Saturday, September 13, 2008

O GEBO E O ESPELHO


Não é verdade que uma imagem valha mais que mil palavras, mas é verdade que há imagens que sugerem milhares delas. As imagens de "Aquele querido mês de Agosto", o filme de Miguel Gomes que esteve na semana dos realizadores em Cannes, sugerem muitas e diversas leituras, e é nessa sugestão, mais do que nas fotografias, quase sempre muito bem conseguidas, que reside, do meu ponto de vista, o maior valor do filme. Dele, retiro para aqui, apenas dois tópicos.
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O Moleiro, personagem real, como quase todos os personagens deste filme que acabou por ser, sobretudo, um longo documentário da vida na área de Arganil, é referido frequentemente pelos seus conterrâneos, que lhe admiram a coragem louca de saltar para o Alva do cimo da ponte no dia de Carnaval, e ter sido atropelado por uns marroquinos a quem ele havia surripiado um casaco, depois de muito instado por eles a comprar um. Para lá dessas proezas, o Moleiro embebeda-se sistematicamente aos fins-de-semana.
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A música pimba que preenche grande parte da reportagem.
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E pergunto-me: Estamos perante um Portugal segregado pelo isolamento ou de uma amostra de Portugal inteiro? Que tipo de heróis chamam os portugueses às suas conversas, que cultura exige a televisão que temos? Que música abrilhanta as festas dos caloiros e das queimas das fitas, que melhor marca de sucesso de imersão total na grande paródia que um coma alcoólico? Entre os que admiram e badalam o salto do Moleiro no Alva e aqueles que se envolvem nas atrocidades das praxes académicas quem é mais imbecil?
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Quem está ao espelho de "Aquele querido mês de Agosto"? Também alguma gente de Arganil.

4 comments:

António said...

Está a ficar pessimista, ou mudou de ares?
Nas suas idas ao concerto em Sintra, em que as coisas atrasam à espera do vereador do cemitério e do lixo, encontra ou não a mesma coisa que em Arganil? Encontra, mas com outra roupa.
Se o meu amigo arregaçar as mangas e for até à feira da Tocha, durante a hora do almoço, encontrará semelhanças com a Albânia profunda ou com a Côte D'Azur?
Temos o que temos, somos o que somos e mesmo no S. Carlos não largamos a chico espertice.
Mas sabe o que é o pior de tudo isto, para mim?
Para mim, o pior não é sermos assim. É já termos sido melhores, mais labregos puros, e termos piorado, apesar dos bons exemplos que podemos copiar mas não queremos. Para eplicar melhor eu dou-lhe um exemplo:
Um Tuga emigrado na Suiça ou no Luxemburgo, lá, não deita lixo para o chão, é asseadinho e respeitador. Vem cá de férias e que faz? Vai deitar fora, no pinhal a caixa do electrodoméstico que trouxe consigo, abre o contentor do lixo, atira para lá o aco e não volta a fechar, merenda no pinhal e deixa lá ficar os restos, dependurados num pinheiro.Aproveia para abandonar por cá o gato velhote, ou cão. Faz uma visita à mãe de 90 anos que abandonou num "lar". Atira as fraldas do puto, a garrafa de água vazia, a lata de fanta, pela janela do automóvel em andamento.
Lá não fazem isso. Cá, é o que se vê. Ninguém nos endireita. Temos os genes do Viriato, inteirinhos. Não mudámos nada desde aí.Por dentro, claro.

Espero ter contribuído mais um pouco para o seu pessimismo. Começamos a entender-nos.

Rui Fonseca said...

António,

Eu não culpabilizaria tanto os emigrantes.

E também não tenho uma visão tão pessimista. Apesar de tudo, este país melhorou bastante. Há retrocessos? Alguns, certamente. Como, aliás, um pouco por todo o mundo.

Mas, inquestionavelmente, há muitas coisas que nos envergonham.
Quem tenha vergonha, já se sabe.

António said...

Boa noite,
Eu não culpabilizo os emigrantes todos. Dei como exemplo um comportamento diferente, conforme o ambiente. Nos países educadinhos e limpinhos, somos limpinhos e muito educadinhos, cá, na balda, é tudo à balda, nem esses, felizmente não são todos, escapam.
Ao mencionar os emigrantes, sei que fui injusto ao metê-los todos no mesmo saco.

Rui Fonseca said...

Mas tem razão quanto aos maus exemplos.

Era aí que queria chegar: São, sobretudo, as elites (ou futuras) deste país que dão maus exemplos ao "povo".

Já aqui escrevi que no local onde moro, e onde há muita gente que era suposto portar-se com civismo, muitos residentes colocam os carros em cima dos passeios.

Que faz a malta que vem cá prestar serviços de pedreiro, etc.? Que fazem os imigrantes que aqui trabalham? O mesmo, evidentemente.