Tuesday, July 20, 2010

O JOGO DA CABRA CEGA

Jorge Bacelar Gouveia é professor catedrático de Direito (constucionalista) e escreveu ontem no Público acerca da crise e o poder judicial, um artigo que a Associação Sincical dos Juízes Portugueses transcreveu no seu site.
A pergunta que surge é esta: tem agido o poder judicial numa lógica de redução dos custos e de evitação dos desperdícios? interroga o catedrático.

Para a redução dos custos, Bacelar Gouveia reclama a redução dos vencimentos dos magistrados: "No estrito raciocínio da exemplaridade, a redução dos vencimentos dos magistrados, no poder judicial, é tão boa como a redução dos vencimentos dos cargos ditos políticos, substancialmente equivalentes no conceito constitucional dos órgãos de soberania, que são quatro: o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais".

Quanto à evitação de desperdícios, Bacelar Gouveia rejeita a ideia de que aos juízes cabe apenas aplicar a lei: "O julgador em Estado Social possui também uma parcela criativa de Direito e por aí passa simultaneamente um mandato de contenção da despesa pública, patente no modo como se preenchem conceitos indeterminados ou como se integram lacunas jurídicas".

E dá exemplos de desbragamento na utilização dos dinheiros públicos a que os senhores juízes não podem ser considerados alheios: "Para além do problema mais complexo do eventual excesso de jurisdições, a questão tem sido suscitada ao nível do excessivo número de membros dos órgãos judiciais superiores, perante dois erros que foram cometidos: – ou o erro de não consagrar, na Constituição, um limite máximo de juízes, verificando-se que o tempo se encarregou de engordar, por óbvia pressão corporativa, o número de lugares de juízes conselheiros: é hoje o Supremo Tribunal de Justiça, com cerca de 70 magistrados, um bom exemplo do absurdo a que se chegou, ainda por cima confundindo-se um tribunal supremo com um tribunal de promoção da carreira judicial;"
- ou o erro de se ter consagrado um número exagerado de juízes na Constituição, sem qualquer paralelo com outras experiências equivalentes: é o caso do Tribunal Constitucional, no qual os 13 juízes que tem são obviamente de mais não apenas em comparação com outros tribunais constitucionais europeus – com um parecido número de juizes para estados três e quatro vezes maiores que Portugal – como também por nesta altura as grandes questões constitucionais já terem sido decididas, sendo certo que vários bons mecanismos já foram adotados para evitar a banalização do recurso a este tribunal como quarta instância judicial comum.

Percebe-se o exagero de juízes mas não o espanto do catedrático. Se há mais almirantes que vasos de guerra e mais generais que quartéis em Portugal porque não mais juízes que processos?

Quanto a vencimentos, por melhores que sejam, uma redução de 5% (se fosse moralmente justificável, neste caso, por equiparação dos magistrados a políticos, e tenho todas as dúvidas que seja) não teria qualquer equiparação com o impacto que outras medidas poderiam ter.

Por exemplo: Relatavam há dias os jornais que existem 1,2 milhões de processos de cobrança de dívidas entre privados empilhados nos tribunais e que o valor médio de cada um é de 1500 euros!

Há anos que se fala neste assunto, que ninguém resolve. E, no entanto, é óbvio que se a média do valor dos processos de cobrança é de 1500 euros muitos haverá (quantos? não sabemos) são de valor muito inferior. Têm dignidade bastante para merecer a atenção de um juiz, de um aparelho judiciário, de um processo de execução? Não têm. Quanto nos custa a todos, contribuintes, a brincadeira com que muitos entretêm a justiça em Portugal?

Se os órgãos incumbentes se mostram incompetentes na cobrança em tempo oportuno das dívidas ao Estado, e frequentemente somos confrontados com notícias que dão conta de milhões prescritos por falta de execução em tempo útil, como se deixam enredar os órgãos judiciários  com a cobrança de dívidas particulares que os credores deveriam resolver sem recorrer aos tribunais?

Culpa de quem? De todos nós, mas especialmente dos juízes e dos professores catedáticos de Direito.

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