Thursday, December 05, 2013

ONDE SE PROVA QUE A DESPESA PÚBLICA , SENDO GRANDE, NÃO É TÃO GRANDE QUANTO DIZEM


MITOLOGIA IV

Dizem-me que é uma questão de convenção a consideração como  despesa pública a redistribuição de contribuições e quotizações de empresas e seus trabalhadores (34,75% dos salários brutos) pelos serviços de segurança social mas, repito-me, discordo. Discordo por várias razões das quais destaco duas:
 
- As contribuições e quotizações das empresas e seus trabalhadores são custos das empresas (incluindo as quotizações dos trabalhadores, que reverteriam a favor destes se não fossem obrigatórias e que, neste caso, eventualmente, seriam colocadas em sistemas de segurança individuais), e, portanto, despesa privada.
 
- As contribuições e quotizações das empresas e seus trabalhadores destinam-se a financiar o sistema previdencial dos contributivos, e a sua redistribuição pelos beneficiários não se traduz num serviço prestado pela administração pública para além da gestão dessa redistribuição que não representa mais que cerca de 1,2% dos valores totais envolvidos.
 
Assimilar os valores redistribuídos pela segurança social a despesa pública, financiados por contribuições específicas, englobando-os com os valores pagos por serviços prestados na área da saúde, da educação, da justiça, da defesa, da administração interna, cujos custos correspondem a cem por cento de despesa, e são suportados por impostos e taxas de aplicação genérica, é simplesmente absurdo. 
 
Vale isto por dizer que não corresponde à verdade que, - vd. relatório do OE 2014,págs. 42 - a despesa pública tenha atingido 51% do PIB em 2010,  49% em 2011, 47% em 2012 e, previsivelmente, 49% em 2013. Segundo estimativas minhas - é difícil obter dados precisos no emaranhado de quadros do OE e dos relatórios da segurança social - aqueles valores deverão ser revistos em baixa em cerca de oito pontos percentuais em cada um dos anos citados.
 
Por outro lado é também menos correcta a comparação entre despesa com prestações sociais, e consequentemente com despesa pública, nos termos em que esta é oficialmente considerada, com outros países da UE, uma vez que os sistemas de apoios sociais não são os mesmos. Aliás, é sintomática da ligeireza da comparação feita a forma como o relator do OE 2014 inicia o último parágrafo a págs. 43 do doc. cit.: "Admitindo que o modelo social europeu é partilhado pela generalidade dos países da União Europeia, a estrutura da despesa pública ..."
 
Admitindo??? É ou não é? E se é, têm todos configurações semelhantes?
Não faço a mínima ideia se algum dos representantes dos eleitores portugueses no parlamento se apercebeu disto e o contestou. Se o fez deve ter merecido a mesma indiferença que os repetidos apontamentos que aqui já anotei diversas vezes mereceram.

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Só mais uma observação : as contas públicas estão, desde sempre, repletas de criatividade contabilística. Criatividade que, na generalidade dos casos, foi, e ainda continua a ser, homologada por Bruxelas. A contabilização de receitas (muito) extraordinárias, a que os sucessivos governos têm lançado mão, são um dos exemplos flagrantes desse faz-de-conta com que se  massajam as contas do Estado. De entre estas, as transferências dos fundos de pensões da banca para a segurança social, foram consideradas, no ano em que se efectivaram, como receitas desse ano, a bem da redução do défice, isto é, sem registo da contrapartida dos encargos assumidos. Inevitavelmente, são as contas dos anos seguintes que vão suportar o pagamento das pensões aos reformados da banca. Para 2014 - vd. pág. 115 do OE 2014 - estão orçamentados 502,2 milhões de euros para pagamento de "pensões de velhice do regime substitutivo bancário+BPN" . Em 2013, 506,9 milhões. Um dia destes ainda alguém descobre que outro alguém errou as contas.

1 comment:

Fenix said...

Os governos maioritários comportam-se como qualquer ditadorzeco: "Eu quero, posso e mando!E daqui não saio, daqui ninguém me tira!"