Vimos a segunda parte, gravada, do Pós e Contras de anteontem.
Continuamos sem saber o que se passou?
Penso que não. A discussão permitiu saber o suficiente para definir os contornos do que esteve, e estará ainda por muito tempo, em causa no caso chamado "das escutas".
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Sabe-se hoje que tanto o Público como o Diário de Notícias, na ânsia de aumentarem as tiragens fizeram manchettes do que não era notícia.
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Analisemos, em primeiro lugar, o comportamento do Público.
Quando há dezoito meses foi abordado por Fernando Lima, averiguou o processo e chegou à conclusão que não havia matéria para notícia. Agora, com a campanha eleitoral à porta, decidiu explorar a intriga e, em sequência de uma pseudo-notícia publicada num semanário, que quase ninguêm lê, e que dizia o óbvio - os assessores da Presidência da República estavam a colaborar no programa do PSD - resolveu telefonar para os assessores a procurar confirmação. José Junqueiro viria, em sequência desta pseudo-notícia, a berrar que a Presidência da República deveria esclarecer a questão, mas a Presidência da República fechou-se em copas. Os assessores interpelados pelo Público não confirmaram nem desmentiram, e perguntaram: Como é que eles sabem? Andam a escutar-nos? Conclusão do Público: A Presidência da República desconfia que está a ser escutada. Pergunta do Público aos assessores: Acham que estão a ser escutados? Achamos que sim, terá sido a resposta. E saiu a manchete: A Presidência da República pensa que está a ser escutada.
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Observe-se, desde já, que neste diálogo (provavelmente encomendado, mas, ter sido encomendado ou não, não é relevante) transita-se da suspeita de escutas aos assessores, enquanto participantes na elaboração do programa do PSD, para a escuta à Presidência da República. Temos de admitir que terá havido conivência de interesses entre o Público, que queria uma manchette quente e os assessores, interessados em reforçar o tema da asfixia democrática lançado pelo PSD. Com ou sem conivência, objectivamente, o Público fez de uma pseudo notícia uma manchette que abalou a já então incipiente discussão dos problemas do país. O Público poderia ter contactado o chefe da casa civil do PR, mas não o fez, ou não o fez nessa qualidade, e arrasou a campanha eleitoral com uma notícia não devidamente confirmada. Não errou porque errou propositadamente.
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Em sequência desta pseudo-notícia, alguém achou oportuno desenterrar o processo congelado há 18 meses atrás denunciando o processo e o protagonista, e encontrou no Diário de Notícias o veículo necessário. Na posse de uma pseudo-notícia, onde apenas a denúncia da fonte, nada mais nada menos que o assessor de imprensa do PR, era relevante do ponto de vista do escândalo que dava corpo à manchette, o Diário de Notícias, que foi sempre um órgão alinhado, desde os tempos da ditadura, com o poder do momento, viu ali uma oportunidade única para matar três coelhos de uma cajadada, mesmo que os meios fossem condenáveis: 1- aumentava as tiragens, 2- colocava o seu maior concorrente, o Público, em xeque-mate, 3 - permitia ao PS passar ao contra ataque no campo da asfixia democrática escolhido pelo adversário. Também não errou porque o fez de propósito.
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Finalmente, o PR.
Pelo que foi dito e pelo que disse o PR, Fernando Lima contactou mesmo o Público com o objectivo deste jornal averiguar a consistência das dúvidas que se teriam levantado em Belém quanto a espionagem à Presidência da República. O Público averiguou, naquela altura, que o caso não tinha, ou não tinha ainda, pés para andar.
Pergunta-se: Se o PR tinha dúvidas porque não abordou o assunto com o Primeiro Ministro? Se abordou não sabemos mas não custa acreditar que o não tenha feito. Primeiro, porque ninguém pergunta a uma peixeira em quem não se tem a máxima confiança se o peixe é fresco. Segundo, porque se perguntasse espantaria a caça.
Porque não colocou a questão na Procuradoria da Justiça? Porque, obviamente, levantaria imediatamente um conflito institucional insanável.
Tendo dúvidas, o único meio que lhe restava era o de recorrer a um jornal de confiança. É criticável mas é habitual, tanto quanto se sabe hoje a partir das declarações de diversos jornalistas.
Sobra a questão de saber quem (a fonta política) fez chegar a alguns jornais o processo do Público congelado 18 meses antes (pelo menos ao Expresso, que não viu consistência que sustentasse a publicação, e ao Diário de Notícias que, sofregamente, a proveitou a oportunidade).
A resposta é óbvia: Quem tinha interesse na denúncia de Fernando Lima. Quem, então? Não o PR. Não o PSD. Pouco provavelmente, o CDS. Provavelmente, o BE ou o PCP. Muito provavelmente, o PS.
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Uma guerra de intriga que tramou, talvez irremediavelmente, Cavaco Silva.
Uma intriga tão banal que motivou uma pergunta óbvia do humorista Ricardo Araújo Pereira a Mário Soares: "Para dar uma ajuda ao Prof. Cavaco Silva, que esperamos esteja a acompanhar este programa, como é que um Presidente da República pode intrigar sem ser apanhado?"
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Mário Soares não o disse. Mas se tivesse sido apanhado teria certamente confirmado que se julgava espiado. Cavaco Silva, decididamente, não tem jeito para esta política.
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