Tuesday, March 27, 2007

INSISTIR NO MESMO

"Insanity is doing the same thing over and over again, expecting different results" -Albert Einestein

.
Caro Professor

.
Leio o seu artigo APROVEITEM OS ÚLTIMOS ANOS DE PAISAGEM NATURAL EM PORTUGAL e recordo-me do, também seu, “ Portugal a voo de pássaro”, publicado no Público há quase dois anos, e é inevitável a recordação de “Portugal à vol d´oiseau”, de há quase duzentos.

Leio e concluo que quem o lê não pode deixar de abanar a cabeça a concordar. Também a mim me preocupam os desastres urbanísticos que, frequentemente, dão da nossa terra a imagem de um acampamento feito à socapa. Também a mim me preocupa o abandono de aldeias e de centros urbanos que são (deviam ser) a nossa memória; o desleixo, o abuso, a falta de civismo que por qualquer lado é regra; a gestão municipal vezes de mais feita de compadrio com o futebol e a construção civil, sem cultura nem probidade. É tanto e tamanho o desastre que poderíamos estar aqui a noite inteira a lavar-nos em lágrimas por tanta fealdade, tanta porcaria, tanta maldade.

Ganhamos alguma coisa com isso? Parece que não. Há duzentos anos, chegou cá uma francesa e pintou-nos com as cores do inferno, e não se mexeu uma palha: pelos (seus) vistos continuamos feios, porcos e maus. Estamos a exagerar, claro: os ventos que sopram à volta da orbe alguma aragem vão insinuando aqui, e alguma palha se move. Mas não tanta quanta seria desejável para nos contentar a todos. Aliás, segundo alguns psicólogos que estudaram o assunto a fundo, as elites gostam de más notícias, não se exagere portanto na perfeição porque pode faltar motivo para matar o tédio. Uma análise menos fina, feita por olhar à volta, leva-nos à generalização da conclusão dos especialistas: em geral, as pessoas gostam de más notícias, atente-se nos milhares que foram ver a ponte desabada de Entre-os-Rios, os tempos prime que o acidente (ou negligente) aguentou, os jornais que vendeu, só para falar de um acidente entre tantos que animam os noticiários e as discussões do mesmo estilo na nossa terra. Sem futebol, broncas e desastres não nos aguentaríamos de pé. De modo que precisamos de larvar-nos mas não exageremos: sem alguma imundice o Vasco Pulido Valente perdia a freguesia.

A lamentação nacional tem razões bastantes mas, por mais que se abanem as cabeças, os muros não se derrubam com oscilações concordantes. Por mais prestigiado e reforçado que seja o pelotão de pregadores, e em Portugal temos muitos e bons, continuaremos a ouvir os mesmos lamentos. E se o progresso não se desenvencilhará nunca, aqui e em qualquer lado por onde sopre, dum irremediável paradoxo que o torna prisioneiro das nossas ambições sem termo, se não podemos deixar nunca de nos lamentarmos sejamos ao menos suficientemente capazes par mudarmos de razões.

É isso que, modestamente, me atrevo a sugerir-lhe: Que, mais do que lamentarmos, construamos hipóteses; Que discutamos ideias alternativas; Que construamos modelos com que possamos visualizar propostas; Que se pergunte por que não? em vez nos esgotarmos em negativas; Que se valorize a anatomia das consequências mas não se despreze a arqueologia das causas, e sobretudo não se esqueça a investigação da terapêutica.

Se somos o país mais dependente de fontes de energia exteriores na Europa, e um dos mais dependentes do Mundo, se o progresso implica um consumo crescente de energia (mas não um desperdício!), se não temos disponíveis outras fontes se não o vento e a água, como podemos ser mais auto suficientes compatibilizando a utilização dos nossos recursos com a salvação da nossa paisagem? Abdicamos do progresso?

Segundo o “Jornal de Negócios” de hoje, “A EDP acaba de anunciar um programa de investimentos nas energias eólicas que duplica os seus objectivos anteriores. A aquisição da Horizon Wind Energy vai implicar um forte aumento no investimento da Energias de Portugal na produção de energia eólica. Até 2010 a empresa liderada por António Mexia vai aplicar 6,2 mil milhões de euros nesta área de negócio, mais do dobro que o previsto anteriormente, o que vai implicar um crescimento na dívida.”

Temos a EDP entregue a um “gang” de conivências sem escrúpulos?

Quando há alguns meses a alternativa “nuclear” andou no ar, suspeitas de interesses inconfessáveis foram também trazidos para a praça pública, e a discussão passou ao estado de hibernação. Eu já tenho idade suficiente para não saber que sempre que uma oportunidade emerge, ocorrem os oportunistas. Os oportunistas, contudo, são como os impostos: não nos livramos deles, o melhor que podemos fazer é minimizá-los. A nossa tarefa, a tarefa daqueles que não têm interesses envolvidos para além dos que afectam a sua condição de cidadãos comuns, é promover a criação de condições para a redução de impostos e oportunismos.

Quanto à já muito debatida questão dos desaforos que caracterizam muita da gestão municipal, já passou tempo suficiente para reconhecer uma evidência: a de que o modelo de gestão municipal actual é propício às promiscuidades em que germinam os problemas que V. refere. Entregue o executivo das câmaras a vereadores, que em muitos casos não têm nenhuma experiência nem vocação de gestão, estão criadas as condições para a desresponsabilização dos directores e a conivência entre o executivo eleito (transitório) e o executivo nomeado (permanente). Com uma agravante: Sendo executivos, os vereadores deixam de ser aquilo que deviam ser: Promotores de políticas e auditores das suas realizações. É por estas razões que à luta eleitoral se segue, geralmente, a comunhão de interesses. Existem excepções, claro, para confirmar a regra.

1 comment:

Humberto_Antihisterinico said...

Admirável e de uma clarividência extraordinária. Precisávamos tanto de mais gente a pensar assim...