Saturday, May 09, 2009

ONDE A PORCA TORCE O RABO

Esta, a tese central de “Perceber a crise…”:

Caminhamos para a falência (incapacidade para solver os nossos compromissos), a capacidade de endividamento não é ilimitada, a ruptura abrupta, se ocorrer, provocará tensões sociais de consequências imprevisíveis; para inverter a tendência infernal temos imperativamente que aumentar a nossa produtividade (um objectivo que implica a adopção de um conjunto diversificado de políticas com efeitos retardados) e, para obter inadiáveis consequências imediatas, aumentar a competitividade, redireccionando o investimento para os sectores transaccionáveis, reduzindo preços no sector não transaccionável, flexibilizando as leis laborais e reduzindo os custos do trabalho.

Sem fazer marcha atrás nos salários, a continuada perda de competitividade determinará a perda de emprego e esta a redução dos salários, com empobrecimento progressivo e demorado. E é aqui que a porca torce o rabo: Ninguém vai aceitar passar a receber menos no fim do mês.

Sair do euro não resolveria nada a médio e longo prazo, e complicaria muita coisa. A inflação não é solução; quanto muito é ilusão de solução efémera.

Ora é neste conflito entre a imperativa necessidade de ganhar competitividade a curto prazo como forma de nos prepararmos para apanhar a onda da recuperação económica global, quando ela voltar, e a irredutível recusa da sociedade aceitar as medidas amargas que poderiam desbloquear os caminhos de saída, que temos um nó górdio a desafiar uma espada que ninguém ousa brandir.

Ora como, “PPBarros dixit, só criticar não vale, mas prometeu continuar no tema em próximo post, adianto uma ou outra sugestão que, se (ele) me permite, submeto à sua apreciação crítica.

Se não é politicamente possível reduzir os salários nominais, mas é forçoso reduzir os custos nos sectores transaccionáveis, só vejo uma solução de impacto imediato sobre a competitividade:
a discriminação fiscal positiva para os transaccionáveis, negativa para os não transaccionáveis;
positiva para a propriedade utilizada, negativa para a propriedade não utilizada ou abandonada;
positiva para o emprego, negativa para a especulação, etc.

E, nomeadamente, o incentivo à exportação em função do VAB nacional exportado, a penalização sob a forma de IRC agravado às empresas importadoras, incluindo as de turismo.
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Entretanto, V Bento colocou uma explicação claríssima de AS DUAS FACES DO SALÁRIO REAL, ou a inevitabilidade da redução dos salários reais mas só à custa do sector transaccionável. Em Portugal, aqui e agora.
A confirmarem-se as conclusões de V Bento, assistiremos à continuação de rentabilidade diferenciada entre os sectores, o investimento dirige-se para o sector não-transaccionável e evita o sector transaccionável e a economia vai perdendo mais capacidade concorrencial e aumenta o défice externo, entrando-se num círculo vicioso.

Vicioso será por algum tempo. Mais tarde ou mais cedo, o círculo vicioso romper-se-á por insustentabilidade do crescimento do endividamento, por um lado, e, por outro, por não poder o sector transaccionável subsistir se o transaccionável continuar a definhar empurrando as pessoas que nele trabalham para o desemprego e para a emigração. A menos que se concebesse Portugal como um enorme centro comercial onde as compras e vendas se resumissem às transaccões entre os que nele trabalham, comprando ao exterior o que não produzissem, e pagando com o crédito a fundo perdido que os fornecedores alegremente lhe concedessem.

Não vejo que a solução possa dispensar a intervenção do Estado que tem de ser, necessariamente, também de índole fiscal.

Aliás, ao mesmo tempo que componho estes comentários, observo que PPBarros colocou novo post comentando as propostas de VB de natureza fiscal complementares da redução dos salários nominais. Mas não sendo esta redução viável, e VB reconhece isso, a mim me parece que sobra apenas a vertente fiscal suficiente. Aquela que Ulrich afirmava há dias ter custos políticos que o governo não quer assumir. Razão tem o PR em propor uma distribuição desses custos.

5 comments:

A Chata said...

E é que vai torcer mesmo.

Competitividade com quem?
Com a China ou a India?

" flexibilizando as leis laborais e reduzindo os custos do trabalho."
Esta conversa já enjoa.

Flexibilizar mais o quê?
Só se voltarmos à escravatura (que até já existe) generalizada.

Reduzir os salários?
Será que já pararam para pensar qual é o salário médio dos que ainda têem emprego neste país (sem incluir politicos, administradores de bancos e afins) ?


" empurrando as pessoas que nele trabalham para o desemprego e para a emigração."

No desemprego já está um número muito razoável e que continua a ser empurrados todos os dias.

Emigração?
Para onde?

Talvez para Angola mas, lembre-se que os chineses já começaram a 'exportar' mão-de-obra para lá há algum tempo e, aí, sim vamos ter que competir com eles.

" a onda da recuperação económica global"

Qual onda? Qual recuperação?

Vamos continuar a sonhar com um Mundo que já não existe e a tentar a todo o custo pensar que tudo voltará a ser como dantes?
Vamos continuar a tentar aplicar soluções antigas que já não são viáveis e que, mesmo que o fossem, contribuiram para nos
levar a este belo buraco?

Esta crise não é a pior desde a 1930.
Esta crise é a pior que a humanidade já alguma vez enfrentou.
Pelo número de individuos envolvidos, pela escassez de água, pelas alterações climáticas, a poluição que cobre o planeta, pelos oceanos contaminados, as colheitas perdidas em cheias, secas e incendios, os Estados endividados à beira da falência.

Para enfrentar os problemas e tentar encontrar soluções é necessário, antes de tudo, obter uma imagem realista e clara dos mesmos.

Rui Fonseca said...

"Para enfrentar os problemas e tentar encontrar soluções é necessário, antes de tudo, obter uma imagem realista e clara dos mesmos."

Cra Amiga A.,

Mas o que Vitor Bento pretende com o seu livro "Perceber a crise para encontrar o caminho" é precisamente isso, quanto a Portugal, bem entendido.

A crise passará. Não há mal que não acabe nem há bem que sempre dure.

Aliás, por enquanto, há muita gente em Portugal que ainda não sente os reflexos da crise. Alguns, os que viram os seus ordenados aumentados, até estão a viver melhor porque a inflação está próxima de zero.

E esse é também um problema que se agrava: a dualidade da sociedade portuguesa. É cada vez maior o fosso entre os que vivem bem ou medianamente bem e os que vivem mal ou muito mal.

A questão que Vitor Bento coloca, e eu não vejo que possa evitar-se é esta: O endividamento externo não vai crescer indefinidamente. A solução passa, em grande parte, por aumentar as exportações e/ou rerduzir as importações.

Que soluções?

Se a moeda fosse desvalorizável haveria redução real de salários, e esta redução aumentaria as exportações e reduziria as importações. Como não é desvalorizável a alternativa idêntica é reduzir os salários, solução que será (seria) mais socialmente justa do que a redução forçada pelo desemprego.

E porquê? Porque numa redução geral todos reduzem proporcionalmente o mesmo enquanto numa redução pelo desemprego reduzem sobretudo os que ou perderam o emprego ou voltam a ele sujeitando-se a salários mais baixos.

Há alternativa?

Parece que não. Quanto muito poderão haver paliativos. Aumentar os impostos para uns e beneficiar outros, por exemplo. É a minha proposta uma vez que a redução de salários é em Portugal, e neste momento, politicamente inviável.

"Será que já pararam para pensar qual é o salário médio dos que ainda têem emprego neste país (sem incluir politicos, administradores de bancos e afins) ?"

Há várias classes que têm salários superiores à média europeia. Os professores por exemplo. E os juízes. Mas há mais.

A Chata said...

"A crise passará. Não há mal que não acabe nem há bem que sempre dure."

A crise passará, sem dúvida, o que me preocupa é o que restará nessa altura.

Um Mundo totalitário estilo 1984 de Orwell?

Uns quantos sobreviventes de algum holocausto provocado pelo homem ou pelo planeta?

Como gostava que houvesse uma solução credível.
Não me parece que passe por aumentar exportações (de quê? e para onde?), diminuir salários ou aumentar impostos mas, sim por uma verdadeira revolução de estilos de vida, de valores, enfim, de mentalidades.

Encarar de uma vez por todas que não podemos continuar a reproduzirmo-nos de maneira descontrolada e a viver concentrados à volta de centros urbanos na miragem de um emprego que já não existe.

Não podemos continuar a poluir e a consumir recursos à tripa forra.

Precisavamos de acabar com o dominio de elites podres e corruptas que mandam e desmandam por esse mundo fora.

A Europa e os EUA estão falidos, sem estruturas de produção mas, a China e a India, apesar do dinheiro acumulado (na mão do governo e mais meia-dúzia) também têem sérios problemas sociais para enfrentar.
Não há hipotese de vivermos baseados em serviços financeiros e especulação nas bolsas por muito mais tempo.

As teorias económicas já não se aplicam.
E será que alguma delas teve aplicação com resultados verdadeiramente benéficos a longo prazo?


(No proximo ano lectivo vão ficar mais uns milhares de professores no desemprego ouvi um dia destes.)

Rui Fonseca said...

Será verdade?
- Que a crise (financeira) internacional chegou perto do fim? Pelo menos não estou só no palpite.

Veja sff, em

http://pedrolains.typepad.com/pedrolains/

Pode ser que anime!

A Chata said...

Espero ardentemente que, desta vez, seja eu a Surpreendida (pela positiva) pelo desenrolar desta crise.

De qualquer maneira, e sem sarcasmo, obrigada por tentar animar-me.
Obrigada.