A absurda ideia da redução de salários
Avelino de Jesus
Avelino de Jesus
A redução de salários tem muitos defensores, quer como política pública ou como solução de gestão empresarial. Esta ideia aparece entre nós recorrentemente, como proposta para grande parte dos nossos problemas, à medida que este ou aquele se vai agudizando. Na presente situação, com a pressão dos nossos endividamentos vários, agora cruamente expostos pela crise internacional, voltam a aparecer, insistentemente e de vários quadrantes, bolorentas sugestões de redução dos salários. Esta é uma ideia socialmente injusta mas, sobretudo, é uma proposta economicamente absurda. Esta solução, que corremos o risco de ver ensaiada, terá consequências fortemente negativas do ponto de vista económico.O argumento avançado pelos seus defensores é o alegado desfasamento entre os salários e a produtividade. Mas, atente-se nos dados de base sobre a produtividade e os custos do trabalho que figuram no quadro ao lado. O custo médio da hora de trabalho é em Portugal de €11/hora, contra €22,4 em média na Europa. Por sua vez, a produtividade aparente do trabalho é $27,3/hora em Portugal e $43,3 entre os nossos parceiros europeus. A produtividade representa 63% do nível médio europeu enquanto o custo do trabalho atinge apenas 49% da média da Europa. É certo que o salário médio por hora cresceu em Portugal 52,7% desde 1996, contra 38,3% na UE a 15. No entanto, este movimento deveu-se, sobretudo, ao processo de convergência de preços e não representa um verdadeiro aumento de salários reais. As causas da baixa produtividade não residem nos salários, mas nas componentes não salariais dos custos de produção e na qualidade da gestão. Considerando os mecanismos económicos relevantes, os salários baixos são uma das causas profundas da baixa produtividade e não o contrário. A produtividade aparente do trabalho resulta mais da organização e opções empresariais do que da habilidade intrínseca do trabalhador. A produtividade é, acima de tudo, um problema da gestão como o atestam as enormes - e às vezes espectaculares - diferenças que registamos entre as nossas empresas. Num número muito significativo de casos, mesmo com pessoal com reduzida educação formal - porém, sujeitos a adequados enquadramento e formação interna - os trabalhadores propiciam à empresa fortes produtividades. A desculpa da falta de formação e da alta dos salários é isso mesmo - frequente escapatória para a má gestão empresarial e as péssimas políticas públicas. Trata-se, portanto, de uma solução que reforça os empresários e os gestores menos competentes, protege as empresas menos competitivas e desincentiva a melhoria da produtividade pelo recurso a novas técnicas de gestão e a tecnologias mais adequadas e exigentes. A absurda ideia em curso convém aos gestores pouco exigentes e também a um crescente número de agentes políticos com as pulsões estadistas ao rubro. A estes é altamente conveniente porque, ingenuamente, lhes parecem uma solução para o terror do défice externo em que só recentemente começaram a acreditar. Por outro lado, a ideia permite fazer passar novas e mais profundas intervenções do Estado: mais excepções, isenções e subsídios de toda a espécie, visando o apoio, precisamente, aos necessitados devido aos baixos salários. A falta de liberdade no mercado de trabalho tem sido um importante factor de repressão salarial. Criou-se e expandiu-se a ideia da preferência pela segurança em vez da liberdade e da mobilidade. Aqui as vetustas corporações, tanto sindicais como patronais, têm estado tacitamente de acordo no essencial: baixos salários em troca de um mercado altamente regulado e protegido.Não estamos em presença de uma realidade que requeira uma intervenção, pública ou outra, visando a redução ou a moderação salarial. Pelo contrário, a intervenção necessária aponta em sentido inverso: ruptura franca com o modelo de baixos salários e rigidez laboral. Esta ruptura decorre do correcto diagnóstico das causas da baixa competitividade. Infelizmente, sendo demasiados os que pensam e agem apoiando-se no diagnóstico errado, poderão aproximar-se ainda piores tempos para os salários e a produtividade em Portugal.
Director do ISG - Instituto Superior de Gestão
Publicado em 28/4/2009 em Jornal de Negócios Online
1 comment:
"a intervenção necessária aponta em sentido inverso: ruptura franca com o modelo de baixos salários e rigidez laboral"
Há um modelo de baixos salários?
Há uma situação de facto que caracteriza uma parte da economia portuguesa, que não decorre de um modelo optado mas da confluência de razões várias e, geralmente, antigas.
Um modelo pode abandonar-se, uma estrutura sedimentada tem que remover-se mas não é facilmente removível.
"(rupura) da rigidez laboral"
Subscreve-se. Mas, só por si, não resolve. A médio prazo determinará salários menores, aquilo que o autor principalmente contesta.
O que é, nestas circunstâncias, contrariamente à rejeição principal do autor, socialmente mais injusto por atingir, como refere VB em "Perceber crise..." sobretudo os sectores de transaccionáveis, marginalizando-os ainda mais.
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