Wednesday, July 25, 2012

VIVER AO LADO

"Vivemos acima das nossas possibilidades , todos nós, disso não tenho dúvidas !
Ontem fui a ( ) um encontro de técnicos de ambiente. Desloquei-me de transporte público, para poupar e aproveitar melhor o tempo. Os comboios são bons, frequentes q.b. pontuais, têm ar condicionado, WC (limpo) e não são caros ( ) . Mas, fui o único a ir de transporte público . Todos os outros se deslocaram naturalmente de carro. Os transportes públicos estão vazios, nos Regionais viajavam alguns reformados, estudantes e...funcionários da CP (porque não pagam). Mas a gasolina está cara, não é? há uma crise ? ....a sério ? as pessoas preocupam-se em poupar ? quem ? onde ?...ambiente ?"
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Caro João,

Comungo inteiramente da tua reflexão mas não posso, por amor à verdade, deixar de confessar que, também eu, utilizo pouco os caminhos de ferro em Portugal. As pessoas respondem a incentivos e os incentivos à utilização da rodovia, preterindo a ferrovia vêm de longe. O crédito à compra ou substituição de automóvel e de outros investimentos domésticos foi promovido em deterimemto do investimento reprodutivo. Resultado: o caminho de ferro foi reduzido à expressão mais simples e o hábito da utilização do comboio perdeu-se.

No meu caso, e creio que é a situação de muita gente, o que não invalida de modo algum o teu exemplo e as tuas conclusões, a estação de caminho de ferro mais próxima fica a uns quatro quilómetros, a minha casa fica a quilómetro meio  da estrada principal, por onde poderiam passar autocarros de ligação à estação de CF, mas não passam. Se deixo o automóvel na estação para apanhar o comboio, pago mais pelo parque do que pelo bilhete numa viagem curta. Se a viagem é longa, as ligações disponíveis são complicadas. De Sintra à Figueira, de comboio, não se faz por menos de cinco horas, entre sair de casa e chegar ao destino, onde deixaram passar os comboios. Gastaram milhões na renovação do ramal e na reabilitação do túnel, e quando tudo estava pronto decidiram encerrar o ramal.

As pessoas, que em matéria de hábitos nem sempre optam pelos mais saudáveis, têm sido incentivadas ou mesmo coagidas a persistir nos mesmos erros.

Relativamente à afirmação - vivemos acima das nossas possibilidades - para além da vertente que abordaste do consumo doméstico, há um outro viver que não está ou não esteve acima das nossas possibilidades mas inquestionavelmente para além daquilo que uma sociedade responsável deveria ter consentido: os gastos públicos e privados em investimentos não reprodutivos. Refiro-me, concretamento, ao investimento em cimento que embebedou a sociedade portuguesa durante décadas. Os sucessivos governos centrais e locais investiram frequentemente para além do que a economia suportar com o propósito, entre outros, de ganhar votos. À fome de votos dos políticos juntou-se a ganância dos  banqueiros.

Mas também muitos portugueses embarcaram, foram incentivados a embarcar, no investimento desmedido em segundas habitações, ou mesmo terceiras e quartas habitações. Portugal tem, a seguir à Espanha, o maior rácio de habitações/famílias (cerca de mais 30% ). Porquê? Fundamentalmente por duas razões: uma porque efeito imitação (se o meu colega tem casa no Algarve, eu também quero ter); outra, porque a banca, também neste caso, favoreceu as actividades não transaccionáveis preterindo as actividades transaccionáveis. A história é demasiado conhecida, o espantoso é que, no essencial, continua tudo na mesma.

Tudo conjugado, as poucas poupanças dos portugueses não foram dirigidas ao crescimento  económico mas à ilusão económica. Como se isso não bastasse, a banca, toda a banca incluindo a banca do estado e o banco central, afundaram o país com crédito que emborcaram nos portugueses ou enriqueceram os comparsas (banqueiros, políticos,  construtores civis e a indústria cimenteira.

Por tudo isto, à afirmação - vivemos acima das nossas possibilidades - prefiro outra: a ininputabilidade dos banqueiros alimentou a demagogia dos políticos numa sociedade civicamente inconsciente.

Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal Americana, afirmava numa entrevista à Time em Dezembro de 2009 (foi considerado nesse ano "Person of the Year pela Time) que "Too big to fail is one of the biggest problems we face in this country". Nem sempre estou em desacordo com que dizem ou fazem os banqueiros. Neste caso, considero que se o moral hazard - o benefício ao infractor -, de que gozam os banqueiros acabasse este mundo seria muito melhor.

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