- Viram o Prós e Contras de ontem?
- Vimos até ao intervalo. Depois deixámos a gravar, mas ainda não vimos. É absurdo que a RTP continue a transmitir programas de grande audiência até às tantas. Deveriam começar mais cedo. E que tal foi a segunda parte?
- Uma barracada. Às tantas os jornalistas engalfinharam-se uns nos outros, já ninguém se entendia.
- E chegaram a alguma conclusão?
- Não chegaram a conclusão nenhuma. Continua tudo confuso na mesma. A campanha eleitoral foi dominada pelas escutas que afinal não tinha havido.
- Nós não estávamos cá mas li algumas críticas que referem terem sido os frente-a-frente mais elucidativos das ideias dos candidatos que em qualquer outra campanha eleitoral anterior.
- Para o grande público, a discussão dos programas não tem interesse nenhum...
- Discordo completamente. Se não se discutem as ideias dos candidatos como podem os eleitores formularem a opção do seu voto?
- Que interesse pode ter para os eleitores a discussão na praça pública, por exemplo, do rendimento social de inserção?
- Todo o interesse, penso eu. Se não se discutem esse e outros assuntos as pessoas não sabem que problemas têm de ser enfrentados. Além do mais, se as pessoas não se decidem em função das ideias decidem em função de quê?
- Dos candidatos. Da confiança que depositam nos candidatos. Da sua ideologia.
- Dão-lhe um cheque em branco, portanto.
- Não. Votam neles porque acreditam neles.
- É uma questão de fé?
- É uma questão de confiança.
- Votam sempre nos mesmos, portanto. Eu não voto sempre nos mesmos. Voto de acordo com as propostas em cada momento eleitoral.
- E não tens em conta quem apresenta essas propostas.
- Claro que tenho isso em conta. As duas vertentes são importantes: As ideias e as pessoas. Havendo conflito tenho de decidir onde considero estar o factor decisivo para o meu voto. Nas europeias não votei porque não estávamos cá. Mas se estivesse não votaria na mesma em protesto contra a lei do financiamento dos partidos que eles tinham aprovado por unanimidade e que eu considerei uma afronta à inteligência das pessoas; nas legislativas, punha-se-me a decisão entre o carácter e as propostas. Acabei por decidir a favor das propostas porque do lado contrário o carácter não tinha sobressaído e as propostas eram de uma vacuidade confrangedora. Nas municipais, voltei a não votar: um dos candidatos não me convenceu pela realização e irritou-me pela participação como comentador de futebol...
- Mas o homem não pode ter um hóbby?
- Sendo presidente de câmara, penso que não. As ligações da política ao futebol são sempre suspeitas... Da outra candidata, não vi propostas. Como pessoa parece-me pouco indicada para o lugar. E, além do mais, é deputada europeia. Já lhe chega.
- A Elisa Ferreira comportou-se muito bem ...
- Eu volto à minha: as pessoas não votam nos programas, votam em pessoas.
- Nem todas as pessoas. Repara o que aconteceu com a eleição do Obama ...
- Já vamos para a América?!!! Estamos em Portugal!
- Pois estamos, mas por vezes é necessário olhar para fora para perceber o que se passa cá dentro. O Obama foi eleito pelas suas propostas...
- Não. O Obama foi eleito porque os norte-americanos estavam ansiosos por mudar.
- Antes da eleição para as presidenciais houve eleições primárias. Obama ganha as primárias pelas ideias, pelo discurso ... Aliás, Obama começa por impor-se entre os democratas a partir de um discurso que tinha deixado os norte-americanos completamente surpreendidos.
E hoje continua a ser a disputa acerca das propostas de Obama a grande discussão entre os norte-americanos, nomeadamente a reforma do sistema de saúde...*
- Pois é mesmo por essa razão que ele está a perder popularidade...
- Está a perder popularidade porque os conservadores acham que ele está a ir longe de mais e a ala mais social democrata acha que a reforma não chega a ser reforma. A popularidade está a ser desgastada sobretudo à esquerda porque a direita sempre esteve contra. Mas a discussão era inevitável nos EUA e eu penso que em Portugal também. Se queremos que a democracia faça algum sentido as pessoas devem saber porque razões votam e não por questões de fé.
- Eu volto a dizer que as pessoas não ligam aos programas ...
- Nem todas as pessoas. Há aquelas que votam sempre no mesmo partido, não há dúvida. Depois há aqueles, como eu, que votam consonte as propostas e as pessoas. E são estes, toda gente sabe, que decidem os resultados das eleições. Os flutuantes.
- Esses votam contra se acham que o governo se portou mal, a favor se pensam que o governo se portou bem.
- Ora aí está: pensam. O pensamento é intrínseco às ideias. A fé, não. Ou não?
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2 comments:
Caro Rui
Depois do teu telefonema não vim logo ao "alias" porque se meterem outras coisas e à noite dei prioridade ao futebol, mas hoje aqui me tens para clarificar algumas afirmações que pões na boca do teu interlocutor, suposto ser eu.
"Para o grande público, a discussão dos programas não tem interesse nenhum..."
Não foi ao interesse que me referi mas sim à eficácia. Disse e mantenho que, nesta fase do nosso panorama político, não é a discussão dos programas partidários que faz o eleitorado decidir por este ou aquele partido.
O eleitor, em geral, fez as suas opções de natureza ideológica e escolhe este ou aquele partido que assume estar em melhores condições para realizar essas opções.
Perguntaste-me então o que é a ideologia e depois não me deste tempo para clarificar o conceito mas aqui vai o que eu entendo: trata-se de um conjunto de ideias e opções que as várias camadas sociais (não quis chamar classes para não te levantar mais dúvidas) criam acerca do mundo que as rodeia e do papel que nele representam e que constituem elemento diferenciador dos interesses de cada grupo .
Estás ou não de acordo que o voto é, primeiro que tudo, uma opção ideológica?
Tu póprio confessaste que ao longo de todos estes anos, embora não tenhas votado sempre nos mesmos, nunca dispersaste muito o teu voto pelo espectro partidário. Terá sido em função das propostas eleitorais do momento? Acho que não. É a tua opção ideológica a funcionar e a escolha fazes em função daquele que vez em melhores condições para a realizar. Ou não?
"Que interesse pode ter para os eleitores a discussão na praça pública, por exemplo, do rendimento social de inserção?"
Longe de mim negar o interesse da discussão dos "grandes temas" e vejo nisso até uma oportunidade de se confrontarem várias opiniões que tem sempre efeitos benéficos, o que eu mantenho é que não é dessa discussão que vão resultar votos.
E não é por razões de fé mas sim por convicção ideológica, o que não quer dizer que tenha que ser sempre o mesmo. Se esse se vier a revelar incompetente, na próxima vota-se noutro.
Pode haver mesmo situações em que à partida nenhum nos agrade mas mais uma vez a opção entre o voto branco e o não voto é ditada por razões ideológicas. Ou, se quiseres, culturais.
Não sei se fui claro mas se tiveres dúvidas diz
Caro L.,
Depois de ter colocado aqui o meu comentário, diz-me o sistema que excedi o número de palavras consentidas pela caixa de comentários.
Como a prosa me saiu tão fluente e aprimorada entendi que não devia cortar uma vírgula sequer.
Pelo que decidi publicá-la como "post".
Título: "Gosto de futebol mas não demasiado"
Abç.
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