Saturday, October 17, 2009

GOSTO DE FUTEBOL MAS NÃO DEMASIADO

Caro L.,

Antes de mais, obrigado pelo teu comentário.
Vamos por partes:
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"dei prioridade ao futebol"
Eu, como diz o nosso amigo Humberto, sou um caso atípico:O futebol nunca tem prioridade sobre as opiniões, ainda que pouco relevantes, dos meus amigos.
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"para o grande público, a discussão dos programas não tem eficácia nenhuma"
Não vejo que haja grande diferença: é por não ter interesse que não tem eficácia.
Estamos a ver a questão sob dois planos diferentes: Há, evidentemente, muita gente, provavelmente a grande maioria, que se está borrifando nos programas e vota contra quem está no poder ou sempre no seu partido. Parece que há cerca de 50% de eleitores que votam sempre no mesmo partido. O que não invalida que não haja alguns (admitamos que poucos) que votam segundo as propostas dos partidos.
Mas a questão, quanto a mim, não se põe em termos de eficácia ou não, essa será a perspectiva partidária (contam os fins não importando os meios) mas a minha perspectiva enquanto cidadão que enjeita totalmente ser tratado como gebo. Isto é, que recusa votar numa cara sem saber o que pensa o cérebro que é suposto estar lá dentro.
Daí que conteste a afirmação que não tem interesse a discussão pública durante a campanha eleitoral de assuntos como, por exemplo, o rendimento de inserção social.
Quanto a mim, não só interessa como a ausência de discussão sugere que somos todos incapazes de reflectir.
Dou-te um exemplo: Em Sintra, da candidata do PS apenas conheci o outdoor com a cara da fulana e a mensagem "Vontade de mudança" ou coisa do género.
Sei que os fiéis do PS lhe deram o voto. Eu, que não sou fiel por uma questão de fé, como é que poderia votar nela sem saber o que é que ela propunha para Sintra?
Se ela tivesse aproveitado o outdoor para alinhar três ou quatro ideias eu ficaria minimamente informado. Mas não senhor: propunha mudar sem dizer o quê.
Este tipo de slogans faz-me recordar um anúncio de há muitos anos que reclamava "Toddy contém"! Toddy contém porque contem mesmo!"
O quê? o anúncio não dizia, mas havia muita gente que comprava Toddy. Eu não, porque sou atípico.
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"O eleitor, em geral, fez as suas opções de natureza ideológica..."
Caro L., repara: Mais de 75% do eleitorado votou PS ou PSD. Que ideologia perseguiram os que votaram num caso e noutro?Que diferenças ideológicas marcantes existem entre o PS e PSD?
Mesmo dos que votam PCP, o único partido que persiste numa ideologia que se percebe, há uma larga maioria que vota por uma questão de fé. O que é que percebem de ideologia comunista os eleitores do Alentejo que ainda transportam as marcas de muitos anos de marginalidade numa sociedade de feudalismo serôdio? Nada, a não ser uma revolta antiga que eu não vivi mas percebo.
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"Estás ou não de acordo que o voto é, primeiro que tudo, uma opção ideológica?"
Por aquilo que referi, 75% votam PS ou PSD, sem saberem que diferenças ideológicas marcantes os distinguem. Tu sabes? Eu não sei.
No PCP votam muitos por razões que não são ideológicas porque se o soubessem talvez já tivessem alterado sentido de voto. Votam porque o PCP apareceu, clandestinamente, ao lado deles quando eles eram desprezados e alguns perseguidos.
No BE, esquerda caviar, votam os dissidentes que estão contra mas são incapazes de construir seja o que for. Eis a sua ideologia: abaixo o sistema, acima a demagogia.
No CDS/PP votam os partidários do tempo do velho senhor e alguns tresmalhados do PSD (ou vice versa).Têm uma ideologia? Têm um líder que terá todas as ideologias que forem precisas para crescer.
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"Tu póprio confessaste que ao longo de todos estes anos, embora não tenhas votado sempre nos mesmos, nunca dispersaste muito o teu voto pelo espectro partidário."
Pois não. Mas não por razões ideológicas. Voto naqueles que prosseguem as suas práticas políticas em conformidade com os valores da democracia, prevalecentes na generalidade dos países ocidentais deste que me conheço, com raras excepções, uma das quais, lamentavelmente, ocorreu em Portugal até 25/4/1974.
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"E não é por razões de fé mas sim por convicção ideológica"
Eu apenas tenho uma convicção: a de que o regime democrático, como dizia o outro, é o menos mau de todos os regimes.
Mas mudarei de ideias se me demonstrarem o contrário. Todas as ideologias são, naturalmente, antidemocráticas, porque se alicerçam em convicções inabaláveis.
Como na religião. Como no futebol, aliás.

4 comments:

Anonymous said...

Caro Rui
Acho que confundiste tudo e, claro, baralhaste.
E qual é a tua maior confusão: é que assimilas o conceito de ideologia ao de doutrina e , na verdade, não têm nada a ver um com o outro.
A ideologia está associada a formas e modos de interpretação da realidade e da actuação sobre ela que melhor servem um determinado agrupamento social.
Não tem nada a ver com catecismos ou fé.
As grandes opções vão sendo tomadas e apoiadas a maior parte das vezes por razões de moda em que os media cada vez mais desempenham um papel fundamental.
Nos anos 70 a moda era as nacionalizações, e todos embandeirámos em arco com a maior parte delas.
Com a Sra Thatcher passou a conferir-se uma ênfase prioritária à restrição do papel do Estado na economia e ganharam campo as doutrinas liberais.
Hoje a crise financeira veio de novo a pôr a questão da desregulação dos mercados e da necessidade de uma maior intervenção do Estado.
As ideias mudam ao sabor dos tempos e dos acontecimentos.
Nas democracias representativas os cidadãos delegam, através do voto, o exercício do poder nos seus representantes organizados em partidos políticos.
A opção de voto num determinado partido corresponde, relativamente a cada individuo, à convicção de que, naquele momento, é aquele que melhor defende os seus interesses ou do agrupamento social onde se integra.
No retomar do nosso regime democrático após quase 50 anos de ditadura, foi necessário que cada cidadão se fosse inteirando do significado do voto em cada um dos partidos e o meio mais adquado terá sido a análise dos programas eleitorais em jogo. Hoje, estabilizado o regime com um acentuado cunho bipartidário, de uma forma geral a opção tem mais a ver com julgamento de situações do passado que de opções futuras, daí que eu continue a negar a eficácia eleitoral da discussão dos programas.
Mas, sejamos precisos, não significa isso que condene essa discussão. Antes pelo contrário, da discussão nasce a luz!!!
Mas tu, quando admites que poucos votam pelas propostas dos partidos não estarás a confirmar o meu ponto de vista?
Então onde é que divergimos? Pelos vistos no FUTEBOL. É que nem imaginas o gozo que é ver o bosso clube afinfar uma goleada ao adversário.
Um abraço
L

Rui Fonseca said...

"quando admites que poucos votam pelas propostas dos partidos não estarás a confirmar o meu ponto de vista?"

Não estou.
E não estou porque o que eu penso, mas tu discordas, é que o período de campanha eleitoral é o momento em que as propostas devem ser discutidas. Quem quiser ouve e pensa nelas, quem não quiser passe à frente.

Quanto a ideologias, permite-me que te relembre que, logo que o muro caiu e a União Soviética se desmoronou por simpatia, era voz corrente "terem acabado as ideologias".

Não acabaram, evidentemente, estas coisas nunca acabam. Mas reflectiam uma alteração radical do mundo político, até aí dividido em dois blocos: o comunista e o outro. Caindo o primeiro ficou, aparentemente, o outro sem sentido.

Que faria, em Portugal, a esquerda herdeira das ideologias comunistas(PCP, BE)se um dia fosse maioritária?

A revolução do proletariado?

Acreditas que quem vota PCP, portanto na ideologia comunista, vota por uma revolução proletária?

Vota por quê?

A esmagadora maioria não sabe em que ideologia vota.

Votam os que votam no PS em que ideologia? E os do PSD? E os do CDS? Que ideologia é a do CDS?
É contra o aborto, já se sabe. Isso é ideológico?

Se não votamos em programas votamos por uma questão de fé.

Rui Fonseca said...

"É que nem imaginas o gozo que é ver o nosso clube afinfar uma goleada ao adversário."

Coitados dos do Monsanto.

Aquilo não é goleada, é pedofilia!

Luciano Machado said...

Já percebi: a nossa divergência está no conceito de ideologia.
Acho que deve ser um tema a aprofundar noutra altura.
Abç
L