melhores, os mais audazes.
- A grande maioria emigrou e continua a emigrar porque é compelida por razões económicas. E, dos que emigram, só conhecemos os casos de sucesso. Tomamos facilmente a parte pelo todo. Foi sempre assim. Desde o tempo em que "os brasileiros" ricos impressionavam com a construção de palácios nas terras onde haviam nascido levando os que tinham ficado à conclusão, errada, que para singrar bastava emigrar e abanar a árvore das patacas.
- Então o Horta Osório não merece grande admiração.
- Merece alguma, certamente. Mas, reparem, em Portugal quantos presidentes de bancos não foram considerados casos de sucesso? Todos, sem execepção, até ao momento em que alguns cairam no charco, ainda que fabulosamente ricos. Do que Portugal precisa, e só agora nos começamos  dar conta disso, não é de banqueiros de génio nem de merceeiros em larga escala. Desses, temos que baste. Do que precisamos é de quem seja capaz de criar riqueza consistente. A banca trabalha com rede. Quando a crise chega e o espectro do "risco sistémico"  ameaça destruir todo o tecido económico quem paga pelas jogadas dos banqueiros? Os contribuintes. Esse é o problema que continua por resolver após esta crise. Porque, de verdadeiramente novo, não há nada no sistema.
- Em todo o caso o nome de Portugal fica prestigiado.
- A Colômbia prestigiou-se com Garcia Marquez, o Chile com Pablo Neruda, o Peru com Vargas Llosa? Como ou em quê? O prestígio de um país não decorre do sucesso individual de um dos seus filhos a menos que ele se repercuta no prestígio da sociedade em que nasceu.
- Mourinho prestigia Portugal. Muitos descobriram Portugal através de Mourinho. Mourinho é uma marca portuguesa.
-  Vende o quê? Alguém escolhe o Algarve para passar férias porque Mourinho nasceu em Setúbal?
Os credores do Estado português baixam os juros porque o José Barroso é presidente da Comissão da União Europeia? E Constâncio vice-presidente do BCE? E António Borges director do FMI para a Europa?

5 comments:

A Chata said...

Se, por hipótese, os Marcianos afinal existissem ou uma delegação de outro planeta nos visitasse já imaginou como este tipo de conversas tribais se alargaria?

Como uma habitante da espécie animal humana no planeta Terra inserido num complexo sistema de cósmico de que apenas temos uma visão mínima é e foi sempre assim que me senti.

Este conceito, se um português aparece nas noticias por desempenhar bem uma função noutro país, a população de Portugal devia orgulhar-se não consigo entender.

Quem tem o direito de se orgulhar é o próprio (Horta Osório, Ronaldo ou Mourinho) pelos conhecimentos adquiridos e o trabalho desenvolvido para atingir o lugar que lhes permite oferecer algo importante à sociedade.
Os outros, independentemente da nacionalidade, deviam apenas sentir-se gratos pelo que o trabalho dessas pessoas lhes pode proporcionar e tentar seguir-lhe o exemplo.

aix said...

Rui, sinceramente neste apontamento não percebi qual é a tua tese. Então se os Horta Osório, os Mourinho, os Ronaldo, os Barroso não prestigiam (com resultados financeiros) o nosso País qual é a solução? Será que só os resultados ‘financeiros’ prestigiam? A cultura, por exemplo, não vale nada? Tanto faz Saramago (que até era iberista) ou A. Damásio serem ou não portugueses? Para mim é o contexto combinado com o génio que determinam o (in)sucesso. Já o meu avô dizia que «terra pequena não faz homem grande». Ou pensas que H. Osório teria sucesso semelhante operando em grande Empresa nacional? A História prova à evidência que há gerações superiores. Não estaremos nós num período de governantes ‘rascas’? Porque dizer que é errada a ideia de que «a natureza não distribuiu com equidade as potencialidades humanas pelos diferentes povos do mundo, de que há povos superiores» pode ser um princípio reconfortante mas não é suportado pela teoria da História. Não foram dois dos Países (que não Povos) que neste momento estão com as ‘calças na mão’ (Portugal e Grécia) que, com as suas gerações heróicas, deram cartas ao mundo?

rui fonseca said...

"Os outros, independentemente da nacionalidade, deviam apenas sentir-se gratos pelo que o trabalho dessas pessoas lhes pode proporcionar e tentar seguir-lhe o exemplo."

Cem por cento de acordo.

rui fonseca said...

Caríssimo Francisco,

Antes de mais, onde é que vamos castanhar na terça-feira?

Quanto a este apontamento, perguntas:

" Ou pensas que H. Osório teria sucesso semelhante operando em grande Empresa nacional?"

O H. Osório teve grande sucesso na gestão do Santandertotta, foi aqui que começou a sua carreira no Santander. De tal modo que o Botin o convidou para presidir ao grupo
no Reino Unido.

rui fonseca said...

Caríssimo Francisco:

"A História prova à evidência que há gerações superiores."

Pois há. Mas não há povos (raças) superiores. Há circunstâncias que favorecem o despertar dos génios e outras que os eliminam.

"Não estaremos nós num período de governantes ‘rascas’"

Estaremos se nós também somos, como povo, "rascas". Ou em período rasca para ser mais preciso.

"Não foram dois dos Países (que não Povos) que neste momento estão com as ‘calças na mão’ (Portugal e Grécia) que, com as suas gerações heróicas, deram cartas ao mundo?"

O mesmo se pode dizer dos árabes, dos chineses, etc.. O que prova a minha "tese" (para utilizar o teu termo). Porque prova que não há razões rácicas mas circunstanciais
para as fases de ascenção e declínio.

E prova também que o surgimento de indivíduos com grandes capacidades, seja em que domínio for, pode acontecer em qualquer parte do mundo.

Mas o mérito (ou a sorte) é deles.
Devemos admirar o seu génio? Sem dúvida. Certamente,
mas independentemente, do local da sua maternidade.

Einstein é um génio alemão, suíço, norte-americano ou da humanidade?

Relativizando: O H. Osório não é, nem de longe, o nosso Einstein.
Como disse, os banqueiros não me merecem grande admiração mesmo que sejam H. Osórios.