Thursday, November 03, 2016

HISTÓRIAS PARALELAS- O CROCODILO DA PRAIA DO TAMARIZ

Este ano, São Martinho deve ter decidido chegar com o verão dele mais cedo. Estiveram uns dias de brasa. Há quem diga que estas vagas de calor fora de tempo são agoiros de calamidades.

- E são. Veja o caso dos terramotos no centro de Itália, há mais de uma semana que a terra não pára de se revoltar.
- Tretas! A terra sempre tremeu, e treme sempre sem aviso prévio, esta vaga de calor não tem nada de anormal.
- Hum! Não se ficam pelos terramotos os indícios de que vêm aí outros terramotos ...
- ...
- Imagine que o Trump ganha as eleições na América!
- Ganha, nada!
- Ganha, ganha! Vai ver se não ganha!
- Será um terramoto político a atingir o topo da escala.
- E depois, que diferença é que isso lhe faz?
- Corre com os latinos que lá trabalham honestamente ... Parece-lhe bem?
- A mim, parece. E, digo-lhe mais: aqui faz-nos falta um Trump para correr com os chineses. Agora só vejo chineses à minha frente. Compram tudo. É a EDP, é a REN, é a Fidelidade, ... um dia destes isto é tudo dos chineses. Porquê?
- Porque, se calhar você, e todos nós, até as cuecas lhes compramos. Já viu, por caso, onde foram feitas as cuecas que trás vestidas?
- Talvez por causa disso ..
- Disso de quê?
- Desta vaga de calor.  Deu à costa ali, na praia do Tamariz, um crocodilo com uns quatro metros, bem medidos, de comprimento.
- Está gozar?
- Vá lá ver!

Por volta do meio dia havia uma multidão a contemplar o bicho.

- Talvez por causa disso, do calor, diz você, mas alguém tem alguma dúvida que, se estivesse a chover, o bicho não estava ali?
- Hum! Não sei porque é que diz isso. Crocodilo passa grande parte da vida na água, a chuva não é coisa que o incomode.
- Sim, a este não incomodava, dissolvia-o.
- Olha para ele! Olha para ele! Não parece que está vivo?
- Parece???  Parece, não. Está mesmo vivo!
- Está nada. É construção na areia...
- Como é que é construção na areia??? Olhe para os olhos dele!
- Bom, esses podem ser de plástico...
- De plástico??? Essa é boa ... não vê como eles brilham?
- É do sol. Podem ser de vidro. Vivo é que ele não está. Se estivesse vivo, mexia-se ... acho eu ...
- Crocodilo pode estar horas e horas sem mexer um pêlo ...
- Crocodilo não tem pêlo.
- Pois não. Mas isso aí não pode ser construção na areia. Tem recortes que não se conseguem com areia.
- Só com areia, não. Mas eles, às vezes, juntam-lhe cimento, sabia?
- Sabia, sabia, mas o que ali está não é construção de areia, é mesmo um crocodilo a sério. E se não acredita vá até lá abaixo fazer-lhe umas festas na cachola.
- Oh senhor aquilo é construção de areia! Bem feita, muito realista, sim senhor, mas é construção de areia.
- Então vá lá abaixo, vá! É capaz ou não é capaz?
- Não me apetece descer as escadas para fazer figura de tolo. Vá lá você!
- Gostava de saber o que vai acontecer quando aqui chegar a maré.
- Venha até cá por volta da meia noite...
- Se a maré cá chegar o croco vai nadar.
- Vai nada. Ele é da areia.
- Não é não. É tudo plástico, garanto eu.
- Mas como é que pode garantir isso? Já lá foi abaixo certificar-se?
- Nem preciso. Há coisas dessas no chinês às toneladas ...
- Bem dizia eu que esses gajos metem cá tudo. Até crocodilos gigantes de plástico em tamanho natural... Volte-se para um tipo para onde voltar é tudo chinês agora. Até as cuecas.



No dia seguinte, quando o repórter chegou ao local do estranho aparecimento, já o réptil gigante tinha ido nadar. Não havia vestígios de ter sido dissolvido pela maré.

2 comments:

Margarida Corrêa de Aguiar said...

Estimado Rui Fonseca
Cá estou a ler as suas Histórias Amorais.
Achei graça ao crocodilo na areia. Lembrei-me do ano em que participei num concurso de construções na areia. Construi um crocodilo. Parecia verdadeiro, a ideia era que fosse! Mas não existia forma de o preservar, foi-se embora com a maré.
Arranjamos sempre boas desculpas para tudo, ora é por causa do bom tempo, ora é por causa do mau tempo. É mais fácil assim, a culpa se não for dos outros é do clima!
Cumprimentos.

Rui Fonseca said...


Muito obrigado pelo seu comentário, Estimada Margarida Corrêa de Aguiar.
Acabo de escrever mais uma "história": "Papel de Jornal".
Uma história, como muitas outras histórias, em que os interesses colectivos são violados pelos interesses de uma minoria influente.