Wednesday, July 08, 2020

ACERCA DA INFINITA ESTUPIDEZ DO ESTADO

 

De cada vez que alguém subscreve um contrato em nome do Estado, um ente abstracto sem capacidade volitiva própria,  a probabilidade de o resultado desse acto redundar em perdas para os contribuintes é muito alta. Tão alta que é raro o dia, se é que há algum, em que não seja noticiado um caso em que os contribuintes não sejam burlados ou, no mínimo, vítimas da irresponsabilidade material, porque não estão em causa interesses materiais próprios, de quem actuou como representante do Estado. 

O sr. Carlos Costa termina o seu mandato hoje, mantém-se em funções até que o sr. Mário Centeno ocupe o lugar. Costa atribuiu em Novembro de 2016, vd. aqui, sem mencionar o nome, os sucessivos escândalos na banca portuguesa a deficiências nas funções de supervisão durante o mandato do seu antecessor.

Espera-se que o Centeno não desiluda e promova, até onde possa ir, a recuperação de pelo menos parte dos rombos, para não dizer roubos, cometidos no Orçamento do Estado por agentes que subscreveram contratos ruinosos paras as finanças públicas.

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Novo Banco vendeu activos com 70% de desconto a fundo ao qual o seu chairman esteve ligado

Até ser nomeado chairman do Novo Banco, Byron Haines liderou um banco detido pelo fundo Cereberus. Foi a este fundo que o banco vendeu 200 imóveis com uma perda de 328 milhões de euros. Uma queixa à autoridade europeia denuncia “gestão ruinosa”, “conflito de interesses” e pede uma investigação criminal. - aqui

Em Agosto de 2019, o Novo Banco vendeu um lote de quase 200 imóveis com um desconto próximo de 70%, a entidades ligadas ao fundo norte-americano Cerberus. A operação ter-se-ia destacado apenas pela perda de 328,8 milhões de euros caso o fundo comprador não fosse o principal accionista do banco austríaco BAGAW P.S.K. que foi gerido por Byron Haines até este assumir o cargo de chairman da instituição financeira portuguesa. Os indícios de conflito de interesse e de eventuais decisões ruinosas no Novo Banco deram origem a uma queixa reportada à ESMA, Autoridade Europeia de Mercados e Títulos, na qual também se requer que se apure se “pessoas politicamente expostas” estiveram envolvidas na transacção.

No dia 7 de Agosto de 2019 o Novo Banco vendeu por 159 milhões de euros um lote de 195 propriedades agregadas a sociedades detidas indirectamente pelo fundo norte-americano Cerberus, que as adquiriram com um desconto de 67,9%. O valor bruto contabilístico da carteira de activos imobiliários era de 487,8 milhões de euros e o conjunto incluía 1.228 unidades individuais, de diferentes usos (industrial, comercial, terrenos e residencial), abarcando também estacionamentos. A gestão do Novo Banco baptizou a transacção de “Project Sertorius”.





Contas feitas, o negócio implicou uma perda de 328,8 milhões de euros em relação ao valor dos activos registados no banco, ainda que tenha ocorrido num contexto em que o mercado imobiliário em Portugal se valorizou 15,6% em cinco anos. O fundo nova-iorquino Cerberus relacionado com os veículos que adquiriram os imóveis desvalorizados é, desde 2006, o dono do banco austríaco BAGAW P.S.K., cujo CEO foi, até Março de 2017, Byron Haynes. Trata-se do actual chairman do Novo Banco, em funções desde Outubro de 2017.
Todas as informações constam da queixa enviada a 30 de Dezembro de 2019 à ESMA, e quem a subscreve tem envolvimento e interesse directo no Novo Banco. Na denúncia, é sublinhado que o desconto de 67,9% “oferecido pelo Conselho de Administração do Novo Banco” às sociedades do universo do fundo Cerberus consistiu “numa decisão ruinosa”. E, por isso, é pedido que a autoridade europeia garanta o “direito” de os stakeholders, do banco saberem se apurarem as razões que levam “o Novo Banco a vender activos abaixo do seu valor.” Na queixa, é também realçado que “o Project Sertorius foi executado num claro conflito de interesses, dado que Haynes, o chairman do Novo Banco, foi até final de 2017 o CEO do BAGAW P.S.K., do qual o Cerberus é o accionista.”





Chairman na supervisão

Depois de, em Outubro de 2017, o fundo norte-americano Lone Star ter concretizado a compra de 75% do banco português (injectando quase mil milhões de euros), e ter assumido o controlo total da gestão, foi buscar o britânico Byron Haynes, para presidir ao CGS (Conselho Geral e de Supervisão, o equivalente a uma administração não executiva) do Novo Banco, que é reportado na qualidade de independente. A escolha do britânico, devido à sua experiência de gestão no banco austríaco BAGAW P.S.K., sob fiscalização europeia, serviu então para legitimar a presença do Lone Star como accionista de controlo do Novo Banco.
Apesar de ser o chairman do Novo Banco, o CGS indicou-o para integrar três dos principais órgãos de controlo interno. Um deles é o comité de risco (onde está também o vice-presidente Karl-Gerhard Eick), a que preside, que tem, entre outras competências, a análise das operações de crédito e a tomada de decisões sobre alterações de políticas de risco.
Haynes preside ainda ao comité de remunerações, que aprova a contratação de colaboradores com remuneração anual superior a 200 mil euros. E integra o comité para as matérias financeiras, que faz o “acompanhamento e a supervisão da performance financeira”, das “políticas e processos de reporte de contas e no acompanhamento do auditor externo”, este encabeçado pelo seu número dois, Gerhard Eick, apresentado como independente, mas que está relacionado com a Lone Star (IKB).
Quem a assina a denúncia, sugere à directora executiva da ESMA, Verena Ross, que equacione avançar com um pedido de investigação criminal aos actos de gestão do Novo Banco, deixando questões para serem respondidas: “Qual é nome do último beneficiário das entidades detidas indirectamente pelos fundos de investimentos geridos pelo Cerberus?”; “Qual é o montante de crédito concedido pelo Novo Banco ao Cerberus Capital na transacção do Project Sertorius”; “Porque que é que o Novo Banco está a esconder informação pública relevante?”; “Será para esconder os montantes de compensação pedidos ao governo português no âmbito do Acordo de Capital Contingente?”; ou, ainda, para saber se a ausência de informações acontece “devido às decisões ruinosas do Conselho de Administração do Novo Banco?”
Logo nas primeiras linhas da queixa, é mencionado que o objectivo da comunicação é denunciar as “irregularidades no Novo Banco associadas à apresentação de informação e de práticas contabilísticas relativamente à venda do portfolio de imóveis, conhecido como Project Sertorius”. A autoridade europeia é instada a obrigar o Novo Banco a prestar informação completa aos stakeholders sobre esta operação, em particular sobre os valores de venda dos activos imobiliários, com o tal desconto de 67,9%, assim como a sua localização geográfica. Na mesma carta, com três páginas, é descrito que o mecanismo de capital contingente “permite enganar o Estado português com operações como” a do “Projecto Sertorius”.
Tudo o que se passa no Novo Banco só foi possível devido às condições do acordo de venda fechado em Outubro de 2017”, é referido à ESMA. E isto porque, explicam os autores da queixa, o negócio está protegido por uma almofada de capital (público) contingente de 3,89 mil milhões de euros, a que o Novo Banco pode aceder automaticamente sempre que necessitar de repor os rácios de capital nos patamares definidos ou acomodar as perdas relacionadas com créditos. E é precisamente o que o Lone Star tem vindo a fazer nos últimos dois anos e meio. Desde Outubro de 2017 que o Fundo de Resolução, que é risco público, já injectou no Novo Banco 2,9 mil milhões de euros (2, 1 mil milhões dos quais com empréstimos do Tesouro), do bolo de 3,89 mil milhões.
O procedimento é este: o Novo Banco solicita ao Fundo de Resolução acesso ao mecanismo de capital contingente, o Fundo de Resolução, gerido no quadro do BdP, após verificar se as condições do protocolo assinado são respeitadas, autoriza e informa o Conselho de Administração do BdP da sua avaliação. E é a equipa de Carlos Costa que comunica o pedido ao Ministério das Finanças que transfere os fundos, a título de empréstimo ao Fundo de Resolução, a 40 anos.
A negociação deste acordo que envolve a utilização de dinheiros públicos foi encabeçada por Sérgio Monteiro, o ex-secretário de Estado das Obras Públicas de Pedro Passos Coelho, que actuou por delegação do BdP, ainda chefiado por Carlos Costa. O primeiro contrato, de 12 meses, assinado (em 2015) com Monteiro custou ao Fundo de Resolução 304,8 mil euros brutos e o último de seis meses mais 152,4 mil.    
Quando o acordo foi assinado o Fundo de Resolução (que era o dono de 100% do Novo Banco) era presidido pelo vice-governador José Ramalho, mais tarde substituído por Luís Máximo dos Santos, agora no cargo. Já no Ministério das Finanças estava em Outubro de 2017 Mário Centeno, que em Junho último renunciou, para ser indicado por António Costa como próximo governador do BdP. E será agora nessa nova função (ainda por formalizar), que terá de decidir sobre futuros pedidos de injecções de fundos.

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