Thursday, April 27, 2006

OS PERSAS


Está em cena no Lansburgh Theatre, a casa da Shakespeare Theatre Company, em Washington, na 7th. Street, uma versão da mais antiga Tragédia escrita no Ocidente, das que sobreviveram às vicissitudes do tempo e à maldade dos homens, “Os Persas” de Ésquilo.

A peça foi levada à cena em 472 A.C., durante o festival de Teatro de Dionísios, e ganhou o primeiro prémio. Ésquilo terá escrito cerca de 90 peças de teatro, ganhou 13 vezes o festival, mas só seis sobreviveram, de forma completa, até aos dias de hoje.

Ésquilo combateu as tropas de Dario, o imperador persa que, então, dominava grande parte do mundo conhecido, e que foi derrotado em Setembro de 490 A.C., em Maratona, de onde correu até Atenas o mensageiro da vitória. Ésquilo viu morrer um irmão seu em Maratona.
Em Agosto de 480 A.C. Dario voltou a ser derrotado, desta vez pelos espartanos, em Termópilas. Presume-se que Ésquilo terá voltado a combater os Persas na batalha de Salamina, onde a esquadra persa foi esmagada pelos atenienses, sendo Xerxes, filho de Dario, estrondosamente derrotado e com ele o império persa.

A peça é representada pela primeira vez apenas 8 anos depois de terem ocorrido os acontecimentos que ela dramatiza. É portanto provável que muitos espectadores tenham participado na guerra ou tivessem relato recente de acontecimentos que foram decisivos para inflectir o curso da História até aos dias de hoje.

Curiosamente, contudo, a acção não se passa em Atenas, ou Esparta, ou qualquer outro local da Grécia, mas em Susa, na corte do império persa, e começa quando ali se espera, ansiosamente, o regresso de Xerxes e dos seus soldados. Escrita por um soldado que participou na guerra, Os Persas, é uma peça contra a guerra, aliás, como todas as peças da antiga Grécia, escritas por veteranos da guerra, que conheciam como ninguém os seus horrores, e é esse o leito do drama. Ésquilo previne os seus conterrâneos, muitos seus companheiros na guerra, que a vertigem do poder conduz à sua destruição, e o mesmo poderá vir a acontecer-lhes a eles, atenienses vitoriosos. Foi premonitório mas inconsequente o aviso de Ésquilo: anos mais tarde a Grécia entregar-se-ia a lutas fratricidas e Atenas acabaria por também tombar, e abandonar a democracia.

Segundo a autora da versão em cena, Ellen McLaughlin, “This version of the play is a direct response to the American invasion of Iraq in March 2003… In a rare act of political conscience on the part of an artistic director, Tony Randall canceled his spring season at the National Actors Theatre once war was declared and decided to do The Persians…”

"…I didn’t want to make artificial parallels. George H.W. Bush is not Darius, George W. Bush is not Xerxes. We, for that matter, are neither the Persians nor the Greeks. The glib formulaic response does justice neither to us nor the Greeks and belittles the complexity of what Aeschylus was responding to and our own distinct national crisis….”

Paralelismos aparte, se os personagens são outros, todos os impérios caem quando o centro de gravidade sobe demais e a base oscila. E os espectadores de Os Persas em Washington, a curta distância da Casa Branca, não poderão deixar de se sentirem sentados, ou no palco, gregos ou persas, espectadores ou actores, tanto faz, os vencedores de hoje serão vencidos amanhã, no Teatro de Dionísios, recuando no tempo quase 2500 anos, para ouvir o mesmo aviso profético e desprezado.

“Surely we were doing the right thing because it was the thing we could do”(Admiral)

“Surely anything we found a way make possible was what we were destined to accomplish. It seemed so clear – our fate was to rule.”(General)

“That’s what I thought at the time.
But perhaps we were merely deafened for years
By the din of our own empire-building,
The shouts of battle, the clanging of swords, the cries of victory.”(State)

“It is only lately that I begin to wonder if what we did was right.
If what we are doing is right.”(Treasury)

“Never again squander the grace of good fortune in lusting for yet more” (Darius)

O tema da ascensão e queda dos impérios é recorrentemente abordado nos Estados Unidos da América por historiadores e outros académicos, e colunistas políticos. A América não se proclama imperial mas sente-se império, e o discurso à volta da guerra vai certamente radicalizar-se até às eleições em Novembro, podendo os democratas recuperar a maioria no Congresso e no Senado.

A posição de George W. Bush é tudo menos confortável: dissidências internas no GOP, aumento aparentemente imparável dos combustíveis, crescimento incontrolável das despesas da guerra no Iraque:

$48 biliões em 2003
$59 biliões em 2004
$81 biliões em 2005
$94 biliões em 2006
valores que comparam, em dólares de 2006, com os custos
Guerra Civil, entre 1861-1865, $69 biliões
Guerra do Golfo, entre 1990-1991, $85 biliões
1ª. Guerra Mundial, 1917-1918, $212 biliões
Guerra do Iraque, 2003-2006, $212 biliões
Coreia, 1950-1953, $373 biliões
Vietname, 1964-1972, $549 biliões

Fonte: Yale University Professor William D.Nordhaus, Department of Commerce, Center for Strategic and Budgetary Assessments, in Washington Post April 20, 2006.

Envolvidos noutras frentes, e nomeadamente no Afeganistão, o esforço de guerra dos Estados Unidos tornar-se-á incomportável sem grandes rombos na economia norte-americana. A extrapolação simples dos valores já atingidos na guerra do Iraque apontam para que num período relativamente curto, não mais que mais 3 anos, os seus custos materiais superem os da guerra do Vietname.

Bush é suspeito de interesses privados nesta guerra. As suas ligações ao mundo do petróleo são inegáveis. Os interesses das indústrias e serviços que nos Estados Unidos vivem da guerra e para a guerra estão bem representados no ticket Bush/Cheney. O fim da guerra, apesar desses interesses, será decidido pelo voto dos norte-americanos. A menos que numa jogada de antecipação Bush decida dá-la por terminada.

E depois?

Precisa-se de um dramaturgo que ensaie a tragédia do senhor da guerra, prisioneiro dela. Ésquilo não podia ter previsto esta hipótese. Há 2500 anos, o petróleo era então uma areia rara, estranha e escura, combustível, de cheiro esquisito.





A Guerra da Energia é global.

Chegará o momento em que daremos, inevitavelmente, por isso.


Gas From the Rain Forest
Pipeline Backers See Energy Potential, but Opponents See Environmental Peril
By
David B. Ottaway
Washington Post Staff WriterFriday, April 21, 2006; Page D01
Backers of a multibillion-dollar proposal to ship vast stores of liquid natural gas from Peru's Amazonian rain forest to the United States are seeking Bush administration support for international financing, but environmental questions are complicating the bid.
Leading the project is Hunt Oil Co., a private Texas firm whose owner has close ties to President Bush. It is seeking administration backing for as much as $800 million from the District-based Inter-American Development Bank, which has already agreed to consider it. If approved, it would be the largest project the bank has financed in Latin America. In addition, the project's backers say they intend to ask for financial help from the U.S. Export-Import Bank, a federal agency
The Hunt-led project involves an investment of $2.7 billion to build a pipeline, a gas liquefaction plant, marine terminal and other facilities to export 4.4 million tons of liquid natural gas annually. The bank is required to investigate its environmental impact before voting on it.
The Inter-American bank, however, is already looking into problems with an earlier phase of the project -- two gas pipelines it helped finance in 2003 with a $75 million loan. Hunt Oil has a stake in the consortium operating the lines, which were built by an Argentine company.
The pipelines carry gas 340 miles through the rain forest from Peru's Camisea Field, snaking across the 14,000-foot Andes Mountains to Pisco, a coastal fishing village south of the capital, Lima. One line carrying natural gas then extends on to Lima.
Since December 2004, there have been five leaks in the second natural gas liquids line, spilling thousands of barrels into pristine rivers and killing the fish upon which indigenous communities depend for their livelihood. The latest spill occurred March 4 and led to an explosion and fire that injured two residents.
Under pressure from U.S. and Peruvian environmental groups, the bank last month issued a statement saying it was "deeply concerned" about the pipeline's initial performance. The bank said it would conduct an "expanded review and analysis of the project design and construction" of the pipeline and perform another environmental study of the project.
The project has also been criticized by Ollanta Humala, the leading candidate in Peru's presidential race, who in an April 4 interview with an Argentine newspaper said the pipeline was "like Gruyere cheese, full of holes." He called for a revision of the contract with the pipeline's operators and higher royalty payments to the government.
Environmental groups say the problems with the pipelines illustrate the dangers of conducting such operations in the rain forest. Besides the spills, which the groups contend are the result of shoddy construction and defective materials, environmentalists point to a Peruvian government report that the gas development project is harming the once-isolated indigenous people living near the gas field and along the lines.
The report from the state Office of the People's Defender said 17 deaths among them could be attributed to influenza brought by contact with outside workers. "The diseases contracted by these groups due to contact with the company's workers could be catastrophic," said the report, citing syphilis, influenza, diarrhea and respiratory ailments.
There are about 11,500 indigenous people living either in the gas concession areas or along the pipelines, according to Amazon Alliance, one of the environmental groups opposing the project. Last fall, local residents at one point along the line blockaded the Urubamba River for several weeks to keep company workers out in protest, according to the alliance.
Even as the pressure builds among environmental opponents, a spokeswoman for Dallas-based Hunt Oil said efforts already are underway to gain the Bush administration's support for financing for the next phase.
The company's chief executive, Ray L. Hunt, has been a major financial backer for President Bush, his father and other Republican candidates. Jeanne Phillips, Hunt Oil's senior vice president for corporate and international affairs, headed Bush's 2005 inaugural committee after serving two years as Bush's ambassador to the Paris-based Organization for Economic Cooperation and Development.
"There is a lot of dialogue with stakeholders inside the U.S. government," Phillips said. "We're doing everything we can to assure them this project is worthy of U.S. support."
Hunt was finance chairman of the Republicans' Victory 2000 Committee and is a member of the National Petroleum Council, an advisory group to Secretary of Energy Samuel W. Bodman, as well as Bush's Foreign Intelligence Advisory Board. Together with his wife, Nancy, and his companies, Hunt has contributed about $1 million to President Bush and other Republican campaign committees since 1998.
Still, Hunt's political credentials did not prove strong enough to win U.S. support three years ago for financing of the pipelines, in which Hunt holds a smaller stake than in the new proposal. The Bush administration delegate at the Inter-American bank refused to support the financing, and the Export-Import Bank turned down the project.
Market conditions have changed radically since then, with a domestic natural gas shortage focusing attention on foreign sources. Since the last vote, the administration has also appointed a new executive director to the Inter-American bank, Hector E. Morales Jr., who has publicly called for the bank to play a more active role in facilitating Latin America's gas exports to the United States.
Hunt, which holds a 50 percent share in the new project, Peru LNG, plans to seek $400 million in loans from the Inter-American bank directly, as well as the bank's help in facilitating up to $400 million from private commercial banks. Hunt's partners in the project are SK Corp. of South Korea and
Repsol YPF of Spain.
The company has not yet formally submitted applications at either the Inter-American bank or the Export-Import Bank, but officials at both institutions said preliminary discussions were underway.
Company spokeswoman Phillips said she did not anticipate any problems with the environmental impact study because the project was "not in an environmentally sensitive area." But environmental groups say the planned export terminal in Paracas Bay poses a threat to Peru's only marine reserve there.
A coalition of environmental groups wrote to Hunt in December condemning his company's failures to prevent "unnecessary harm" to the local people and the tropical rain forest by failing to use certain advanced drilling technology to minimize the number of wells. The coalition includes Amazon Watch, Amazon Alliance, Environmental Defense, Friends of the Earth, Oxfam America and the World Wildlife Fund.
Steve Suellentrop, the official in charge of Hunt's liquid natural gas projects, said the consortium had addressed all issues raised by the indigenous people and that "the alleged impact is much greater than the real impact."
"Nobody was directly impacted," he said. "Maybe indirect."
Suellentrop said the consortium operating the field, in which Hunt holds a 25 percent interest, had used "directional drilling" techniques, which he said were similar to the "extended reach drilling" advocated by environmental groups.
The Peruvian energy regulatory authority has so far imposed five fines totaling $2.8 million on Transportadora de Gas del Peru, the Argentine company that operates the pipeline, though the company has so far not paid any of them.
The company has, however, sent food to several affected communities and is building fish farms to compensate for their losses due to river pollution. It has also adopted a $25 million plan to reduce the risk of more spills
A California-based nonprofit engineering consultancy, E-Tech International, hired by the environmental coalition issued a report in February alleging that the first four leaks were the result of poor quality pipes, shoddy workmanship and inadequate soil stabilization under parts of the pipeline. It warned of "a high potential for future ruptures" at half a dozen other locations.
The Argentine builder has denied the allegations but launched its own new inspection of the pipeline, while Peru's Congress has ordered a full-scale investigation into the causes of the leaks.
Robert Montgomery, who heads the environmental unit in the Inter-American bank's private sector department, said that "most" of the new pipelines recently built in Latin America had not experienced similar problems but that the Peru line was "somewhat unique" because it was built along mountain ridges to avoid populated areas.
At a February meeting at the bank's District headquarters, the president of the Argentine pipeline operator, Ricardo Markous, blamed the spills on heavy rainfall and landslides and said all the pipe was brand new and built specifically for the Peru project. On March 10, the company issued a 100-page point-by-point rebuttal of the E-Tech report, including documents tracking the history of the 188,000 tons of pipe used in the project.
But the report also pointed out that the complicated geography of the pipeline route made it "impossible to assure that there will not occur any incidents that might affect the system."
Staff researcher Alice Crites contributed to this report.

Sunday, April 23, 2006

O PRESIDENTE PODE E DEVE




O PR não pode deixar de “puxar as orelhas aos deputados”, para usar a expressão adequada de Manuel Alegre, no seu discurso de 25 de Abril, em cumprimento daquilo a que se propôs perante os portugueses, enquanto candidato à presidência: além do mais mas prioritariamente, contribuir decisivamente para a moralização da vida política, por recuperação de valores perdidos.

Quando instado a explicar como pensava, o então candidato, atingir os seus objectivos, considerando os limites em que a Constituição circunscreve os poderes presidenciais, o actual PR respondeu que a lei fundamental lhe concedia diversos meios, um dos quais o uso da palavra em mensagens à Assembleia da República.

Durante a campanha eleitoral foi tema recorrente a insuficiência dos poderes presidenciais para alterar o rumo das coisas: Ao PR não compete governar, não lhe é dado tocar na loiça, mas pode parti-la toda, se assim o entender.

A maioria dos portugueses tem da classe política em que tem de votar uma opinião geralmente menos positiva, quando não extremamente negativa, e a própria classe política, ou pelo menos uma parte dela, reconhece este facto.

Os deputados portugueses, não todos, é certo, mas o grupo cumpridor não consegue distinguir-se aos olhos da opinião pública do grupo não cumpridor, deram uma vez mais uma imagem de falta de sentido cívico extrema: sabendo que o plenário iria estar reunido e votar, a maioria dos deputados foi de férias de Páscoa mais cedo.

Os portugueses que votaram neste PR fizeram-no porque estão convictos que o seu discurso não é redondo nem opaco para ser adequado a todas as interpretações possíveis, mas será directo e transparente para que não restem dúvidas.


Deste modo, e não estando em causa o princípio da separação de poderes que é democraticamente sagrado, o PR não pode, a menos que se transfigurasse por razões ocultas, fazer de conta de que não se passou nada.

No passado recente, a falta de um discurso presidencial claro e oportuno, deixou deslizar, ou pelo menos nada fez para contrariar, o rumo do descrédito que alguns políticos seguiram, arrastando no mesmo sentido a imagem de todos os seus pares. Se em sede própria os deputados não foram capazes de deslindar, entre eles, o trigo do joio, no caso das viagens fictícias, e só um ou outro foi julgado em tribunal, o PR deveria tê-los convidado a demitirem-se, uma vez que os partidos não foram capazes ou não quiseram fazê-lo.

Se o PR pode durante certo período, que neste momento ainda não ocorre, dissolver a AR, a ausência da maioria dos parlamentares no local onde se realiza primordialmente o seu trabalho, quando os mesmos não deram conta com antecedência ao Presidente da AR de que iriam estar ausentes por razões justificadas, é motivo mais que suficiente para o PR concluir que os senhores deputados se demitiram das suas funções mas não comunicaram essa decisão a quem de direito e continuam a ser pagos pelo orçamento geral do estado, isto é, por todos nós.

Dessa constatação, o PR tem de proceder conforme o seu critério e as circunstâncias, mas deve pelo menos alertar claramente os senhores deputados que ausências que impossibilitem o normal funcionamento do Parlamento não poderá ter outra leitura se não a de que os senhores deputados não querem que ela funcione, e deverá dissolvê-la.

Os senhores deputados poderão lamentar-se de discriminação relativamente aos seus pares políticos autarcas: o PR pode dissolver a Assembleia da República mas não pode dissolver uma Assembleia Municipal ou, tão pouco, uma Assembleia de Freguesia.

E talvez tenham razão. O que é pena.

Friday, April 21, 2006

DEMOCRACIA & COMPANHIA



Como é da tradição, e as tradições são para se respeitarem, a Páscoa concedeu umas férias aos portugueses, para a maior parte dos quais a Páscoa significa comer amêndoas, apanhar sol, e boas festas aos amigos e conhecidos, e abalaram para o Sul ou para o Norte, atropelando-se nas estradas mais do que consentem as médias estatísticas.

Os deputados portugueses, ou a maioria deles, aproveitou dos costumes, esticou o período, antecipando a partida, e faltou ao plenário. Como não havia quorum não houve votação, os trabalhos foram adiados.

Para a maioria dos portugueses a ocorrência não escandalizou: a esmagadora maioria ia a caminho de uns dias de praia de primavera, alguns devem ter ouvido pela rádio a balda dos deputados, encolheram os ombros, baralhados , afinal o que é que os deputados tinham feito mal, tendo feito o que eles próprios estavam a fazer?

Ergueram-se em coro algumas vozes indignadas contra o laxismo relapso da classe política mas os campos quanto a culpas dividiram-se: para uns o comportamento dos deputados não é se não a emanação do comportamento dos que os elegeram e reflectem os valores que este prezam e os que desprezam; para outros, a responsabilidade cabe por inteiro aos deputados, ausentaram-se sem dar cavaco, prestaram um mau serviço à democracia.

Aliás, não foi a primeira vez, longe disso, que alguns dos nossos deputados, neste caso, ainda mais lamentavelmente, a maioria deles, deram uma imagem confrangedora dos princípios morais que os norteiam. O processo das viagens fictícias situa-se num plano ainda mais baixo, de desonestidade e abuso de confiança. Mas mesmo neste caso quantos portugueses se terão indignado, quantos terão sequer dado por isso?

O nível de corrupção numa sociedade depende do comportamento dos políticos e da imagem de honestidade, ou da falta dela, que transmitem aos eleitores, ou da atitude permissiva generalizada entre a população que encolhe os ombros e confessa-se, se eu pudesse fazia o mesmo?

De modo que parece estarmos perante o aparente paradoxo do ovo e da galinha aplicado à tradicional propensão portuguesa para sacudir a água do capote: os deputados são o que são porque são feito da mesma massa dos eleitores mas o eleitores encaminham-se por onde vêm caminhar os eleitos.

A questão da responsabilidade das elites no comportamento do povo foi objecto de estudo após a Segunda Guerra Mundial por psicólogos sociais intrigados com as causas que poderiam ter determinado que os alemães, culturalmente acima da média europeia do seu tempo, tivessem aderido tão entusiasticamente às propostas de um megalómano e os seus oficiais e soldados tivessem perpetrado o holocausto. E as suas conclusões parecem não suscitar dúvidas quanto à propensão humana para seguir o grupo (o rebanho) formado a partir de um grupo mais restrito dominado pelas elites, mesmo que o caminho seja indigno, propensão essa que, por outro lado, explica a tendência natural para esperar que as autoridades pensem por nós, deixar acriticamente que elas nos indiquem a verdade, nos definam a moral, nos tracem o caminho.

Há sempre, evidentemente, quem não siga o rebanho. Do número relativo daqueles que, em cada sociedade, não calcam as mesmos vias depende a capacidade dessa sociedade para arrepiar caminho.


A impunidade pressentida por alguns deputados decorre, segundo alguns analistas ou pseudo-analistas, do facto de eles serem designados pelos partidos, existindo, deste modo, uma cortina que desresponsabiliza os eleitos perante os eleitores na medida que impossibilita que estes de julgarem aqueles nominalmente. Em alternativa, e como meio de submeter a actuação dos eleitos directamente ao julgamento dos eleitores, propõem a eleição dos deputados por círculos uninominais ou através de um sistema misto que inclua a eleição de um certo número num círculo nacional.

A eleição por círculos uninominais certamente que reduziria a representatividade das diferentes opções políticas eliminando a presença dos partidos mais pequenos no Parlamento. Mas, pior do que essa perda de representatividade, seria a multiplicação do caciquismo que já conta com um grande número de representantes nas autarquias locais. E na Madeira.
Portugal tem uma tradição de caciquismo, que tendo perdido força no tempo da ditadura porque os ditadores não dependem dos votos, ressurgiu com o regresso da democracia.

O caciquismo alimenta-se da demagogia, irmã mais antiga e mais sabida da democracia. Alguns casos recentes ocorridos durante as últimas eleições locais confirmam que os caciques podem, mesmo em condições eticamente altamente reprováveis pela maioria da população a nível nacional, arrebanhar localmente a maioria dos votos.

Com a eleição dos deputados por círculos uninominais o Parlamento transformar-se-ia num curioso mercado de queijos e quejandos.

A intervenção política não passa apenas pelos partidos políticos mas a democracia não é possível sem eles. O enfraquecimento partidário, qualquer que seja a sua origem, determinará sempre um enfraquecimento da democracia.

Da democracia importa afastar as más companhias.

O caso dos deputados faltosos também teve um aspecto positivo: o de ter colocado à frente dos portugueses mais uma fotografia do seu sistema democrático. Nela, é nítido que a nossa democracia anda mal acompanhada. Contudo, qualquer alteração do sistema eleitoral deverá favorecer o desaparecimento das más companhias e não o reforço do caciquismo, que, aliás, poderia aumentar incontrolavelmente o número de faltas ao ponto.

Thursday, April 20, 2006

O DESCONTENTAMENTO DOS GENERAIS



Ainda a propósito da Guerra no Iraque e da possível intervenção no Irão, são elucidativos das motivações norte-americanas, não confessadas mas por demais evidentes, de manter o domínio daquela área do globo por razões estratégicas que se prendem com a sua própria sobrevivência, alguns artigos publicados nos últimos dias.

Numa altura em que o preço do petróleo cavalga de recorde em recorde, estando hoje a roçar o barril Brent os 74 dólares em Londres, são cada vez mais aqueles que alertam para a necessidade urgente de medidas que possam evitar o colapso das economias desenvolvidas e emergentes, e em particular a economia norte-americana, por insuficiência de recursos energéticos.

Geralmente, contudo, aqueles que fazem contas aos recursos energéticos disponíveis e à sua localização muito concentrada no Médio Oriente, não colocam uma possibilidade evidente: aquela que decorreria de uma atrofia das economias ocidentais por bloqueio político dos fornecimentos, ou de parte deles, a partir daquela área do globo. Dito de outro modo, a hipótese mais provável que justifica a intervenção norte-americana no Iraque, depois do reconhecimento de que o Presidente Bush estava informado da não existência de armas de destruição maciça, e mentiu, não é invocada. As contas que levam a um eventual colapso da economia norte-americana são efectuados na base no conhecimento actual dos recursos conhecidos e da extrapolação dos consumos actuais. Quase ninguém invoca, abertamente, que a “guerra do Iraque” já é “a guerra do petróleo”.

No entanto é fácil vislumbrar o que aconteceria se os movimentos políticos maioritariamente anti-americanos no Médio Oriente, e, provavelmente também maioritariamente contra Ocidente em geral, pudessem decidir livremente quanto ao fornecimento do petróleo que milhões de anos armazenaram debaixo do solo que eles habitam e que pode esgotar-se dentro de dezenas de anos, e onde o último barril já não terá valor algum.

E é fácil vislumbrar, se repararmos no crescimento, certamente irreversível, dos preços do crude nos últimos tempos, e do vigor que esse crescimento assumiu nos últimos dias após as declarações do presidente iraniano.

Que a presença militar norte-americana no Médio Oriente está, indubitavelmente, ligada à necessidade de domínio das principais fontes de fornecimento de petróleo lá existentes prova-o o facto dessa presença, de um modo ou de outro, se ter consumado desde a Segunda Guerra Mundial, tendo essa estratégia sido sempre reafirmada sem que qualquer dos partidos que dominam quase exclusivamente a vida política norte-americana a tenha posto minimamente em causa.

Ontem, em artigo publicado no Washington Post, e dando público testemunho do descontentamento de alguns generais retirados, o major general que comandou a Primeira Divisão de Infantaria no Iraque, John Batiste, insurgia-se contra a liderança, que consideram abusiva e arrogante do Secretário de Estado da Defesa, Donald Rumsfeld. Entretanto, Bush fez algumas alterações na sua equipa mas confirmou Rumsfeld.

We went to war with the wrong war plan. Senior civilian leadership chose to radically alter the results of 12 years of deliberate and continuous war planning which was improved and approved, year after year, by previous secretaries of defense … The shortage of troops never allowed commanders on the ground to deal properly with the insurgence and the unexpected..”

Curiosamente o artigo titula-se: “A case of Accountability”

Os generais descontentes insurgem-se, afinal, contra o facto de Rumsfeld não lhes proporcionar os meios que eles têm vindo a reclamar, e, além disso, pelo facto de ele próprio definir acções que, no entender dos generais, sempre competiu aos militares definir. Trata-se, sobretudo, de uma questão que se prende com os custos de uma guerra que já excede largamente aqueles que estavam previstos à partida. E ainda que dessa guerra possam resultar alguns aspectos positivos para a animação da economia americana, e sobretudo grossos proveitos para as indústrias e serviços que vivem da guerra e para a guerra, os reflexos dos gastos incontrolados sobre essa mesma economia a médio prazo não podem deixar de confrontar-se com a indispensabilidade das fontes de petróleo que essa guerra pretende controlar. Todos os recursos são escassos: os petrolíferos, mas também os humanos e os financeiros. Os generais retirados não contestam a guerra, reclamam da falta de meios ao seu dispor para a vencer.

Afinal a defesa desse recurso imprescindível, o petróleo, tem custos, não só humanos e políticos mas também económicos tão elevados, que mais tarde ou mais cedo terão efeitos negativos sobre a economia norte-americana e colaterais sobre a economia mundial. De uma forma ou de outra, a factura que está a ser paga pelos norte-americanos, pagamentos esses suportados pelos fluxos financeiros que os procuram, será apresentada, mais tarde ou mais cedo, ao resto do mundo.

Incluindo os chineses, que estão contribuindo fortemente para o financiamento do esforço americano, por um lado, e a contrariá-lo pelo outro.

Um artigo publicado, também, no Washington Post, é muito esclarecedor quanto às contradições subjacentes às relações entre as duas maiores economias mundiais.


As China, U.S. Vie for More Oil, Diplomatic Friction May Follow
By Steven Mufson
Washington Post Staff WriterSaturday, April 15, 2006; Page D01
Think of next week's meeting between President Bush and China's President Hu Jintao as a summit of the planet's most voracious energy user and the planet's fastest-growing energy user. In a world of limited oil resources, that could strain U.S.-China relations as much as any issue.
China's oil industry has wooed countries that the United States has tried to isolate for political reasons -- such as Sudan, Iran and Burma -- potentially undermining the isolation efforts. Three of China's major oil companies have been aggressively pursuing long-term supply arrangements in such places as Venezuela, Nigeria, Gabon and Angola.



Even Saudi Arabia, despite its long-standing tight relationship with U.S. oil companies, is turning toward China and is today its largest oil supplier. In 2004, China Petroleum & Chemical Corp., also known as Sinopec, became one of just five companies to win the right to explore for natural gas in the uninviting desert known as the Empty Quarter, edging out U.S. companies interested in the area. The kingdom has invested in Chinese refinery projects, and in January, Saudi King Abdullah bin Abdul Aziz visited Hu in Beijing.
"Saudi Arabia is taking a Chinese wife," said Charles W. Freeman Jr., a former U.S. ambassador to Saudi Arabia who has extensive diplomatic experience in China. "The Saudis are not divorcing us. In Islam you can have more than one wife and they can manage that."
But can the United States? Many U.S. policymakers are nervous about China's quest for energy supplies around the world.
"I can tell you that nothing has really taken me aback more as secretary of state than the way that the politics of energy is -- I will use the word 'warping' -- diplomacy around the world," said Secretary of State Condoleezza Rice in testimony before the Senate Foreign Relations Committee on April 5. "It is sending some states that are growing very rapidly in an all-out search for energy -- states like China, states like India -- that is, really sending them into parts of the world where they've not been seen before, and challenging, I think, for our diplomacy."
And China is nervous about the United States, too. The vociferous opposition in Congress last summer to the China National Offshore Oil Co.'s bid to buy Unocal Corp. has left sore feelings in China, according to Xiao Lian, director of the Center for American Economic Studies at the Chinese Academy of Social Sciences. Xiao said Chinese military strategists also worry that the United States might try to block oil supplies in a dust-up over Taiwan, the self-governing island that Beijing claims is part of China.
According to Jiang Wenran, a professor at the University of Alberta, a popular Chinese online book, "The Battle in Protecting Key Oil Routes," imagines a sea engagement near the Strait of Malacca linking the Indian and Pacific oceans, in which the Chinese navy destroys an entire U.S. Pacific carrier group.
"The risk is that energy issues become not a source of constructive cooperation but rather a deepening source of competition, misperceptions and excuses for obstructing one another's interests," says a paper by Mikkal Herberg, an energy security expert at the National Bureau of Asian Research, and Kenneth Lieberthal, who served as the senior director for Asia on President Bill Clinton's National Security Council.
Next week's talks between Bush and Hu should provide an opportunity to see whether it will be cooperation or not when the two discuss Sudan and Iran. In conversations with the Chinese, Deputy Secretary of State Robert B. Zoellick has tried to use China's interest in energy to win its support for tougher action on Iran's nuclear program, according to a senior administration official. Zoellick has made the case to the Chinese that if Iran obtains a nuclear weapon, it would be destabilizing in the region that is the source of much of China's oil -- and thus it was in their interest to prevent that from happening.
The dynamics are sobering. Over the next 15 years, the number of automobiles in China is expected to increase fivefold, helping to double China's overall demand for oil, which has already passed Japan's to become the second-largest in the world. By 2020, China is expected to import 70 percent of its oil needs, compared with 40 percent today.
Meanwhile, the growth in U.S. oil consumption, starting from a higher base, rivals China's growth when measured in barrels a day instead of percentages. From 1995 to 2004, U.S. oil imports grew by 3.9 million barrels a day while China's grew by 2.8 million barrels a day, thus "making the United States much more of a rogue element than China in the world oil market over the past decade," Herberg and Lieberthal wrote.
As China, U.S. Vie for More Oil, Diplomatic Friction May Follow
During 15 years, China's coal demand could also double. China, which has nine nuclear plants running now, will build more plants (30 according to Freeman) than any other nation over that time period. And it has drawn up plans for giant hydropower dams. "The trajectory they're on is not sustainable," said Herberg, former director of strategic planning at the Atlantic Richfield Co.
China has been taking several steps to bolster its energy security. It has imposed measures to dampen demand, including higher gasoline prices and surcharges on cars with big engines (which could hurt U.S. automakers with plants in China). It has established a state energy office, which reports to a new energy "leading group" headed by Premier Wen Jiabao and has set a goal of reducing the energy used per unit of GDP by 20 percent by 2010.
Leaders in Beijing also want to boost the country's strategic petroleum reserves, which would last just seven days, compared with the 90-day minimum for members of the
International Energy Agency. If war, weather or terrorism disrupted supplies, China would soon be forced onto world oil markets. Herberg said that China bought extra oil before the Iraq war in anticipation of a supply disruption, thus contributing to the oil price spike at that time. Given current high prices, though, China is unlikely to step up purchases for its reserve at this time.
Xiao said that Beijing wants to diversify its sources by increasing imports from Russia, Central Asia and Latin America. China and Russia are in talks to build a $10 billion pipeline to deliver natural gas from Siberia to northern China.
China's major oil companies --
CNOOC, China National Petroleum Corp. and Sinopec -- have sought to lock in long-term supplies by buying stakes in operations abroad, which are still modest compared with major Western oil firms. CNPC, the largest state company that operates like a ministry, has a stake in Sudan's oil fields, giving it around 150,000 barrels a day in equity oil. It also has a 60 percent stake in a Kazakh oil firm that will deliver about 200,000 barrels a day to western China via a new pipeline. Sinopec landed a contract for the development of Iran's Yadavaran oil field, which may eventually produce 300,000 barrels per day. Sinopec has also acquired a 40 percent stake in Canada's Northern Lights oil sands project, which is expected to produce about 100,000 barrels a day by 2010.
China has also opened its doors to Middle East investment, broadening its relationship with that oil-rich region. A $3.5 billion refinery expansion underway in Fujian province, financed by Sinopec,
Exxon Mobil Corp. and Saudi Arabian Oil Co. (Saudi Aramco), is seen as part of the effort to cement relations with Saudi Arabia. "What are the chances of cutting off oil to your own refinery?" Herberg said. "That's the nature of international oil security, not by going out and turning a country into your own private filling station."
While these moves make sense for China and help put more oil on world markets, they worry many diplomats and policymakers in Washington. Will China's oil relationship with Iran prevent it from joining other major powers at the United Nations in pressuring Iran to open up its nuclear plants to international inspection? Is China's willingness to buy oil from Sudan contributing to Khartoum's determination to resist U.S. and European pressure to stop raids on people living in the Darfur region? Will the dispute between China and Japan over rights to a large natural gas field in the East China Sea lead to wider conflict? (Lieberthal said both sides have been flying military planes over each other's claims -- perfectly legal, but worrisome.) And will China's growing presence in world oil markets drive up the price of crude oil?
Policy analysts have been recommending a variety of steps to ease U.S.-China tensions over energy: making it a partner, if not a member, of the IEA; creating a northeast Asia energy cooperation group to work out disputes and deals on natural gas reserves in Russia and the seas between China, South Korea and Japan; and inviting China to a Group of Eight meeting to discuss energy.
Freeman warns against blaming China for rising oil prices. He notes that U.S. imports have increased more than China's in recent years. "It's a wonderful issue," he said. "We get to blame the Chinese, the enemy of choice at the Pentagon. And then we get to blame the Arabs, perfect villains upon whom to heap blame."
Staff writer Glenn Kessler contributed to this report.



Friday, April 14, 2006

O QUE NÃO MATA ENGORDA

O insuspeito de alinhamento com os republicanos, Washington Post, do passado dia 9 de Abril, publicava, no seu Magazine, suplemento do jornal aos domingos, um artigo sintomático do estado de espírito dos norte-americanos que habitam na capital e redondezas, Norte da Virgínia e Marilândia, depois do 11 de Setembro de 2001: “Rallying ´round the flag” , de William Duke.

É importante realçar o facto de a população que habita em Washington DC e à sua volta votar, tradicionalmente, no partido democrático. Bush obteve nas duas eleições os piores resultados nesta área.

O artigo é relativamente longo mas o que o autor procura é ilustrar com alguns dados a evolução da situação nesta zona depois dos acontecimentos que abalaram a América de uma forma que até aí nunca experimentara no seu próprio território.

“E o facto é que, desde o 11 de Setembro de 2001, a vida tem corrido bem ... A área de Washington tem desfrutado, de longe, das melhores condições económicas de toda a nação durante os últimos quatro anos. O que não nos mata enriquece-nos”, conclui, à partida.

“Era isto o que bin Laden pretendia?”

“O colapso das torres gémeas transmitido em directo pelas televisões, e o ataque ao Pentágono, polarizou as preocupações do governo – isto é, a despesa – de uma forma tão intensa nunca observada desde Pearl Harbor”.

O efeito conjugado de aumento das despesas federais, em grande parte aplicadas em sistemas digitais de segurança e defesa, e das reduções de impostos, têm propulsionado o consumo e a construção civil a ritmos de crescimento sem precedentes. As consequências sobre o déficit gémeo não parecem preocupar a maioria dos americanos, satisfeitos com os chineses que lhes fornecem a preços imbatíveis os produtos que eles deixaram de estar interessados em produzir e a financiar-lhes, em grande medida, o consumo e investimentos públicos através da compra de títulos de dívida pública. O Banco da China, aliás, detêm já o mais elevado volume de reservas, tendo ultrapassado recentemente o Japão, não vai deixar de aplicar os seus excedentes, em grande parte, em dólares. Mas os americanos não contam apenas com as remessas dos chineses. Há mais remetentes.

Segundo os cálculos do Centro de Análise Regional da Universidade George Mason, divulgados pelo seu director, Stephen Fuller, citado no mesmo artigo, “sem o 11 de Setembro, os contratos com o governo federal ter-se-iam situado em 5,5 biliões de dólares nos últimos quatro anos, mas com o 9/11 o seu valor subiu para 18 biliões...determinando a criação de 200 mil novos empregos... principalmente nas áreas científicas, técnicas, da gestão, consultoria e novos programas informáticos, mas também baby-sit, cortadores de relva, limpeza de casas”.

“Uma amostra, referente a Janeiro, do Washington Technology magazine dá uma ideia do tipo de contratos que estão a ser celebrados com o governo federal:
Man Tech International Corp., Fairfax, Va, ganhou um contrato de 300 milhões de dólares, …para a prestação de serviços ao Exército no Afeganistão e no Iraque...
Multimax Inc., Md, ganhou um contrato... de 75,7 milhões de dólares para fornecer serviços na área das telecomunicações à Força Aérea...
Science Applications International Corp. …ganhou dois contratos no valor de 68,4 milhões de dólares ... com os Centros de Prevenção e Controle de Doenças”

O reverso desta medalha é, no mínimo, preocupante. Ao mesmo tempo que a economia norte-americana, e em particular na área da capital, produz aceleradamente software e sensores, as economias dos estados muçulmanos produzem extremistas ao mesmo ritmo, receia ainda o autor do artigo.

A ideia de um Plano Marshall para o Médio Oriente que possibilitasse o crescimento económico e a melhoria das condições de vida naquela área do globo, reduzindo assim as condições ambientais em que se choca o terrorismo, não parece ter alguma hipóteses de vingar porque não existem nela nem as competências nem a conjunção de vontades que permitiram o sucesso daquele Plano na reconstrução da Europa do pós-guerra.

Aliás, continuam as dificuldades na recuperação da área devastada pelo Katrina, em New Orleans, onde se confrontam interesses muito divergentes, ainda que todos eles norte-americanos. De modo que é difícil contrariar aqueles que duvidam da capacidade dos Estados Unidos para reconstruírem o Iraque quando têm tido tanta dificuldade em recuperar uma parte do seu próprio território.

Este conjunto de reflexões suscita várias leituras, a mais apressada das quais nos sugere os benefícios da guerra, e só depois uma outra, inevitavelmente, nos impõe a interrogação acerca dos seus prováveis horrores.

Três dias após a publicação deste artigo, dia 12 de Abril, o mesmo Washington Post, noticiava no topo da primeira página que:

“No dia 29 de Maio de 2003, 50 dias após a que de Baghdad, o Presidente Bush proclamou uma vitória prematura no Iraque: Dois pequenos atrelados capturados pelas tropas norte-americanas e curdas foram tidos como o objectivo longamente perseguido de encontrar os laboratórios biológicos e ele declarou: Encontrámos as armas de destruição maciça.”

“A informação de uma missão enviada nessa altura ao Irão, e da qual até agora não tinha sido dado conhecimento público, concluía que os atrelados nada tinham a ver com armas biológicas. Essa informação foi prestada ao presidente a 27 de Setembro, dois dias antes da proclamação”

e, ao lado desta notícia, esta outra:

“O Irão conseguiu enriquecer urânio a níveis mais elevados, disse o Presidente Mahmoud Ahmadinejad, ... Anuncio oficialmente que o Irão junta-se ao grupo de nações que dispõem de tecnologia nuclear... Este é um momento histórico... é o começo do progresso do nosso país” .

Até hoje, as previsões mais insistentes acerca da evolução da guerra no Médio Oriente em geral e no Iraque em particular, e das suas consequências, têm caprichado por atirarem em sentido contrário ao da evolução observada:

- Bush mentiu ao povo americano, invocando como razão fundamental para a invasão do Iraque a existência de armas de destruição maciça que, soube-se depois, não existirem de todo; a famigerada encenação à volta dos atrelados acabou agora por confirmar a precipitação dos propósitos da administração americana ao invocar as razões que invocou para a invasão; contudo, o povo americano acabou por atribuir a Bush, contrariando muitos prognósticos que o davam por vencido, um segundo mandato sem as dúvidas e atribulações de toda a espécie que lhe conferiram o primeiro.

- A redução dos impostos agravou o déficit do orçamento e incentivou o consumo, agravando o déficit comercial; aparentemente, e contrariamente ao que muitos pressagiaram, os fluxos de entrada de capitais têm sustentado bem os desequilíbrios observados;

- A economia dos Estados Unidos no pós 11 de Março não se ressentiu do esforço da guerra; antes, pelo contrário, tem crescido com consistência a ritmos superiores aos da União Europeia;

- O dólar, tem mantido a sua paridade relativamente ao euro dentro de um intervalo de variação bem longe das previsões que auguravam desvalorizações substanciais;

- A ameaça do terrorismo não pôs em debandada a população residente à volta da capital; o crescimento económico na região envolvente do Distrito de Colúmbia tem atraído muitos profissionais e milhares de emigrantes;
O problema da emigração ilegal, aliás, tem sido objecto, um pouco por toda a parte nos Estados Unidos, de movimentações e manifestações que são o reflexo da atracção que o País exerce sobretudo sobre as populações latino-americanas vizinhas, em particular do México, e das posições divergentes dos norte-americanos, também nas duas câmaras, sobre o assunto;

É espantoso, no entanto, que raramente a causa da presença dos Estados Unidos no Médio Oriente seja atribuída à necessidade de assegurar à sua economia aquilo que lhe é vital e procede em grande parte daquela área do globo: o petróleo.

Até agora, aqueles que davam como certa a retirada americana do Iraque tão sendeira como aquela que os empurrou do Vietname, não se confirmou nem é previsível que venha a confirmar-se por uma simples razão: os americanos não podem retirar do Médio Oriente enquanto não for descoberta alternativa economicamente viável para o petróleo.

Todas as civilizações, segundo Jared Diamond, in Collapse, se extinguiram à míngua de energia. Talvez a sua conclusão seja forçada ou demasiadamente simplista, mas é inegável que a sobrevivência da economia-norte americana, e, por idênticas razões, de todas as economias desenvolvidas depende indiscutivelmente do petróleo, e fundamentalmente do petróleo do Médio Oriente.

Atolados no Afeganistão e no Iraque que podem os Estados Unidos fazer agora relativamente ao Irão, que se gaba de ter entrado no clube do nuclear, e onde os chineses pretendem marcar posições sólidas quanto à exploração do crude? Que pode fazer a comunidade internacional se os norte-americanos lhe endossarem o problema?
Provavelmente, nada.

Até ao dia em que desabe sobre o mundo a histeria do petróleo. Ontem, o preço do barril já ultrapassou os 70 dólares. Há quem preveja que atinja os 200 dólares até ao fim desta década. Oxalá se engane.

Porque as árvores não crescem até ao céu e os déficits também não.
E porque o que não mata só engorda enquanto não mata.



Saturday, April 08, 2006

O HEXA


Meu caro António,

Há dias deu-nos o tempo da viagem tempo para divagar sobre futebol. Eu gosto de ver futebol mas não lhe concedo nenhum privilégio. Se tenho disponibilidade e o jogo promete, vejo. Anteontem assisti ao Barcelona-Benfica, o Benfica perdeu e mereceu perder. O Barcelona tem melhor equipa, quer isto dizer que, no Barcelona, os brasileiros que lá jogam, com destaque para o Ronaldinho, são melhores do que os brasileiros contratados pelo Benfica. Claro que a bola é de ronda e se o Simão tivesse marcado aquele golo talvez o Benfica passasse a eliminatória. Mas não seria normal.

Com tantos brasileiros de um lado e do outro só mesmo quem seja benfiquista desde pequenino se pode rever naquela equipa como se ela fosse representante do futebol português. Quanto muito é representante do empresariado futebolístico português, das suas capacidades para muitas coisas e também para as mais sórdidas.
Eu, defeito meu, vejo no futebol a arte do espectáculo e do jogo, não vejo mais nada. Sou anómalo, não tenho dúvidas, quanto a isto. Para mim o futebol é um espectáculo e um jogo, e só é desporto porque há um resultado em disputa e é essa disputa que confere ao desporto em geral a adesão popular que fomenta. O circo, por exemplo, arrasta-se frequentemente arruinado porque deixou de ser um espectáculo de luta, como na Roma antiga onde morria o escravo ou a fera ou um dos gladiadores, para ser um espectáculo de arte sem confronto. No circo, se os trapezistas, em vez de voarem sincronizadamente e de forma cooperativa, disputassem entre si os poleiros disponíveis, os perdedores cairiam ao chão para gáudio do público e o circo deixaria de ser um espectáculo repetitivo, interessante para crianças, para se tornar num desporto emocionante para gente de barba dura.

O desporto de alta competição em geral, e o futebol em particular, vive do espectáculo que os novos gladiadores continuam a proporcionar às multidões de desportistas de bancada.

Mas não são apenas as equipas portuguesas e espanholas de futebol que se recheiam de craques brasileiros. Na Europa não há muitas equipas de futebol que não contem com vários brasileiros nos seus plantéis. Em Portugal, há equipas que podem alinhar onze brasileiros no jogo e ainda sentar alguns na bancada. Na Alemanha, que tem uma tradição de grande potência futebolística, os jogadores brasileiros começam a ter presença notória. Na Itália, o mesmo.

Não tenho dúvidas a este respeito: o Brasil é o maior viveiro de futebolistas de gama alta. O Brasil, será este ano, na Alemanha, novamente campeão.
A bola é redonda, e até podem acontecer surpresas. O campeonato do mundo joga-se, na fase a valer, em sistema de mata-mata como diz o Filipão. Trata-se de um torneio exige regularidade mas, principalmente, inspiração, e ás vezes a inspiração é volúvel e nem sempre se enrola aos melhores. Ainda que não seja Hexa este ano, o Brasil conta com os melhores jogadores do mundo na maior parte das onze posições.

O Brasil, este ano na Alemanha, será Hexacampeão, salvo grande perturbação.

E porquê?

Porque o Brasil tem, para o futebol, um universo de recrutamento enorme.

O Brasil é, ainda, um país de grandes contrastes. De forma involuntariamente irónica o título da obra de Stefan Zweig, “O Brasil, País do Futuro”, continua actual.

Há dois Brasis.

Pode argumentar-se, com grande fundamento, que essa dualidade se observa em muitas outras sociedades, mesmo nas mais economicamente desenvolvidas. No Brasil, contudo, o número de pessoas com rendimentos abaixo do limiar de pobreza, é muito elevado e é neste universo de desesperados que germina o crime mas também se iniciam no jogo da bola os futuros heróis dos estádios de futebol.

O Brasil, esclarece-nos, Stefan Zweig, de forma muito sucinta mas também muito convincente, foi povoado por importações maciças de escravos porque Portugal, pequenino, não tinha gente que se deslocasse para lá, os poucos que havia corriam para a Índia atrás do cheiro da canela.

Como não há fome que não dê em fartura, a economia brasileira tornou-se escravo-dependente, dispensou os avanços tecnológicos na altura crítica e continuou a importação de negros mesmo quando já assumira acabar com ela.

Assim se explica o excedente de uma população que depois de deixar de ser escrava continuou, e continua, marginalizada, e alguns encontram no futebol uma saída que as escolas, por uma razão ou outra, lhes negam. Com excepção das escolas de samba, mas essa é outra história.

Em Portugal também temos problemas, graves, de requalificação de grande parte da nossa população activa. Entre nós também os níveis médios de escolaridade são os mais baixos da Europa. Também isso explica porque é que temos, no futebol, uma projecção internacional que está muito além das nossas dimensões totais.

O universo de recrutamento, contudo, não explica o sucesso todo. É uma condição necessária mas não é uma condição suficiente. Existem outras razões, sociais, culturais, que explicam, por exemplo, porque é que os chineses não são (ainda) campeões de ciclismo, eles que em muitos casos fazem da bicicleta quase uma parte integrante do seu corpo; ou porque é que os indianos, que são tantos, não dão uma para a caixa em matéria de pontapé na bola.

O sucesso, para quem não acredita em diferenciações rácicas de qualquer espécie, tem como base de suporte o universo de recrutamento, qualquer que seja o campo de actividade humana, e realiza-se depois conforme as condições envolventes, isto é a cultura, a tradição, os recursos, entre outras.

Se o Ayrton Senna foi grande na fórmula 1, tal decorreu do facto de existir no Brasil um universo de candidatos que tem acesso à condução de bólides mas, geralmente, não nasceu nas favelas.

Se nos Estados Unidos da América os grandes campeões olímpicos são negros os que brilham no atletismo e brancos os que ganham medalhas em série na natação, é porque os negros têm desde que começam a andar acesso às ruas e os brancos são levados para as piscinas. Se os negros são grandes no basquetebol e no futebol americano é porque não foram para a escola quando deviam ou desistiram de ir antes de tempo. Se os brancos pontificavam no golfe e no ténis é porque essas actividades exigiam recursos e relações geralmente indisponíveis aos negros.

Mas todo o tempo é feito de mudança, já se sabe, e hoje o ranking do golfe é liderado, de forma incontestada há já algum tempo, por um negro, surgiram as manas negras campeãs de ténis, a secretária de estado norte americano é negra, o secretário de estado anterior da actual administração norte-americana negro era, depois de ter sido comandante supremo das forças militares norte-americanas.

No futebol a tendência continuará a ser ainda durante muito tempo para a preponderância dos jogadores brasileiros, para o declínio dos jogadores do norte da Europa, para a emergência de novos campeões a sul, nomeadamente de África.

Todo o ser humano reage conforme os incentivos. Enquanto os incentivos favorecerem a bola e desfavorecerem a escola, o futebol será um dos grandes motivos de orgulho do Brasil.

E, já agora diga-se, de Portugal também.