Monday, April 16, 2012

A CULPA DOS OUTROS

"Eles pagam a agricultores para não produzir."

Esta afirmação, retirada do texto de JH Engström, um dos quatro fotógrafos convidados para a exposição no Centro Cultural de Vila Flor, em Guimarães, que coloquei aqui, ouve-se ou lê-se recorrentemente*. Tanto, que está generalizadamente adquirida a ideia de que se somos tão dependentes do exterior também em bens alimentares, se os terrenos estão incultos, se as pescas já não são o que foram, a culpa é da União Europeia, talvez dos alemães, que "pagaram aos agricultores para deixarem de produzir e aos pescadores para abaterem as embarcações". Foi também esta a ladaínha contada em Guimarães a JH Engström.

Nada de mais errado. Só quem desconhece em absoluto qual era a situação das actividades agrícolas e piscatórias antes a entrada de Portugal na União Europeia pode comprar e vender aquela ideia. Portugal sempre foi mais dependente do exterior em bens alimentares do que qualquer outro membro da União. 
Para esta dependência concorrem razões naturais (clima, solos) e estruturais da propriedade fundiária. 
Vieram fundos da União Europeia para racionalizar o aproveitamento dos solos, para, por exemplo, arrancar vinhedos sem dimensão nem qualidade, para abater embarcações sem diemensão, nem tecnologia, nem condições de segurança. Que lhes fizeram? Reestruturou-se a propriedade fundiária com vocação agrícola ou silvícola? Redimensionou-se e apetrechou-se a frota pesqueira? Alguma coisa foi feito mas a maior parte continua por fazer. Muitos desses fundos foram desviados para outros fins ou desbaratados sem qualquer sentido economicamente útil.

Os sucessivos ministros da agricultura e pescas realizaram-se na negociação de fundos e quotas em Bruxelas mas nenhum se atreveu até agora a ir ao fundo da questão. Porque não é fácil. Porque implicaria realizar a reforma agrícola que nunca foi feita desde o tempo de D. Fernando.  Atravessamos Portugal de Norte a Sul, de Leste a Oeste, e as superfícies cultivadas são excepções à regra na progressão dos silvados. Culpa da União Europeia? Quem é que impede os portugueses de produzir mais? A troica? O Durão Barroso e seus comissários? A Merkel?

A agricultura há muito tempo que deixou de ser uma actividade de mão-de-obra intensiva e pouco qualificada. Consoante a vocação dos terrenos, exige dimensão que lhe garanta competitividade, capital, e, em qualquer caso, competência técnica. A Norte do Tejo, os terrenos mais ferteis encontram-se retalhados e, frequentemente, assaltados por urbanizações erráticas. Mudar esta situação é condição imprescindível para atrair capital e competência para as actividades agrícolas. Que não serão mais, em qualquer caso, geradoras de muitos empregos directos.

Leio no Expresso do passado domingo que "Cristas aluga terras da reforma agrária". Terrenos nacionalizados após a revolução vão ser arrendados a jovens agricultores. É a reforma da reforma agrária, diz a ministra da Agricultura. ... São cerca de 600 hectares no Alentejo e na Região Centro, com parcelas cuja dimensão média ronda os 60 hectares... A. Cristas tem identificados por todo o país 3 mil hectares pertencentes às direcções regionais da agricultura e o Governo está a fazer o levantamento das terras dos vários ministérios que podem igualmente ser disponibilizados para venda ou arrendamento a explorações agrícolas..."

É pouco. É mesmo muito pouco, mas já é alguma coisa. "A última fase do plano do Governo é identificar as terras agrícolas que estão ao abandono, disponibilizando-as também na bolsa de terras." 

Talvez alguma coisa aconteça desta vez. Talvez, pela primeira vez, o ministério da Agricultura deixe de ser apenas um mistério. Estou certo que a União Europeia não se opõe nem a troica se intromete.

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*Vd., por exemplo, aqui

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