Saturday, August 18, 2012

O AVAL DO BANQUEIRO

De vez em quando, mais frequentemente do que seria esperável, estoira um projecto tido por magnífico, que dinamizaria uma região deprimida, criaria muitos postos de trabalho, contribuiria para dar a volta à crise. A semana passada o Governo retirou os apoios a Alexandre Alves, conhecido pelo "Barão Vermelho" por "incumprimento" da  RPP Solar na construção de uma fábrica de painéis solares em Abrantes, um investimento de 1052 milhões. Quem fica, para já, com o investimento abortado nos braços é a Câmara de Abrantes (isto é, os contribuintes), que adquiriu os terrenos para os disponibilizar a quase custo zero ao empreendimento.  

Na mesma semana, a sociedade promotora do maior complexo turístico no Alqueva - SAIP, Sociedade Alentejana de Investimentos e Participações -, liderada por José Roquette, apresentou quatro pedidos de insolvência em tribunal:  SAIP, Sgps; a SAIP Turismo; a Monte das Areias - Gestão Cinegética e Turística; e a Sociedade Imobiliária Lagoa do Alqueva.

Segundo o JN online de ontem, e o Expresso de hoje, José Roquette voltou acusar a CGD de não apoiar investimentos estratégicos, perguntando "porque é que se mantém público um banco que não dá apoio a investimentos privados que o accionista Estado considera de interesse estratégico para relançar a economia".

Mas o que travou os projectos de Roquette para o Alqueva foi a continuidade da exigência da Caixa de um aval pessoal do empresário que a SAIP (entenda-se Roquette)  "considera "incomportável", argumentando que "a CGD, tal como o BPI fez, financiava o projecto e não pessoalmente o accionista, dispondo-se a correr o risco pelo qual é, e seria, remunerada, assim cumprindo a sua função de instituição bancária".

Antes de se dedicar a outras actividades, José Roquette foi banqueiro e não ignora que a exigência de garantias pessoais é uma quase constante nos empréstimos bancários em Portugal salvo se o tomador do empréstimo oferece garantias reais consideradas suficientes de reembolso dos compromissos assumidos. Pelos vistos, não é esse o caso, e José Roquette reconhece isso mesmo ao declarar que pretendia que a CGD corresse o risco incalculado do projecto limitando o risco de José Roquette aos capitais por ele investidos. É, aliás, elucidativa desta intenção a missão que Roquette atribui à Caixa enquanto banco do Estado: o de assumir o risco de projectos privados com interesse estratégico relevante. Não por ser banco, mas por ser um banco do Estado.
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Mas é público e notório que:

. Nem sempre a Caixa salvaguardou convenientemente o reembolso dos capitais emprestados e são conhecidos vários casos gordos em que a sua intervenção desastrada foi comandada por razões políticas ou outras de natureza conivente; por esses motivos, o banco do Estado, que é o maior colector das poupanças dos portugueses, está a recorrer a empréstimos avalizados pelos contribuintes para se recapitalizar;

. A generalização da prática de avales pessoais, que atinge sobretudo os créditos pessoais (habitação, por exemplo) e os pequenos e médios empresários, é também uma das razões pelas quais os bancos (e, nomeadamente a Caixa) não dispõem, e não se vêm obrigados a dispor, de capacidade técnica para avaliar o mérito dos projectos que lhes são submetidos para financiamento.

. A perseguição aos avalistas tem condenado muita gente a uma vida inteiramente hipotecada.  

. Não há em Portugal um, um só que seja, banco de investimento, digno desse nome.

. Roquette terá alguma razão, sobretudo porque parece ter sido surpreendido com uma mudança de intenções dos gestores da Caixa quando o projecto já avançava, mas não pode ignorar o que se passa no país onde já foi banqueiro.

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