"...Todos os anos dependemos do financiamento externo em cerca de 10% da riqueza nacional, obtido em cerca de 60% através do endividamento do sistema bancário no estrangeiro. O endividamento externo do país já ultrapassa o PIB. E os juros que implica, ou seja, os rendimentos saídos de Portugal para os seus credores externos, apresentam uma tendência crescente preocupante ..."
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Eduardo Catroga, A CRISE FINANCEIRA E AS PRIORIDADES ESTRATÉGICAS, in Expresso.
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À economia portuguesa não faltam encruzilhadas e alguns becos sem saída.
O crescimento da dívida externa é um desses caminhos da economia portuguesa por onde parece não haver saída. O endividamento, quando atinge volumes que superam os valores da actividade que financia, auto reproduz-se através dos juros que gera, criando uma espiral imparável que só pode ser contida com medidas duras. A menos que da capacidade instalada se passe a retirar mais rentabilidade e com a poupança interna se consiga amortecer o crescimento da dívida, hipótese altamente improvável em tempos de crise.
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É este constrangimento que está a fazer polarizar a discussão do investimento público à volta dos mega projectos (Aeroporto e TGV), invocando o governo que no próximo ano os encargos assumidos no âmbito desses projectos serão reduzidos, reclamando a oposição que o investimento público se dirija para projectos que promovam o crescimento da produtividade nos sectores de bens transaccionáveis, factor incontornável do crescimento económico, e se adiem ou cancelem os grandes projectos.
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Inquestionavelmente, foi a crise que introduziu a questão da dívida externa na discussão pública do mérito do aeroporto e do TGV, uma vez que ainda há bem pouco tempo a discussão se centrava renhidamente, no caso do aeroporto, à sua localização na Ota ou em Alcochete, e, no caso do TGV, no seu traçado.
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Independentemente de qualquer julgamento acerca do mérito económico destes dois mega projectos, que eu não estou habilitado a fazer, há uma regra que em abstracto é universalmente válida: é o mérito económico dos projectos que conta e não a possibilidade do seu financiamento;
havendo mérito, haverá seguramente financiamento. Aliás, o ministro das obras públicas assegurava, ainda há bem pouco tempo, que os mega projectos requeriam uma comparticipação reduzida do OE por haver iniciativa privada interessada na sua realização e exploração. Levantou vôo para outras paragens a iniciativa privada a que o ministro se referia por causa dos vendavais da crise ou, realmente, carecem os tais megaprojectos de interesse que lhes garanta rentabilidade interessante?
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Parece-me, portanto, que a discussão actual tem muito mais incidências de luta política partidária do que de análise do interesse económico dos investimentos em causa, e, sobretudo da sua capacidade para remunerar os capitais que a sua execução requere.
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Ora tem sido esta falta sistemática de teste em prova ácida da capacidade dos investimentos justificarem os capitais investidos, garantindo ou promovendo a garantia da remuneração do "cluster" em que se inserem, que esteve, e continua a estar, na origem do crescente endividamento externo. E não foram apenas os investimentos públicos mais disparatados, de que os estádios para o euro/2004 são porventura o exemplo mais flagrante de irracionalidade económica, que contribuiram para a situação actual. A dependência da economia portuguesa da construção civil teve, e continua a ter, efeitos alucinogénos que ninguém parece saber como conter. Grande parte do endividamento externo (e a CGD tem dado mau exemplo) canalizado pelos bancos dirigiu-se para o financiamento da construção de habitações que já excedem largamente o número de famílias residentes (cerca de 3o%). É por demais evidente, que não podem ter estes investimentos rentabilidade bastante que assegure um fluxo de reembolsos pelo menos idêntico aos valores tomados de empréstimo para o financiamento de mais construção e refinanciamento de empréstimos anteriores.
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Verdade seja que a economia portuguesa está longe de constituir um caso singular de dependência do betão armado. A crise com que o mundo depara actualmente decorre em grande parte desse excesso não suportado por poupança interna.
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Contudo, voltando ainda aos mega projectos, não creio que o endividamento externo de residentes em Portugal (famílias, empresas, estado) comprometa o financiamento externo desses projectos. Afinal, se eu tiver um projecto de mérito económico A+++, ao financiador é indiferente que ele seja realizado em Portugal (endividado) ou na China (poupada). O facto de Portugal fazer parte do SME evita a contaminação dos malefícios do factor proximidade do endividamento.
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Consequentemente, e pelas mesmas razões, a canalização dos recursos para investimentos privados só não comprometerá ainda mais a nossa dependência externa se tiverem mérito para, pelo menos, remunerarem os capitais investidos. Mas com a propensão nacional para a construção civil, receio que continuemos, sobretudo, a construir mais casas. Talvez porque nos falte capacidade para fazer outras coisas reprodutivas. E aí, sim , reside o nosso problema.
6 comments:
Já reparou como a crise tem vindo a ser servida às colheres?
Todos os meses se descobre que a situação está um nadinha pior.
IMF urges radical action to fight global recession
The International Monetary Fund has slashed its forecast for the world economy next year, predicting outright contraction for the rich economies of North America, Europe, and Japan for the first time since the Second World War.
By Ambrose Evans-Pritchard
Last Updated: 8:14AM GMT 07 Nov 2008
"Prospects for global growth have deteriorated over the past month. The financial crisis remains virulent. Markets have entered a vicious cycle of asset deleveraging," said the fund yesterday.
Britain's economy will suffer and will see the steepest decline in G7 club of leading powers, shrinking 1.3pc as the crunch in the City of London leads to more job losses. Germany will decline by 0.8pc, The US and Spain by 0.7pc.
Sending shivers through stockmarkets everwhere, the Fund cut its world outlook next year to just 2.2pc, down from 3pc just a month ago. This is a global recession under the IMF's 3pc rule-of-thumb.
"Financial stress is likely to be deeper and more protracted than envisaged in October. Markets are pricing in expectations of much higher corporate default rates, as well as higher losses on securities and loans," it said.
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http://www.telegraph.co.uk/finance/globalbusiness/3393250/IMF-urges-radical-action-to-fight-global-recession.html
(Enviado por e-mail por L. Machado)
O que dizes parece-me incontroverso mas a questão que o Eduardo põe, se bem percebi, é dos limites do endividamento esse pode ser o constrangimento que pode obrigar a reavaliar, numa escala de prioridades/rendibilidade alguns dos projectos que possam contribuir para um agravamento da situação actual.
Em termos de projecto a tal mão invisível, através da variação da taxa de juro, obrigará a determinados reajustamentos em função da maior ou menor escassês de capital. Por outro lado, como forma de não comprometer excessivamente as gerações futuras, a rendibilidade de cada projecto será um aspecto não despiciendo.
Não me sinto preparado para abordar teoricamente esta questão em termos macroeconómicos mas admito que existam limites ao endividamento de um país. Não sei como se determinam, o PIB pode ser um indicador pois é daí que vem a capacidade para os empréstimos poderem ser reembolsados. A menos que queiramos estar sujeitos ao que aconteceu na Islândia temos que estar atentos a este limite.
Cara Amiga A.,
Lamentavelmente, parece que o pior ainda está para chegar.
O que eu não compreendo é esta insistência recorrente de anúncios de mais crise.
Sendo a componente psicológica uma
causa determinante da crise quanto mais se fala nela mais ela avança.
Devo confessar-lhe a minha dificuldade em perceber tanto anúncio de dias piores sem que apareça vivalma a dizer como inverter a corrente.
Meu Caro L. Machado,
Dizes, alem do mais, que
" Por outro lado, como forma de não comprometer excessivamente as gerações futuras, a rendibilidade de cada projecto será um aspecto não despiciendo."
Pois eu penso que, mais que não dispiciendo, é o mais relevante.
Imagina que o novo aeroporto permitirá, só por si, um crescimento do PIB em 30% nos dez anos a seguir á entrada em funcionamento. (Estou a exagerar valores para melhor exemplificar o meu raciocínio)
Imagina que, no mesmo período, as transferências por reembolsos e juros para o estrangeiro, são no mesmo período de metade dos tais 30%. Nestas condições, o contributo do projecto para o RNB é positivo pela diferença, seja 15% do PIB.
Embora haja aumento de endividamento, as gerações futuras não são prejudicadas mas benificiadas: passam a ter um aeroporto novo e menos dívidas a pagar ao fim de 10 anos.
Por tudo isto é que eu suponho que, mais do que o crescimento do endividamento, é preocupante, sim, a realização de projectos que não garantam rentabilidade suficiente para remunerar os capitais investidos, sejam eles próprios ou pedidos de empréstimo ao estrangeiro.
Ainda há dias troquei comentários com Tavares Moreira no 4ª República acerca deste mesmo assunto.
Anda muita gente preocupada com o endividamento externo, o que eu comprrendo, mas eu penso que essa
preocupação está subalternizar uma outra mais relevante: a do mérito económico dos projectos.
Que tem um inconveniente, concordo: obriga à massada de fazer muitas contas e de discutir-lhe as premissas.
A raiz do problema está na forma como continuamos a pensar o desenvolvimento. Crescer, crescer, crescer...como se o mundo fosse infinito. A economia hoje proporciona um nível de bem estar e riqueza inaudito,muito superior às nossas necessidades, mas continuamos a lamentar não termos mais e mais, uma segunda e terceira casa, um carro mais potente...e daí a espiral de pseudo riqueza material que nos obriga ao endividamento.
Gostei muito deste post. Abraço, João Vaz
Olá João, bom dia!
Obrigado. É sempre gratificante saber que alguém lê aquilo que escrevemos.
Concordo inteiramente contigo que não é possível por muito mais tempo entender o desenvolvimento humano centrado no consumo ou na apropriação crescente e ilimitada.
A moderação desta tendência que tem animado o mundo nos dois últimos séculos, e que foi motor de um espantoso crescimento social, embora muito desigual, não vai ser fácil.
Geralmente, a história ensina-nos, a humanidade só inverte a marcha frente ao abismo e depois de muitos terem caído nele.
Terá já aprendido o suficiente para, desta vez,escolher racionalmente outros caminhos? Esperemos que sim.
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