Friday, July 25, 2014

SANTA CLARA-A-VELHA

Santa Clara-a-Velha esteve semi soterrada por séculos de assoreamentos do Mondego quando o curso das suas águas não estava regularizado pela barragem da Aguieira. O "basófias" agigantava-se geralmente a partir de finais de Setembro depois de se ter encolhido a níveis mínimos, ficando quase invisível no pino do Verão ao passar por Coimbra. Uns quilómetros mais abaixo, quando o Inverno se antecipava, inundava os arrozais até princípios da década de 80 do século passado,  obrigando  os agricultores a ceifarem de barco  as espigas quase afogadas. Aos arquitectos do século XIII passaram despercebidos os caudais de terras e calhaus que o rio arrastava das serras e depositava quando o seu curso se aplanava subindo-lhe os níveis do leito. Aperceberam-se as clarissas, franciscanas, quando as águas começaram a inundar-lhes o Convento e a obrigarem à mudança de instalações para Santa Clara-a-Nova, no cimo do monte sobranceiro. Nesse dia, começou o enterramento secular de Santa Clara-a-Velha e a invasão dos silvados. Considerado monumento nacional em 1910, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha só em 2009 viria a ser aberto ao público após trabalhos de arqueologia, remoção de terras, recuperação possível e reconstrução sem lhe retirar carácter, um trabalho notável, merecedor de vários prémios, que merece ser visitado.


Não escapam, contudo, ao visitante menos espantado com as colagens recentes, alguns aspectos menos merecedores de aplauso. Desde logo, a entrada para a visita às ruínas do convento colocada no lado oposto do vasto logradouro não é convidativa a quem passa pelas principais vias de onde se lobriga o monumento. Isolado da malha urbana, a entrada escondida e distante aumenta-lhe o isolamento. 

Passada a porta de acesso, sobe o visitante para um edifício sobrelevado, projectado para materiais pretensiosos, dedicado a bilheteira, loja, bar, sala de visionamento de um vídeo explicativo, sala de exposição permanente de peças recuperadas durante as escavações ou alusivas à vida em clausura monacal, e ainda outra de exposições temporárias, de bordados de Castelo Branco, quando passámos por lá. Entre a estrutura elevada do edifício e o solo estão depositadas as pedras que escaparam aos desvios cometidos ao longo dos séculos e agora não têm com quem dialogar. Vistas as exposições e o vídeo, tem o visitante de percorrer não menos que uns trezentos metros por passadeiras de materiais igualmente pretensiosos, desenquadrados dos votos daquelas que há quase oitocentos anos habitaram o convento. No começo da jornada pode o visitante descer por rampa do mesmo estilo para visitar uma horta meio abandonada. Chegados à frente das ruinas,  surpreende-nos no lado direito da frente principal do convento um elevador exterior, qual cogumelo de aço gigante, que liga a entrada ao nível do solo com a saída ao nível do terreno adjacente. Podiam os acessos ser muito mais curtos, de laje de pedra ou terra batida e com desnível suficiente para evitar o insólito elevador, que um dia destes deixará de funcionar por falta de verba para a manutenção?

Podiam, mas não haveria o requinte do provincianismo que põe o pagode de boca aberta, dá votos, e faz as delícias de alguns arquitectos e construtores civis.

2 comments:

IsabelPS said...

Não sei se há outras razões mais sérias, tais como as escavações estarem a meio. Se bem percebi, toda aquela área debaixo desses passadiços será umdia (espera-se!) posta à vista.

Rui Fonseca said...

Obrigado, IsabelPS, pelo seu contributo.
Talvez um dia, espera-se.

Mas nada justifica, penso eu, a instalação daquelas longas e exóticas passadeiras, a não ser o provincianismo de alguns arquitectos e os interesses de políticos e empreiteiros.

Aquelas passadeiras não protegem certamente a preservação do que possa encontrar-se ainda soterrado. Mas ainda que essa fosse uma razão atendível, por que afastaram tanto a entrada no monumento dos acessos mais visíveis e frequentados? Pelos visitantes do "Portugal dos Pequenitos", por exemplo.