Saturday, September 01, 2007

UNANIMIDADE, POR QUÊ?

Margarida Corrêa de Aguiar comenta no Quarta República um artigo de Vitor Bento, publicado no DE, que é uma explicação para a unanimidade observada na Assembleia da República sobre a lei de indemnizações por responsabilidade civil extracontratual do Estado que, apesar da unanimidade parlamentar, o PR entendeu vetar e devolver à AR para reflectirem de novo sobre o assunto.
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Em resumo, para Vítor Bento, a unanimidade deveu-se ao efeito "groupthink". Ou de rebanho, acrescento eu.
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Transcrevo: (…) Foi muito sensata a decisão do Presidente da República de vetar a lei sobre o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, apesar de a mesma ter sido aprovada por unanimidade no Parlamento. Ao classificar de sensata a decisão do Presidente, estou obviamente a classificar de insensata a decisão do Parlamento. Mas isto não significa que, por isso, considere os deputados insensatos. Julgo que o que se terá passado é um exemplo típico do que o psicólogo social Irving Janis, classificou, em 1972, de ‘groupthink’ e que poderemos traduzir por “decisão em grupo”. Trata-se de um processo de discussão que pode ocorrer em grupos coesos (ou com um desígnio estratégico comum) e cujos membros refreiam as suas dissensões e o seu espírito crítico, em favor da unanimidade da decisão, sacrificando uma análise racional e realista das situações e conduzindo a decisões erradas ou irracionais, que, de outro modo, não seriam tomadas. Apimentando o conceito, é o que frequentemente acontece quando os membros de um grupo de decisão submetem as suas opiniões ao crivo do “politicamente correcto”, acabando por dizer apenas o que “parece bem dizer”. O exemplo habitualmente citado para ilustrar este conceito foi a decisão de J F Kennedy (com os seus conselheiros), em 1961, que conduziu à invasão da Baía dos Porcos em Cuba. No caso da lei em apreço terá havido mesmo, no Plenário, algumas vozes discordantes do conteúdo da lei – argumentando no sentido em que o Presidente viria mais tarde a chamar os deputados à razão – mas isso não viria a obstar à sua aprovação por unanimidade. Aliás, no campo da decisão política e entre nós, não é difícil encontrar vários outros exemplos deste vício decisório. Lembremo-nos, por exemplo, da lei das incompatibilidades aprovada à pressa e a quente, num ambiente de elevada demagogia, em meados de 1995. Ou as decisões sobre a remuneração dos políticos e dirigentes da Administração Pública. (…)
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Ainda que concorde com a posição de Vítor Bento quanto ao veto do PR, e já dei conta da minha posição aqui no Aliás, no Arte da Fuga, no Blasfémias, e agora no Quarta República, não me parece que a justificação da unanimidade parlamentar tenha decorrido do efeito "groupthink" pelas razões que referi no Quarta República:
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Com todo o respeito que Vitor Bento me merece não concordo com a perspectiva dele a propósito desta unanimidade parlamentar mas concordo com o veto do Presidente, embora discorde de alguns fundamentos.Confuso? Eu explico:
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O caso da decisão tomada por Kennedy na "crise da Baía dos Porcos é, realmente, um exemplo paradigmático do "groupthink".Existem várias experiências, bastante curiosas, de verificação do efeito "groupthink" mas não penso que a unanimidade parlamentarobservada na questão em causa tenha quaisquer contornos ajustáveis aquele feito.O "groupthink" pressupõe a submissão (inconsciente ou subconsciente) às posições de um líder e procura explicar, por exemplo, por que é que os generais alemães se curvaram quase sistematicamente perante o fuhrer.O efeito "groupthink" alastra em mancha de óleo e atingiu a maior parte da Alemanha no período que chocou a Guerra.Ora no caso das votações parlamentares o que se observa é, geralmente, uma atitude contrária, procurando os diferentes grupos tirar partido das eventuais vulnerabilidades dos outro grupos, nomeadamente dos que suportam o Governo. Neste caso do veto à Lei das Indemnizações por responsabilidade extracontratual do Estado, a unanimidade foi possível porque de um lado estão os cidadãos, que votam, e do outro o Estado, entidade abstracta que(quase) todos esconjuram mas a quem(quase) todos pedem abrigo debaixo do seu esburacado chapéu-de-chuva.Quando se diz que o Estado é (ou deve ser) uma pessoa de bem, usa-se uma fórmula politicamente correcta mas vazia de sentido. Porque o Estado são pessoas que nós podemos identificar e é nesse conjunto que estarão, ou não, estarão os fautores dos prejuízos causados aos cidadãos.O Presidente apresentou, tanto quanto julgo saber, três tipos de argumentos: bloqueamentos dos tribunais, fuga futura às responsabilidades por parte dos funcionários, despesas indomináveis.Não concordo com os dois primeiros, acho muito pertinente o último.Quem deve ser responsabilizado não deve ser o Estado mas os funcionários acusados e considerados culpados de negligência grave ou dolo.O Estado tem fraco poder negocial junto de alguns interlocutores. Sabemos todos que, por exemplo, as obras geridas pelo Estado custam geralmente o dobra e demoram o dobro do prazo, porque entre os valores das propostas e os valores pagos há uma torrente imparável de revisões de preços.Se for aberta a torneira de forma franca há muitos cambalachos que podem ser engendrados. A literatura policial está cheia de exemplos e a realidade excede sempre a ficção.
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Margarida Corrêa de Sá disse, Caro Rui Fonseca
Admito que o conceito de "groupthink" tenha funcionado no caso da unanimidade da lei em questão. Do seu comentário há um parágrafo que pode explicar porque funcionou o conceito. Quando refere: "Neste caso do veto à Lei das Indemnizações por responsabilidade extracontratual do Estado, a unanimidade foi possível porque de um lado estão os cidadãos, que votam, e do outro o Estado, entidade abstracta que(quase) todos esconjuram mas a quem(quase) todos pedem abrigo debaixo do seu esburacado chapéu-de-chuva." Numa matéria tão melindrosa quem é que no momento da verdade, na votação, teria a ousadia política, no que seria considerado "politicamente incorrecto", de afirmar uma perspectiva contrária ao pensamento dominante? Quem estaria disposto a expressar no voto um ponto de vista que fosse depois catalogado como uma posição antidemocrática do tipo "contra os direitos dos cidadãos"? Na lei em questão, as divergências políticas quanto às repercussões das soluções adoptadas, que julgo existem, foram menorizadas face à vontade política de aprovar a nova lei em torno da qual o consenso político foi mais fácil de obter, tendo conduzido à unanimidade.
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Volto, porque reparo que o conceito de "groupthink" parece ser o tema central deste "post" e, por isso mesmo, gostaria de acrescentar mais algumas razões pelas quais me parece menos bem utilizado no contexto da unanimidade à volta da proposta que foi submetida à promulgação do PR.
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Um dos exemplos de experiência "groupthink" (a que poderíamos chamar sentido de rebanho) consistiu na convocação para uma sala de grupos heterogéneos de pessoas (duas ou três dezenas de cada vez, salvo erro) às quais era mostrado um quadro com linhas direitas, salvo uma que era ligeiramente, mas visivelmente, torta. Era perguntado a cada a um dos presentes na sala se as linhas eram todas direitas ou não. O primeiro a responder (era um membro do grupo de investigação) respondia afirmativamente. Concluiu-se, então, que consistentemente cerca de 80% dos cobaias respondiam de acordo com a primeira resposta.
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O "sentido do rebanho" não envolve considerações dos seus membros relativamente a quaisquer membros fora do grupo. Quando a questão da "Baía dos Porcos" foi discutida a resolução seguiu o discurso do primeiro interveniente, salvo erro, de Robert Kennedy. Não foi tomada em função de qualquer expectativa da opinião americana.Ora, neste caso da unanimidade observada à volta das indemnizações por responsabilidade civil extracontratual do Estado, o factor determinante não foi a posição de quem falou primeiro mas as expectativas que todos os grupos políticos têm acerca da reacção dos cidadãos quando se trata obter favores, subsídios ou reembolsos do Estado.
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O que esta proposta tem de aliciante para essa unanimidade é que ninguém sabe quanto custarão as consequências da sua aplicação.
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Senão fosse essa opacidade o factor fundamental, Marques Mendes já teria proposto no Parlamento a redução dos impostos e todos os outros o teriam seguido para grande satisfação do meu Amigo Pinho Cardão (e minha, claro!)

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