O "Público" distribui às sextas-feiras, conjuntamente com "A Bola", já há algum tempo, um semanário gratuito ("Sexta-feira") que não costumo ler. O "Sexta-feira" é dirigido por João Bonzinho, o que me motivou a abrir a referida publicação esta sexta-feira foi o "tema de capa" : "Povo volta a sair à rua numa semana de luta contra o Governo" "A contestação da função pública estende-se a toda a linha e ganha a partir de hoje forma de protesto marcante. O momento é ainda mais delicado após a revelação de algumas regras do novo Estatuto Disciplinar do Trabalhador quanto a despedimentos".
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Logo na página 2, escreve o professor da Faculdade de Economia em Coimbra Elísio Estanque":
(...) Na actual conjuntura é visível o divórcio entre o Governo e o eleitorado (que lhe deu a maioria). A sua fraca sensibilidade social, o défice de diálogo com os sindicatos, a estagnação económica com perda do poder de compra, o bloqueio das carreiras, o agravamento das desigualdades sociais, etc., conduziram ao enquistamento social e despoletaram a onda de contestação em curso. Importa, portanto, não confundir estas grandes manifestações com manipulações político-partidárias. São protestos que traduzem um real descontentamento das pessoas".
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O professor Estanque é também autor do blogue Boa Sociedade .
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O artigo do professor incitou-me a algumas reflexões, não pela originalidade do tema nem dos argumentos mas pela sua não originalidade: Há muito boa gente que diz o mesmo. Mas, desses, muito poucos ensinam em faculdades de economia.
.Quando Elísio Estanque afirma que ..."é visível o divórcio entre o Governo e o eleitorado que lhe deu a maioria..." é visível que o professor exagera e deixa que emoção lhe tolde a razão, driblando nele a sua condição de funcionário a sua condição de docente. Porque, é evidente, que se o eleitorado que deu a maioria ao Governo estivesse neste momento contra o Governo as sondagens não continuariam a dar ao executivo expressiva vantagem sobre o segundo classificado, aliás em queda. Tão pouco se observa significativa transferência de apoios para o PCP, o BE ou o CDS. Como professor, espera-se de Elísio Estanque mais contenção na emoção do que a muita gente menos familiarizada com noções elementares de estatística .
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A falta de sensibilidade social, o défice de diálogo com os sindicatos, a estagnação económica, a perda do poder de compra, o bloqueio das carreiras, o agravamento das desigualdades sociais, são temas que muita gente boa enuncia como estribilho da canção dos sindicatos da função pública. Porque é da função pública, e muito especialmente dos professores neste momento, e não do povo em geral, como o título do tema de capa do "Sexta-feira" pretende fazer crer, que trata o tema de capa.
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Seria interessante que o professor Estanque fosse mais preciso nas suas conclusões, e talvez concluísse que aqueles que mais poder de compra perderam, aqueles que viram as suas condições socio-económicas mais degradadas, aqueles que desde sempre estão sujeitos a despedimento, que desde sempre foram sujeitos a avaliação, que não dispõem de sistema de segurança social especial, que se reformam aos 65 anos, são outros. E que, se o Governo cedesse aos sindicatos da função pública a manutenção do stato-quo, o país continuaria bloqueado.
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Porque há razões para o país ter chegado à situação a que chegou e essas condições não foram, seguramente, criadas nos últimos anos. Vêm de longe. O professor Elísio Estanque sabe isso perfeitamente.
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Declaração de interesses - Não sou, nunca fui, não conto ser filiado em qualquer partido político. Sempre votei mas voto de acordo com a minha apreciação em cada momento de votar.
1 comment:
Caro Rui Fonseca,
Sei que ja passou algum tempo depois deste seu post, mas acontece que só agora dei com ele!
Ocorre-me portanto acrescentar o seguinte (além de reiterar aquilo que disse, nesse e em varios outros textos): é verdade que quem mais protesta e critica os governos (este e os outros) não são de modo nenhum os mais miseráveis (nunca o foram, nem no séc. XIX). Mas se pensarmos apenas em que há, de um lado, os funcionarios públicos, cheios de privilégios... e, de outro lado, os verdadeiros sacrificados, os trabalhadores da industria, etc., estaremos a ver mal o filme (além de objectivamente darmos razão ao discurso do poder). Ora, o que eu e muita gente tem visto é que o Governo serviu-se dessa ideia (de colocar uns contra outros) para justificar a necessidade das reformas e sacrificios, isto é empurrar tudo para um nivelamento por baixo (o que é m/ diferente das necessárias reformas na FP e de imprimir maior coerencia à meritocracia, o que concordo). Simplesmente a divisão real não é entre a FP e os outros; é sim entre os enormes privilégios dos que estão lá em cima, nas grandes empresas (mesmo as públicas) e os restantes. A classe média está a sentir isso na pele, e de que maneira... O Governo em vez de diabolizar os sindicatos, devia era perceber o que eles representam de descontentamento social (e note-se que eu sou muito critico tb do nosso sindicalismo). Quanto às taxas de popularidade do governo..., veremos o que dizem as proximas. Muito gostaria de ver o governo e o Dr Vieira da Silva a recuarem em aspectos fundamentais da legislação laboral, porque sem isso não haverá pacto com os sindicatos e sem isso as coisas irão descambar ainda mais... Mas não me move nenhum preconceito anti-PS (e até votei no eng Sócrates). Mas a continuar por este caminho dificilmente voltara a ter o meu voto...
cumprimentos
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