Saturday, May 30, 2009

TAJINE *

Tajine é, provavelmente, o objecto mais emblemático da população berbere, aquela que maioritariamente habita o deserto e as montanhas de Marrocos. Para além do nome do mais popular apetrecho de cozinha, Tajine é também o nome de uma formação rochosa, com uma silhueta idêntica. Foi o tacho que deu o nome ao monte ou este que sugeriu o nome daquele?

Como em qualquer blog, este conjunto de fotografias e comentários arruma-se por datas. Apesar de datado automaticamente em 30 de Maio, dia em que saímos de Lisboa, a série mais recente corresponde ao dia de ontem, 7 de junho, e assim para atrás. Sugere-se pois, a sua leitura a partir do conjunto redatado a 31 de Maio.

JUNHO, 7


tagine










Manifestação de apoio a um partido concorrente às eleições de bairro em Marraquexe. Os eleitos pelos bairros elegem o "maire" da cidade e os representantes na Câmara de Deputados em Casablanca. Perguntei porque razão os manifestantes eram sobretudo mulheres. Foi-me dito que os manifestantes são pagos pelos candidatos e as mulheres têm mais necessidade de ganhar aquele dinheiro por falta de outras alternativas no mercado de trabalho.
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Ao lado, um corredor do suk.
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Ao lado, acima, cobertura do mercado na praça principal de Marraquexe.
Em baixo vasilhame feito com pneus gastos à venda no suk.



















Babuchas








Couscous
JUNHO, 5
VALE DAS PALMEIRAS



Nas ruas das aldeias nas montanhas, geralmente, não se vêm adolescentes femininas. Admito que tenham instruções para regressar a casa logo que terminem as aulas. Mas já é frequente encontrarem-se rapazes de 11, 12 anos, geralmente em grupos de dois ou três, ao longo das ruas. O índice de natalidade geral em Marrocos é de 3 filhos mas entre a população berbere são ainda frequentes as famílias com 7 ou 8 filhos. Esta elevada proliferação encontra justificação, para além das razões sociológicas, razões económicas perceptíveis num conjunto de comportamentos familiares convergentes: Os pais vêm nos filhos, homens, que emigram para as grandes cidades ou para o estrangeiro uma forma de garantia de rendimento sob a forma de remessas do exterior. Para garantir o vínculo à aldeia os varões são casados com quem as suas mães escolherem e inspeccionarem. As mulheres casadas não acompanham, normalmente, os maridos emigrados.


O vale das palmeiras é um longo oásis de cerca de 1200 quilómetros com largura variável entre cerca de 400 metros e 4 quilómetros.

Detalhe de um tecto numa Kasbah parcialmente em ruinas.































Na Kasbah viviam, para além do paxá e das suas mulheres todos os funcionários e suas famílias.

A poligamia ainda hoje subsiste nas aldeias da montanha, ignorando os chefes das aldeias a lei que a proibe.















Nas montanhas abrem-se frequentemente canyons abertos pelos glaciares que por ali se passearam há milhões de anos. As formações geológicas do deserto e das montanhas da cordilheira do Atlas devem ser delícias para qualquer geólogo. A presença de seixos rolados em pleno deserto é testemunha da presença de grandes correntes de água desaparecidas.

JUNHO, 4

DUNAS
















Quem vai à procura de grandes extensões de dunas fica decepcionado. Deve ir a outro lado.
Mas não deixa de ser um ambiente imenso de grandeza e tranquilidade.



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Ao fundo parece haver um lago, mas é uma miragem que não engana camelos.



JUNHO, 3
VIDA NO DESERTO


































Palmeiras

"acácia espinhosa"














clicar para aumentar as imagens















arganier

Do arganier, que frutifica uma baga semelhante a uma azeitona (segunda fotografia acima a contar de baixo) extraem-se óleos utilizados em produtos cosméticos.

JUNHO, 2



























































O berbere que vive nas montanhas sai de manhã de casa, normalmente uma vez por semana, para se abastecer na cidade mais próxima. Volta a casa com a carga a comprada ainda antes do meio dia. Não se vêm mulheres nestas deslocações.

Nas grandes cidades, como é o caso de Marrakech, com mais de 1 milhão de habitantes, o burro é frequentemente utilizado no transporte de cargas.















JUNHO, 1

BERBERES

Saímos de Marrakech a caminho do deserto, e o guia, que é berbere, irá passar a viagem a encarecer as virtudes do povo a que pertence e não esconderá alguma animosidade, sobretudo quando ela lhe é despertada, contra a maioria árabe a que pertence a élite que domina o país. Aliás, esse sentimento recalcado de submissão levou-o a firmar que, da população marroquina total, 1/3 seria árabe e 2/3 berbere quando, na realidade, dos cerca de 32 milhões de habitantes, cerca de 70% são árabes e 30% berberes, não atingindo as restantes etnias mais que 1%.


Uma grande parte dos berberes vive ainda nas montanhas em casas de pisé, uma amálgama de barro e aparas de palha, e sustenta-se do que cria nos vales cavados percorridos no Verão por fios de água que se avolumam no Inverno. Nas encostas pastoreiam-se caprinos, o animal também mais visto no deserto. Os camelos regalam-se hoje, quando as cargas já chegam a quase toda o lado em viaturas, sobretudo com as funções de atracção turísitica, deixando para os burritos (tal e qual), e também para as mulheres, o transporte de cargas entre distâncias curtas.

Foram estes povos berberes, que depois de dominados e convertidos pelos muçulmanos árabes, participaram na conquista e ocupação da Penínusula Ibérica a partir de 711.
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A propósito, escreveu Vasco Botelho de Amaral: «Lembrarei também o facto curioso de se designar com a palavra Mouros ou Moiros os Muçulmanos que estiveram dominando a Península. Propriamente, Mouros refere os naturais da Mauritânia, isto é, os da região do norte africano correspondente ao Marrocos actual na maior parte. Quando se deu a invasão da Península, além de Mouros propriamente ditos, outros invasores se contavam no número dos Muçulmanos, isto é, no número dos que, seguindo a doutrina do alcorão, por ela vinham conquistar o território hispânico. Nestas condições, a exactidão pediria que lhes chamássemos Muçulmanos, e não apenas Mouros.Todavia, a palavra Mouros ou Moiros entrou para sempre na língua com o significado genérico de Muçulmanos.O nosso povo, diante de ruína antiga, diz que “é do tempo dos Mouros”. E dizemos todos — moiras ou mouras encantadas, e não… muçulmanas encantadas, o que seria exacto, porém cómico» (A Bem da Língua Portuguesa, edição da «Revista de Portugal», Lisboa, 1943, p. 81).
MAIO, 31






















O Jardim Majorelle em Marrakech é uma das referências culturais e turísticas mais relevantes da segunda cidade de Marrocos. Criado por Jacques Majorelle, um pintor francês nascido em Nancy em 1886 e falecido em Paris em 1962, foi adquirido e restaurado por Ives Saint Laurent, natural de Oram, e o seu companheiro Pierre Bergé . Actualmente, é propriedade de uma fundação que assegura a sua continuidade.

Mesmo para os menos entendidos na arte, como é o meu caso, é visível que por detrás da riqueza botânica que este jardim contém se encontram elevados graus de competência científica, técnica e estética que fazem do jardim Majorel um ambiente único, que se situa a pouca distância do bulício semi medieval do suq, o maior mercado tradicional de Marrocos, dentro dos muros da medina.
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* Tajine é o nome de um prato tradicional árabe confeccionado num recipiente de barro vermelho vidrado que tem o mesmo nome.

4 comments:

aix said...

Rui,parabéns pela bela reportagem; deve ter sido um passeio bem cultural (talvez também turístico).A mim motivou-me para rever um pouco da história da ocupação árabe da Península e lembrar o (re)lido "Eurico,o presbítero".Aproveito para dizer-te que o almoço correu bem e o próximo é a 7 do 7. Abç

Luciano Machado said...

Caro Rui
Óptima reportagem; só gotava de perceber melhor a tua desilusão face ao que viste ou por outra o que é que esperavas de melhor.
Abraço
LM

Rui Fonseca said...

Grande Francisco!

Obrigado por me desculparem o esquecimento.

Quanto ao ambiente romanceado por Herculano é difícil percebê-lo andando pelo Magreb de hoje.

Como é que aquela gente atravessou o estreito, bateu os visigodos e dominou a Península, militar e culturalmente, recuou tanto no tempo depois de recuar ao seu anterior espaço?

Rui Fonseca said...

Caro Luciano,

Eu não vim desiludido porque não esperava que fosse muito diferente.

De qualquer modo, o deserto não me fascinou assim tanto, talvez porque as dunas não são assim tão grandiosas, o céu estava nublado, a lua quase cheia, e a luz era fornecida por um gerador que fez barulho até às onze da noite. O que poderia ter sido evitado com umas lâmpadas alimentadas gás.

Depois desconforta-me ver aquela sociedade onde mulheres, não todas, escondem a cara na rua.