Friday, December 03, 2021

25 DE NOVEMBRO, SEGUNDO MÁRIO SOARES

 

BREVE REFLEXÃO SOBRE O 25 DE NOVEMBRO*

por Mário Soares

Passou na última 5a. feira o 35o. aniversário do 25 de Novembro de 1975.

A maior parte dos leitores jovens, desta breve crónica, talvez não saiba sequer do que se trata. E, no entanto, é, na história contemporânea de Portugal, uma data tão importante, para a afirmação da democracia  pluralista, pluripartidária, e civilista, que hoje temos, como a  Revolução dos Cravos.

Não tenho nenhum gosto de levantar polémicas passadas. Mas a verdade é  que a memória histórica não deve ser esquecida. Sobretudo, quando os  responsáveis de termos estado à beira da guerra civil, o Partido  Comunista e a Esquerda radical - lembremo-nos dos SUVs e do poder popular - nunca fizeram uma autocrítica a sério do seu comportamento  passado, como lhes competia. Pelo contrário, continuam a pensar - e às vezes a dizer - que o 25 de Novembro foi uma contra- Revolução, que impediu que Portugal fosse uma  Cuba europeia. Onde estariam hoje esses responsáveis - e os seus herdeiros - se tivessem ganho? Seguramente não viveriam tão bem e em paz  como hoje, felizmente, vivem.

Depois disso, o Mundo deu muitas voltas. Assistimos ao colapso do comunismo na URSS e nos Estados então satélites, como a queda do muro de Berlim, ao desaparecimento da cortina de ferro, ao fenómeno do  terrorismo islâmico, à invasão do Afeganistão, com o aval da ONU e à  guerra do Iraque - dois novos Vietnames - da globalização económica e, sobretudo financeira, e à crise do capitalismo financeiro especulativo, dito de casino. Trata-se, como sabemos, de uma crise global e profunda,  que nos atinge a todos, com maior ou menor incidência e que está longe  de ter passado.

O Mundo de hoje é muito diferente do de 1975. E a relação de forças internacionais mudou, com o aparecimento dos Estados emergentes. Tornou-se plurilateral e os blocos de Estados rivais pertencem ao passado. Quem nos diria que o Presidente da Rússia participaria numa  Cimeira da NATO e tornava o seu País, um parceiro fiável do Ocidente? Quem nos diria que Fidel Castro, agora sem papas na língua, reconheceria  que a experiência cubana fora - como se sabe - um tremendo fracasso? Contudo, a nossa Esquerda comunista e a radical, parece terem passado por tudo isto sem ter dado por nada, sem interiorizar qualquer reflexão, continuando a repetir os mesmos slogans de sempre. É triste! Porque contribui para inquinar o nosso futuro, já de si difícil e extremamente complexo. Diga-se, contudo, que o socialismo democrático também precisa de fazer uma séria autocrítica. E ainda não a fez. Pelo menos na Europa, onde se  deixou influenciar pelo colonialismo ideológico neo-liberal americano e  pela fantasiosa "terceira via" de Blair, de que já poucos se lembram. Foi o que levou a maioria dos Estados europeus ao conservadorismo acéfalo, que hoje nos governa, e está a arrastar a União para a  decadência e o descrédito.

É urgente, assim, que os europeus repensem a Esquerda e pressionem o  Partido Socialista Europeu e a Internacional Socialista a mudar o  paradigma de desenvolvimento, reafirmando a contrato social, os valores  éticos e a necessidade tão actual de medidas ambientais. Sem isso - tenhamos a convicção - marchamos a passos rápidos para a desagregação da União Europeia. O que seria uma tragédia para os países membros da  União, para a América e para o Mundo.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2010

* Publicado na Revista Visão  - vd. aqui

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