Wednesday, August 31, 2016

FUGA DOS BANCOS

-  Não, não tinha. Cada vez leio menos, cada vez vejo menos televisão, ouço rádio, música, agora só ouço música...
- Clássica?
- Agora, ouço mais Jazz.
- E fado, não?
- De vez em quando não faz mal nenhum ... e trabalho ...
- ...
- Já passei os setenta mas não páro. Não posso parar. Não sei fazer outra coisa. E não é pelo dinheiro que ganho. Por muito que gaste já não terei tempo para o gastar todo. E, sabe uma coisa? Tenho muito pouco dinheiro nos bancos. Só o essencial para o dia-a-dia. E não é por serem baixas as taxas de juro. Por enquanto, cá, tanto quanto ouço dizer, ainda são positivas. Pouco, mas ainda são positivas ...
- ...
- Não confio nos bancos. Há muito tempo que deixei de confiar nos bancos.
- Investe no imobiliário ...
- Não temos alternativa. Conhece outra alternativa? Que não passe pelos bancos, entenda-se. 
- Mas tem certamente alguma liquidez à sua disposição, para além dos depósitos à ordem, que, pelos vistos são mínimos ...
- Tenho, claro que tenho. Tenho dois cofres cheios!
- Grandes, suponho.
- Um pouco mais altos que eu. Herdámo-los, eu e o meu irmão, do nosso pai. Noutros sempos serviram para guardar os livros selados, as escrituras, as procurações, dessas coisas com que se governam os notários. E algum dinheiro, claro. Agora, estão repletos de notas.
- E não tem receio de assaltos? 
- Assaltos? Não. Ninguém se atreve, garanto-lhe, mas, desculpe, não lhe digo porquê.
- Não são devidas desculpas e, a mim, o conhecimento de técnicas de alta segurança não me serviriam de grande coisa. 
- Há tempos, um velho amigo meu, de longa data, perguntava-me o que deveria fazer às economias de uma vida inteira  porque, dizia-me ele, a juros não lhe rendem nada e, com os bancos a abanar, ainda corre o risco de ficar sem a massa. Compra casas, disse-lhe eu.
E, depois, se preciso do dinheiro de um momento para o outro? Na nossa idade, o risco de uma camoeca ou coisa pior aumenta de dia para dia. Não, casas, não.
- ...
- Então eu disse-lhe: Sabes o que faziam os frades para esconder os tesouros das igrejas das tropas do Napoleão? Enterravam-nos dentro de pipos do vinho debaixo das pocilgas dos conventos. O tipo ouviu, e calou-se. Depois, passou-se algum tempo sem que eu lhe pusesse a vista em cima, até que a semana passada me telefonou para almoçarmos. Tinha estado na Guarda, na quinta, antiga propriedade da família, a respirar ares puros ...
- E criar porcos?...
Não. Isso seria demasiado óbvio, e o meu amigo não é trouxa.
Estive a pensar naquela ideia dos frades, disse-me ele,  ... e vou meter o dinheiro, sabes aonde?
Não faço ideia nenhuma.
Eu digo-te:Vou passear.
Vais quê?
Vou passear. Dar voltas ao mundo já que não posso dar-lhe a volta.
Talvez seja boa ideia. Mas o que é que isso tem a ver com os frades?
Esses esconderam o ouro porque não tinham possibilidade de o trocar por patacos e fugir dos franceses.
- Calei-me.Calei-me porque, francamente, não sou capaz de deixar de trabalhar para dar voltas ao mundo.  Devo ter nascido para frade, o que é que v. acha?
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Correl . - Banks look for cheap way to store cash piles as rates go negative

 

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