Friday, October 11, 2024

NOBEL DE QUAL PAZ?

 

"The Norwegian Nobel Committee has decided to award the 2024 #NobelPeacePrize to the Japanese organisation Nihon Hidankyo. This grassroots movement of atomic bomb survivors from Hiroshima and Nagasaki, also known as Hibakusha, is receiving the peace prize for its efforts to achieve a world free of nuclear weapons and for demonstrating through witness testimony that nuclear weapons must never be used again."

Ouvi esta manhã, a transmissão em directo, às 10:00 horas, do anúncio da atribuição do Prémio Nobel da Paz à Organização japonesa Nihon Hidankyo.
 
Grande parte das atribuições deste prémio tem sido alvo de controvérsia. 
Não é esperável que seja o caso da atribuição deste ano. 
E, no entanto, apesar do merecimento da Organização hoje distinguida, da extrema pertinência dos seus objectivos, de apoio aos sobreviventes, de alerta para o potencial dos arsenais atómicos, em crescimento de capacidade e sofisticação, de destruição de todos os seres vivos, a recordação das imagens e os  arrepiantes testemunhos dos sobreviventes em Hiroshima e Nagasaki, não terão eficácia para inverter a actual caminhada da estupidez humana para a sua auto destruição. 

Quantos humanos tiveram conhecimento desta notícia e sentiram o mais ligeiro estremecimento pelo horror passado e o incomensurável terror futuro para onde a humanidade, sonâmbula, se encaminha?
Não, defenitivamente, este alerta não alterará a caminhada para  autodestruição enquanto os arsenais nucleares se mantiverem activos, a crescer em volume e "eficácia". Nunca este termo "eficácia" será tão danadamente apropriado como neste caso.

Não, defnitivamente, a divulgação das imagens do horror nuclear, vezes sem conta repetidas, da solidariedade que os testemunhos dos sobreviventes momentaneamente possam suscitar, não obrigarão os que têm nas suas mãos os comandos da destruição global a arrepiar caminho. 

Têm de ser os jovens a exercer sobre os senhores dos destinos da humanidade a pressão suficiente para os obrigar a ceder.
Tenho escrito neste bloco de notas as razões pelas quais só os jovens, porque são eles que mais perdem, podem determinar a inflexão de uma trajetória diabólica que não dá sinais de mudar de rumo.
 
Para um confronto com uma ameaça global só uma mobilização global dos mais ameaçados. 
Uma mobilização global que seja suscitada pela informação a todo o mundo jovem do potencial destruidor susceptível de, por decisão de estupidez extrema ou acidente imprevisível, destruir todos os seres vivos do planeta Terra.
Uma divulgação que implicaria denunciar para eliminar um tabu: o de que não se devem amedrontar os jovens com cenários dantescos, e que vivam felizes na paz da sua ignorância.

Thursday, October 10, 2024

O ASSALTO À DEMOCRACIA COM UM ABRAÇO DE PUTIN

Em reunião plenária do Parlamento Europeu, Viktor Órban, que preside, por inerência do cargo como primeiro-ministro da Hungria, preside ao Conselho da União Europeia durante o semestre a decorrer  de 1 de Julho até 31 de dezembro deste ano, apresentou as suas prioridades durante o período em que se manterá no cargo.

As opções políticas de Órban são sobejamente conhecidas e situam-no junto de todos os que têm como ideologia mestra o poder autocrático, que se alastra como mancha de óleo sobre os valores democráticos, admiradores de Trump a Putin, sem disfarce, inimigos da Europa. São eurófagos, - referidos aqui -  carunchos que penetraram nas estruturas das instituições europeias, para se alimentarem delas e as destruírem.
Órban é um eurófago posicionado numa função que será tanto mais influente quanto os dois outros titulares de cargos cimeiros, Presidência do Conselho Europeu, que passará a ser ocupada por António Costa a partir do próximo mês de dezembro, a Presidência da Comissão Europeia, ocupada por Ursula von der Leyen, reeleita recentemente por um novo mandato de 5 anos.
António Costa entrará em funções com Viktor Órban de saída; até lá, com o actual Presidente do Conselho Europeu, o pusilânime belga Charles Michel, Ursula von der Leyen terá de enfrentar as investidas de Órban. 
Uma tarefa que parece estar bastante bem ao alcance dela. 
Na reunião do plenário do Parlamento Europeu, anteontem, para apresentação, adiada por razões de catástrofes naturais ocorridas na Europa central, das prioridades da Hungria (leia-se de Órban) na presidência rotativa da União Europeia, Órban reafirmou o que tem dito em matérias que conflituam com os valores democráticos que sustentam a União Europeia, e foi muito claro no seu pendor para se posicionar ao lado de Putin e Trump, inimigos da UE e da NATO. 

Ursula von der Leyen assumiu a defesa dos valores de uma Europa livre, da forma frontal, e encostou Órban ao canto onde ele deposita os seus interesses pessoais evidenciando-lhe como num espelho colocado à frente do autocrata húngaro as contradições e as suas traições ao povo húngaro, que ele, apesar de nascido em 1963, certamente não ignora: a amordaça, o exílio, os tormentos,  as mortes  sofridas pela geração dos seus pais, perpetradas por aqueles de que Putin hoje se reclama sucessor. 


... correlacionado
 
Em 2012 coloquei aqui um comentário a sobre um artigo editorial do Washington Post desse dia - Assault on Democracy - acerca das ameaças que impendem sobre a Hungria, membro da União Europeia e da NATO. Um tema que já várias vezes abordado neste caderno de apontamentos, a última das quais aqui - O abraço de Putin -.

               O símbolo da revolução: a Bandeira da Hungria com o emblema comunista cortado

"Na sequência de uma revolta revolta popular espontânea, iniciada a 23 de outubro de 1956, contra as políticas impostas pelo governo da República Popular da Hungria e pela União Soviética, em 4 de novembro, um grande exército soviético (31550 militares, 1130 tanques) invadiu Budapeste e outras regiões do país. A resistência húngara continuou até 10 de novembro. Mais de 2,5 mil soldados húngaros e cerca de 700 soldados soviéticos foram mortos no conflito, tendo 200 mil húngaros fugido, passando a ser refugiados."

"Em 31 de Maio de 1963, nasce Viktor Orbán". 
Orbán tornou-se conhecido nacionalmente depois de fazer um discurso no enterro de Imre Nagy em 1989 e outros mártires da revolução de 1956, no qual exigiu abertamente que as tropas soviéticas deixassem o país"
"Em dezembro de 2021, tornou-se o chefe de governo com mais tempo em exercício na UE"
"Ao longo da sua trajetória política, Orbán adotou uma retórica nativista e social-conservadora, sendo considerado um político de extrema-direita por analistas."

 " No final da década de 1980, a Hungria foi um dos primeiros países da órbita soviética a procurar dissolver o Pacto de Varsóvia e a evoluir para uma democracia multipartidária e para uma economia de mercado. As primeiras eleições livres nessa nova fase da história da Hungria foram realizadas em 1990, onde, com poucos votos, os socialistas foram rechaçados. Mas, em 1994, voltaram ao poder, apoiados pela queda da qualidade de vida e da economia húngara. Desde então, socialistas e centro-direitistas disputam o poder político na Hungria. Seguiu-se de uma aproximação com o Ocidente que levou o país a aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1999 e à União Europeia em 2004."

Thursday, October 03, 2024

NO INFINITO CAMINHO DA ESTUPIDEZ DA ESPÉCIE HUMANA

Trump, ouvi anteontem na rádio, voltou a reafirmar que continua a incentivar Putin a atirar-se contra os membros da NATO com contribuições em falta para a Organização.
 
Trump, já se sabe, diz uma coisa e a contrária com a maior desfaçatez deste mundo. 
O mesmo Trump tem ameaçado e repetido que desmantelará a NATO ou, com o mesmo objectivo, retirará os EUA da NATO, e que os outros membros da Organização se defendam com os seus próprios meios. 
E, pela dedução mais benevolente do que diz Trump, a incumbência que este dá a Putin, de combater os membros da NATO com as quotas em atraso, é uma forma de suscitar o reforço dos meios de defesa, nomeadamente dos europeus, da ameaça real que o autocrata Putin e seus admiradores e seguidores, representa para as sociedades onde a liberdade de expressão sustenta todo o sistema em que a grande maioria dos que nelas vivem se movimentam e assim querem continuar.
 
Trump já disse, inequivocamente, que, se for eleito, resolverá a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente em três tempos. 
Quanto à Ucrânia, a jogada de Trump é clara: retira o apoio militar dos EUA e, implicitamente, entrega aquele país a Putin, porque a União Europeia não tem poder defensivo e, ainda muito menos poder ofensivo, para se opor a Putin. Daí o único sentido lógico, cínico, que pode retirar-se das afirmações: paguem os compromissos que assumiram como membros da NATO, e defendam-se porque os norte-americanos não vão continuar a envolver-se nas guerras na Europa.
Entretanto continuam a chover, quase diariamente, notícias de chuvas arrasadoras de drones e mísseis de espécies diversas sobre as cidades da Ucrânia, incluindo massacres da historicamente lendária. capital, Kyiv.
 
Quanto ao Médio Oriente, o mais que Trump pode fazer é manter, e eventualmente reforçar, o apoio dos EUA a Israel, mas não resolverá um conflito que pode chegar a colocar Trump, do lado de Israel, frente a Putin, claramente apoiante do Irão, e, inequivocamente, apoiado pelo regime teocrático iraniano. 
A guerra alastra-se, são milhões os que de Gaza e Líbano, fogem dos bombardeamentos constantes, sem que do lado Israel e, agora, declaradamente, do Irão se vislumbre o caminho, ainda que mínimo, para a paz. De cada lado, o objectivo continua a ser a completa eliminação do outro. 

Se a União Europeia claudica com a derrota dos ucranianos, fragmentar-se-á, porque dentro dos frágeis muros da UE há vários dos seus membros que saltarão alegremente para o lado inimigo. 
Friamente, a questão que se coloca aos europeus do campo liberal democrático  é quem ficará do seu lado?

Se alguns membros não estão disponíveis para suportar, e reforçar, os custos financeiros de uma defensiva da sua vontade de se manterem livres, que motivação lhes sobrará para meterem as botas no terreno e, de armas nas mãos, defenderem a sua liberdade que tanto querem preservar?
 
Trump, que cada um lhe chame o que quiser, pode ganhar as eleições porque os norte-americanos estão divididos por fracturas aparentemente insanáveis:
o direito ao aborto, intransigentemente combatido pelos evengélicos, 
o direito à opção de orientação sexual, (no Economist de hoje realça-se uma questão perturbadora para os renitentes conservadores republicanos: Was Abraham Lincoln gay?), 
a política de imigração, para um país feito por imigrantes.
E a defesa da democracia liberal na União Europeia não é tema que, decididamente, os motive. 

Se Trump perder as eleições em 5 de novembro, é muito provável que venha a repetir-se a trama que gizou em 2020 - ler artigo sobre esta hipótese - e uma guerra civil nos EUA não é seguramente improvável. 

Por cá, o tema é, socialmente, indesejável para motivo de uma conversa, mesmo entre amigos e, politicamente, repugnante a qualquer partido político que não tenha intuitos suicidas. Aliás, agora, entretidissímos à volta da aprovação do Orçamento ou eleições antecipadas à vista, cada lado a tentar que seja o outro o responsável, aos olhos dos eleitores, pela eventual antecipação das eleições.
 
Pergunte-se, mas ninguém pergunta, aos candidatos à presidência da República Portuguesa para suceder a Marcelo Rebelo de Sousa, que posição deve ser assumida pelo povo português para defesa da civilização ocidental, e eles gaguejarão.
Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto ainda no cargo, assobiará o ti-ro-liro.
Gouveia e Melo, um candidato ainda não assumido, já tomou posição em entrevista, vd. aqui de Vítor Gonçalves há três semanas. 
 
"Devem os portugueses envolver-se num eventual confronto da Rússia contra qualquer país da NATO?
Resposta inequívoca de Gouveia e Melo: sim. Sei que ninguém quererá ouvir que tropas portuguesas participem numa guerra. Os militares não gostam da guerra. Mas não podem ignorar que ou nos defendemos ou seremos esmagados. Não podemos, não devemos, renunciar a combater se as ameaças de confronto se concretizarem. Devemos preparar-nos para essa hipótese e falar claro aos portugueses. É fundamental falar claro."

--- Informação correlacionada:

Palavras duras contra a NATO eram tática de "negociação", diz Trump Candidato às presidenciais dos EUA, Donald Trump, acusa os países europeus membros da NATO de não fazerem a sua parte na despesa militar, dando por adquirido que podem contar com os Estados Unidos como escudo defensivo. 

Trump says he would encourage Russia to attack Nato allies who pay too little

Which countries in the Nato alliance are paying their fair share on defence? . c/p aqui

Cost share arrangements for civil budget, military budget and NATO Security Investment Programme

Cost share arrangements for civil budget, military budget and NATO Security Investment Programme
Nation Cost share "at 32" following the accession of Sweden
Valid as from 7 March 2024 until 31 December 2024
Albania 0.0882
Belgium 2.0447
Bulgaria 0.3552
Canada 6.6840
Croatia 0.2910
Czechia 1.0259
Denmark 1.2744
Estonia 0.1213
Finland 0.9057
France 10.1940
Germany 15.8813
Greece 1.0273
Hungary 0.7380
Iceland 0.0624
Italy 8.5324
Latvia 0.1550
Lithuania 0.2493
Luxembourg 0.1645
Montenegro 0.0283
Netherlands 3.3528
North Macedonia 0.0756
Norway 1.7267
Poland 2.9015
Portugal 1.0194
Romania 1.1931
Slovakia 0.5014
Slovenia 0.2212
Spain 5.8211
Sweden 1.9277
Türkiye 4.5927
United Kingdom 10.9626
United States 15.8813
TOTAL NATO 100.0000

 

Tuesday, October 01, 2024

MEMORIAL DA MAGNÓLIA x SOULANGEANA "ALEXANDRINA"

 



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Esta magnólia, "Plantada por Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa" em "21 de Março de 2016, Dia Mundial da Árvore", não tem folhas e, obviamente, nem flores. 
Tem líquenes, que a tomaram de assalto, mesmo à beira Palácio Nacional de Mafra, também conhecido por Convento de Mafra.
 
Não é caso inédito, é um caso paradigmático do investimento público que se esgota no acto da criação e no desleixo da manutenção. Não é excepção, é regra.

Mas, afinal, há ou não há, hoje, sobreiros e carvalhos no pinhal de Leiria?
 
Na Serra da Boa Viagem, Figueira da Foz, na área ardida há muitos mais anos, hoje há um bastio denso de acácias sem préstimo; 
Na área ardida pelo fogo que pegou na Peninha (Serra de Sintra) há meia dúzia de anos, e se alastrou até às dunas da Cresmina, apareceu a boa vontade de braço dado com a incompetência e o oportunismo a ensinar às criancinhas como se plantam árvores. Se se salvou alguma, é difícil dar por isso.

Saturday, September 28, 2024

PODE UM (EX) BOMBEIRO INCENDIAR O MUNDO?

A pergunta não tem intuitos sensacionalistas porque decorre do muito diversificado sistema de eleição do presidente dos Estados Unidos da América, que não está sujeito a regras idênticas em todos os EUA e também não são claras as regras de validação da votação sobretudo nos casos de votação antecipada por correspondência, já a decorrer. Em qualquer caso persistem condições para emergirem dos resultados da votação em 5 de novembro confrontos irredutíveis, incompreensíveis na democracia mais antiga da era moderna e, ainda, a maior potência mundial. 

Em 21 de dezembro do ano passado, coloquei uma nota neste caderno de apontamentos -  BIBEN NÃO SERÁ REELEITO, TRUMP TAMBÉM NÃO - sustentada num artigo publicado aqui, "Why neither Biden nor Trump will be the next president".

Para já, metade da previsão (ou profecia?) está cumprida: Biden não será reeleito Cumprir-se-á a outra parte com a não eleição de Trump?
A 37 dias da data das eleições, as sondagens não colocam nenhum dos candidatos, Trump ou Harris, em posição claramente vencedor.
 
Pode ser qualquer um deles, segundo uma longa lista de sondagens publicada ontem em diversos media.
Para cerca de metade dos norte-americanos a incerteza evidenciada nestas sondagens é preocupante para os democratas, favoráveis à continuidade de um sistema democrático-liberal, para cerca de outros tantos, entusiastas de um poder presidencial autocrático, é excitante a expectativa de um retorno de Trump à presidência.
Em qualquer dos casos não é, maioritariamente, sentida pelos norte-americanos a ameaça para o futuro de uma Europa livre de autocracias a eleição de Trump, com a consequente promessa deste de terminar o apoio norte-americano à Ucrânia, entregando-a a Putin e que, faça Putin o que entender aos países  da União Europeia, terá a sua bênção. 

É a propósito desta incerteza que teve repercussão expressiva o facto do senador Michael McDonell, do  Nebraska, com antepassados irlandeses, católicos, democratas, se ter registado recentemente no GOP republicano por discordar dos democratas em temas fracturantes: aborto, opção de orientação sexual, imigração. Como o Nebraska nomeia os seus representantes no Congresso por votação no congresso do Estado, um voto do ex-bombeiro desequilibra o empate e favorece Trump que pretende alterar as regras de votação em vigor naquele Estado.
Este senador terá, entretanto, desiludido Trump, comprometendo o seu futuro político, recusando apoiar alterações quando as eleições se encontram tão próximas.


 
Por outro lado, Trump e as suas tropas já começaram a movimentar-se no sentido de inventar situações para negar a validade dos resultados das eleições se não as vencer. Em causa as regras de votação pelo correio, já em curso, um meio essencialmente utilizado pelos democratas.
Não obstante estas intenções mal disfarçadas de Trump, este está a indicar aos seus apoiantes que utilizem também eles a votação pelo correio.
 
 
Chegados aqui, agiganta-se a probabilidade de, num mundo mais do que nunca antes na história da humanidade, a estupidez humana poder auto destruir-se e destruir todos os seres vivos no planeta Terra. 
O voto do ex-bombeiro, como qualquer outra causa aparentemente irrelevante, pode atiçar o rastilho de uma guerra nuclear de consequências incomensuráveis. 

Ainda anteontem Putin voltou a ameaçar o Ocidente com o uso de armas nucleares.
Ora, declaradamente, Trump apoia Putin. 
E Putin não esconde a sua ambição de submeter a Europa democrática ao seu dicktat.

 
Mas há quem não acredite ou não queira acreditar.
O certo é que, por todo o mundo ocidental, se alarga a mancha dos extremismos, de esquerda e de direita.
Que se tocam, como se sabe. 
Aconteceu o mesmo há mais de cem e há mais de oitenta anos. Com uma enormíssima diferença: a criatividade destrutiva da espécie humana tinha então atingido limites ínfimos quando comparados com os que hoje estão ao dispor da estupidez humana.  
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Monday, September 23, 2024

ENGAWA NO CAM GULBENKIAN II

Na visita feita ao Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, vd. aqui, aberta anteontem para o público, depois de quatro anos em que foi encerrado por motivos de ampliação, a nossa apreciação ficou muito aquém das expectativas:

1 - Alargamento do espaço total - Os nossos muitos aplausos.
 
O espaço Gulbenkian prolonga-se agora até à Rua Marquês de Fronteira, em frente, do outro lado da rua, do Palácio Vilalba, onde esteve instalado entre 1946 e 2006 o Quartel General de Lisboa, e agora é sede da Provedoria de Justiça. (A propósito: por que despropósito foi transferida para o Palácio Vilalba a Provedoria da Justiça, certamente o menos relevante e influente na administração da Justiça em Portugal?)

Fica-se por saber que razões impedem a concretização do projecto - muito publicitado com imagens de ante visão dos resultados previstos - de ligação, por viaduto pedonal, do Espaço Gulbenkian ao, agora muito mal cuidado, ajardinamento do outro lado da Avenida Gulbenkian, e deste, também por viaduto pedonal, ao espaço em frente, que já foi parque de estacionamento, e agora é nada, assim como o terreno anexo onde existiu o restaurante Gôndola e uma vivenda, destruída, propriedade da Câmara Municipal.

2 - Ajardinamento do espaço alargado - Aquém do projecto do arquitecto Ribeiro Teles. 
Ainda assim, um aplauso.

3 - Arquitetura do CAM após expansão - Muito aquém das expectativas.
Quem visita o CAM verá muito divulgada a palavra "Engawa". Pronuncia-se, segundo nos disse uma das vigilantes, Engauá, ou sonoridade parecida.
Para saber o que é a (ou o?) Engawa, transcrevo da página do sítio (homepage) do CAM Gulbenkian:
 
"Temporada de arte contemporânea japonesa

Desde 2023 que a Temporada Engawa tem vindo a apresentar aos lisboetas um conjunto de artistas e pensadores do Japão e da diáspora japonesa, reunindo diversas colaborações com artistas e instituições culturais. Este programa investiga o modo como uma nova geração de artistas japoneses, num contexto de pressão social e psicológica, abraça uma diversidade de linguagens interligadas e considera o lugar da inteligência emocional como possibilidade de partilha para habitar o complexo mundo atual.

As obras que se apresentam no culminar desta temporada no CAM articulam-se e dialogam com o projeto do novo edifício, concebido pelo arquiteto japonês Kengo Kuma, e com a ampliação do Jardim Gulbenkian. O título da temporada toma o nome de Engawa, que se manifesta no CAM sob a forma de uma magnífica pala inspirada nas casas tradicionais japonesas, o símbolo deste projeto arquitetónico, e que é visto como um espaço de transição para encontros e transformação.

Engawa pode ser tomado como uma metáfora para um «espaço liminar», uma ideia amplificada na década de 1980 no Japão e no mundo ocidental através do conceito de 間 [ma]. Esta noção de «espaço liminar» ou de transição materializou a possibilidade de um diálogo comum, refletida nos movimentos artísticos multidisciplinares do Japão a partir do pós-guerra, um período em que emergiu uma multiplicidade de histórias paralelas que questionavam a ficção da história oficial que construía a identidade japonesa.

Este capítulo da temporada desenvolve estes temas através de um programa de exposições de arte temporal, projetos site-specific e obras encomendadas a artistas a meio de carreira, cujo trabalho é apresentado pela primeira vez em Portugal. As suas práticas levantam questões fundamentais sobre a nossa coexistência com os mais variados tipos de entidades na presente era de transformações tecnológicas, sociais e políticas, proporcionando perspetivas sobre questões que nos afetam a todos relacionadas com os problemas sociais, históricos e ecológicos que o mundo enfrenta na atualidade.

Num profundo processo colaborativo com o contexto intercultural de Lisboa e Portugal, o programa tem como objetivo refletir sobre o modo como as inter-relações entre perceção e emoção criam outras realidades. Também se relaciona com as principais exposições inaugurais do CAM e outros eventos de artes performativas, abrindo novas vias para a compreensão das ligações entre o Japão e o resto do mundo. No seu conjunto, estas ligações produzem uma circularidade prolífica, entrelaçando significados e narrativas, com destaque para as relações entre Portugal, o Japão e o Brasil.

Em 2023, apresentámos obras do coletivo artístico 目[mé], e dos artistas Ryoji Ikeda e Lei Saito na Fundação Gulbenkian e noutros espaços da cidade. A temporada incluiu um programa de homenagem à participação japonesa no movimento Fluxus internacional, em particular a Mieko Shiomi, importante compositora japonesa deste movimento, bem como uma intervenção no bairro lisboeta de Marvila pelo coletivo Chim↑Pom from Smappa!Group (CPfSG), em parceria com o Alkantara Festival 2023.

Curadoria de Emmanuelle de Montgazon, com Rita Fabiana."

Perceberam? Ainda bem que perceberam. 
Eu também percebi. Só não vejo como é que a vedeta de toda a transformação operada no CAM - "uma magnífica pala inspirada nas casas tradicionais japonesas" - seja tão admirável. 
Problema meu. 
Aquilo não não é uma pala, é uma enormidade, que, além do mais, não descobre porque reduz a visualização do espaço do jardim em frente. 
 
4 - Organização do Espaço Interior do CAM  - Para mim, incompreensível.
É incompreensível que tenham criado um espaço (escavado no solo) destinado à exposição permanente da Colecção de Arte Moderna da Gulbenkian, e acessível no canto esquerdo mais distante, o acervo (supomos que parte dele) da Colecção, em expositores rolantes. Obviamente, não rolantes a pedido de cada curioso.

5 - Exposição temporária de Leonor Antunes, ocupando todo o espaço principal do CAM - É um exagero que, tanto julgo saber, nunca antes tinha sido concedido a outro artista plástico.
Resulta melhor em fotografia que entre os objectos pendurados. 
 

PORTUGAL AO NATURAL

O Ministério da Educação está a exigir em tribunal a uma professora de Matemática perto de 350 mil euros, depois de ter descoberto que leccionou a disciplina ao longo de mais de três décadas sem ter nunca tido habilitações que lho permitissem fazer." ..."Leccionou Matemática sem ter curso durante décadas. Estado exige-lhe 350 mil euros" ..."Torna-se co-autora de manuais escolares não só para alunos mas também para professores, alguns dos quais certificados pela Sociedade Portuguesa de Matemática, e é então que passa a contar no seu currículo com mais um mestrado, desta vez em Álgebra, Lógica e Fundamentos."

E ainda há quem considere a Matemática uma questão de solução complicada!
A esta senhora professora (ninguém pode negar que foi, e ainda é, professora) deveria ser atribuído um doutoramento "Honoris Causa" por reconhecido mérito pelos seus pares e pelos pais dos alunos que ensinou.

Houve burla qualificada da senhora professora?
Admitamos que sim.
Mas a repetida, negligência de todos quantos deveriam ter confirmado, desde a primeira admissão da candidata ao ensino, a autenticidade dos documentos que apresentou, não é menos grave, do ponto de vista dos resultados (geralmente maus) dos alunos que a burla de alguém que, afinal, parece ter demonstrado competência durante mais de três décadas.
 
A notícia não dá conta dos sucessos ou insucessos dos alunos desta professora. A avaliação de pais e pares não é irrelevante mas pode não corresponder ao resultado de avaliações independentes, que não foram, mas deveriam ter sido, feitas. 

Foi, e ainda é, por decisão do sr. Mário Nogueira, que a classe dos professores do ensino secundário, jubilosamente aceitou, que a progressão na carreira é feita com base nos anos de serviço. A apreciação do mérito não se coaduna com a forçada igualdade de competências de todos os que, por gosto ou necessidade, querem, ou aceitam, ser professores. 

Saturday, September 21, 2024

ARGENTINA

Um casal simpático. argentinos, altos, saídos há pouco tempo da casa dos cinquenta, em viagem pela Europa, além do mais com passagem por Lourdes.

- Como vai a Argentina, agora com Milei na Presidência?
- Melhor, mas não tanto quanto podia ser se Milei tivesse maioria na Câmara Alta (Senado) e na Câmara Baixa (Deputados) mas não tem. As reformas possíveis têm melhorado a situação. 
- Como explica a queda da economia argentina depois de ter sido uma das mais prósperas?
- O roubo, há muito roubo, o sistema de justiça não funciona, comprado pelos que roubam ...
- Mas quem rouba?
- Os políticos. Há muita prata (muito dinheiro) a circular e a fugir do país. Há muitos ladrões, sabes? Com Milei como Presidente, a situação está a melhorar ... Há menos políticos a roubar.
- Como é que está o vosso sistema educativo?
- Mal, muito mal, não há responsabilização, não há disciplina, os estudantes têm liberdade para fazerem o que quiserem.
- Contudo, segundo o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), o sistema de ensino na Argentino posiciona-se acima do português ...
- Ah, sim, mas é assim tão mau o o sistema de ensino em Portugal?
- Pior que na Argentina, se a classificação do PNUD está correcta.No ranking do índice de desenvolvimento do PNUD Portugal ocupa a 42ª posição e a Argentina a 47ª, tendo Portugal melhor classificação na esperança de vida à nascença e no rendimento médio, em termos de paridade de poder de compra, e pior na educação.
- É curioso ... Quem lidera o ranking?
- A Suíça ocupa a primeira posição, a Noruega, a Islândia, Hong Kong (China), Dinamarca, Suécia, Alemanha, Irlanda, Singapura, Austrália e Países Baixos, Bélgica, Finlândia, Lichtenstein, Reino Unido. Nova Zelândia, Emiratos Árabes Unidos (petróleo)...
- E a Coreia do Sul, que lugar ocupa?
- O 19º, a seguir ao Canadá. O Luxemburgo e os Estados Unidos da América, completam a lista dos vinte primeiros. Na Argentina, segundo este ranking, parece existirem problemas no sistema de saúde e na distribuição da riqueza. 
- O sistema de saúde é mau. Nós temos o nosso seguro de saúde pago pela nossa empresa, pessoalmente não temos razões pessoais de queixa. Mas a política de portas abertas, que Milei quer contrariar, é responsável pela pressão sobre os serviços médicos pagos pelo Estado, em grande parte pelos  imigrantes vindos de outros países vizinhos que recorrem a esses serviços médicos e se dispõem a trabalhar a qualquer preço.
- Quer dizer que Milei se propõe imitar Trump em questões de imigração. 
- É isso mesmo.
- Apoiariam Trump se votassem nos Estados Unidos.
- Sem dúvida. 
- Vão passar por Lourdes, já estiveram em Fátima, já passaram por Roma. Visitaram o Papa Francisco, um Papa argentino?
- Não, não. O Papa é muito político ...
- Não entendo ...
- Não considerou falsos os resultados na Venezuela e ilegítima a reeleição de Chaves.
- Mas pediu que fossem analizados os resultados.
- Não chega. O Papa é muito político.
- Ontem ouvi que o Papa voltou a considerar o aborto um mal que tem de ser condenado e a imigração uma necessidade que deve ser facilitada.
- Uma no cravo, outra na ferradura. É muito político. Não gostamos dele. É argentino, mas na Argentina era um desconhecido. Agora que o conhecemos, não gostamos dele. Diz ele que quer uma igreja dos pobres, se assim continua todos ficarão pobres. Não, não gostamos dele. É muito político.

FLORESTA: ESTADO A MAIS? ESTADO A MENOS

João Miguel Tavares,
jmtvares@oulook.com
 
Escrevo-lhe porque, lendo o seu artigo de hoje, discordo em grande parte, para não dizer em quase tudo, o que escreve sobre a floresta em Portugal. O que, para mim, destoa da assertividade que, geralmente, observo nos seus textos.

1 - Ir a Aquilino Ribeiro para sustentar as causas do flagelo dos incêndios em Portugal é usar um argumento requentado invocando uma rebelião dos povos na Beira pela florestação dos baldios nos finais de 40 do século passado; portanto, há mais de oitenta anos.
Li o Quando os Lobos Uivam há sessenta e seis anos e o texto integral da acusação e defesa de Aquilino Ribeiro, Editora de Liberdade e Cultura de São Paulo, prefaciado por Adolfo Casais Monteiro.
Se escrevo isto é para que saiba que me documentei há muitos anos sobre o assunto da florestação dos baldios, circunstância que também ocorreu nas redondezas da aldeia onde nasci.
Acrescento, para salvaguarda de presunção de interesses próprios, que trabalhei no sector da produção de pasta e papel até há mais de 20 anos e nenhuma ligação pessoal ou outra mantive com o sector depois de então.
 
2- Depreendo do que escreve que o excesso de florestação em Portugal tem as suas profundas raízes numa política errada do "Estado Novo". Raízes, certamente robustas para se manterem, crescerem e se acrescentarem durante mais de oito décadas. Causa primordial desta política errática: a intromissão do Estado num assunto que não lhe devia dizer respeito. 

3 - Se podemos estar  de acordo que à Estado a mais em vários sectores da actividade económica em Portugal, não posso estar mais em desacordo consigo do que neste da estatização da propriedade florestal (mas também da agrícola e, hélas!, também, em certa medida, da urbana);
Sabe o J M Tavares quantos proprietários florestais existem em Portugal?
Mais de 300 mil, um número semelhante aos Estados Unidos da América.
O Estado português, ao contrário do sueco, do finlandês, etc., é proprietário de uma pequeníssima parte da área florestada. Dir-me-á que, mesmo assim a deixa arder porque não cuida dela, o que é verdade mas uma condição não implica a outra.
Não, J M Tavares, não há Estado a  mais na floresta portuguesa; há Estado a menos e uma pulverização da propriedade florestal privada que ninguém defende porque, sem dimensão económica crítica, é indefensável.

4 - O que há é falta de competência e coragem política para redimensionar a estrutura fundiária em Portugal de modo a garantir-lhe interesse económico bastante que possa garantir a sua defesa.

5 - Acrescento ainda que há uma confusão total em Portugal com a inclusão das plantações de eucaliptos (que não são floresta) com povoamentos mistos de pinheiro, eucalipto, acácias (ninguém parece reparar no crescimento das acácias) e outras espécies resinosas ou folhosas.

6 - A terminar diga-me, sff, defende uma propriedade rústica vocacionada para o pastoreio com erradicação de todas as espécies não autóctones, como aquela pela qual se bateram os beirões há mais de oitenta anos? Se não, o quê?

Atentamente
Rui Fonseca

PS - Se tiver pachorra leia o que sobre o tema escrevi há 18 anos, aqui