Friday, July 04, 2014

O VALOR DAS COISAS

Ia a subir a Rua do Alecrim, estava adiantado em tempo, entrei num dos antiquários para gastar algum. Durante os cinco, dez minutos, em que percorri o olhar pelas estantes de livros e pelas poucas peças expostas, um cliente, octogenário, pelo menos, de corpo franzino, cabelo raro e branco, de indumentária clássica, colocou em cima do balcão uma meia dúzia de livros de aspecto bastante coçado. Quando deu por terminada a colheita, pediu a conta e mandou embrulhar. São dez euros, ouvi dizer ao vendedor, ao mesmo tempo que lhe enfiava as obras num saco de plástico branco. Cumprimentaram-se, o cliente saiu, e eu, obrigado, bom dia, saí pouco depois.

Já na rua, reparei que o comprador olhava encantado para o interior do saco. Que livros teria comprado, não sei. Pelo preço pago seriam monos que o dono do estabelecimento terá ficado satisfeito de ver pelas costas. Pela satisfação estampada na cara do ancião, calculo que ele teria pago muito mais se o vendedor tivesse podido avaliar o tamanho do seu interesse.

Há uns bons anos atrás, aconteceu-me precisar de um livro que fazia parte de uma colecção editada pelo então INII (Instituto Nacional de Investigação Industrial). Estava esgotadíssimo. Procurei-o em todos os alfarrabistas da cidade, sem sucesso. Um dia, ao atravessar a rua em direcção ao restaurante onde costumava almoçar, reparei que, do outro lado, um pouco abaixo, à direita, havia um atado de vários livros, coisa que, vim a saber depois, pesava cerca de 20 quilos, e, no topo, o famigerado livro, novinho em folha, que eu procurara durante semanas em vão. Pertencia o lote a um pobre homem que ganhava a vida a recolher papeis velhos para reciclagem, que não demorou a aparecer.

- Pode vender-me esse livro?
- Qual deles?
- Esse, esse que está mesmo em cima.
- Esse só, não vendo.
- Então?
- A vender, vendo-os todos.
- Hum! Não preciso de todos. Só preciso desse.
- Percebo. Mas eu ou os vendo todos ou nenhum.
- E quanto me custariam todos?

O homem pegou no fardo pela corda que o abraçava, flectiu o braço duas vezes a avaliar-lhe o peso e disse, - São vinte e cinco tostões, não vendo por menos. 
Dei-lhe mais. Para quem não esteja identificado com a moeda da transacção, vinte e cinco tostões era a designação popular de dois escudos e cinquenta centavos. Um almoço aceitável, num restaurante popular, naquele tempo, custava cerca de trinta escudos.

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