Tuesday, May 27, 2008

SOARES E OS POBRES


O artigo que Mário Soares assina hoje no Diário de Notícias - Pobreza e Desigualdades é o exemplar mais acabado da conversa redonda com que se entretêm os que não têm que decidir. Partindo de realidades que ninguém, honestamente contesta, Mário Soares embrulha-se depois em conclusões contraditórias e remata com o "aviso de amigo": mudem de rumo ou podem perder as eleições. Propostas de acções concretas, não faz nenhuma.
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Ontem, nos Açores, Manuel Alegre entendeu avisar também os seus camaradas socialistas: não é com estatísticas que se resolvem os problemas do mundo, a política necessita também de poesia. E para dar o seu contributo consonante com o aviso publicou mais um livro de poemas.
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Também ontem, no Prós e Contras, tendo por tema - Como sair disto? - Medina Carreira voltou a querer demonstrar com dois gráficos que vivemos no pior dos mundos e, pior ainda, pior que nunca. Quando perguntado por onde via saída disse que imporia um imposto adicional sobre os rendimentos que excedessem duas ou três vezes os do Presidente da República. Criticou (e com razão) a ineficiência do sistema judicial mas não sugeriu uma medida curativa de um dos factores mais repulsivos do investimento em Portugal; Sérgio Ribeiro levou consigo uma edição recente das obras de Lenine atadas com fita de presente de Natal. Invocou Marx e Engels, o mundo capitalista está a ir para onde eles previram que iria; Nogueira Leite disse que o governo deveria pagar a quem deve, são cerca de três mil milhões de euros, não custa nada pagar, o défice não buliria sequer com isso. E é burrice, segundo este Leite, manterem-se os preços dos combustíveis acima dos facturados em Espanha; Teodora Cardoso explicou porque estamos atrasados e porque dificilmente poderia ser de outra forma. Saída? Não há outra senão esperar que a crise passe; Basílio Horta, que fez questão de sublinhar que continua a ser do CDS, fez também questão de defender o governo e arreliar Medina Carreira com um discurso oposto ao deste conhecido pessimista militante. Quando o programa acabou, já passava da uma da manhã, (apesar de comprido foi dos menos extensos da série) a saída estava por descobrir.
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Façamos, portanto, como recomenda Teodora Cardoso, e já recomendava o macaco sábio da anedota: Quando me assalta a vontade de trabalhar, encosto-me a um canto e deixo que a vontade passe. É uma proposta. E uma proposta é melhor que nenhuma.
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Não posso dizer que tenha ficado surpreendido com o Relatório da União Europeia (Eurostat) e o trabalho, coordenado pelo Prof. Alfredo Bruto da Costa, do Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS), intitulado "Um olhar para a pobreza em Portugal", divulgados há dias, que coincidem em alertar para o facto de a "pobreza e as desigualdades sociais se estarem a agravar em Portugal". Surpreendido não fiquei. Mas chocado e entristecido, isso sim, por Portugal aparecer na cauda dos 25 países europeus - a Roménia e a Bulgária ainda não fazem parte da lista - nos índices dos diferentes países, quanto à pobreza e às desigualdades sociais e, sobretudo, quanto à insuficiência das políticas em curso para as combater. Recentemente, cerca de 20 mil cidadãos portugueses, impulsionados pela Comissão Justiça e Paz, dirigiram à Assembleia da República um apelo aos legisladores para aprovarem uma Lei que considere a pobreza uma violação dos Direitos Humanos. Foi uma manifestação de consciência cívica e de justa preocupação moral - que partilho - quanto à pobreza crescente na sociedade portuguesa. E acrescento: a revolta quanto às escandalosas desigualdades sociais, que igualmente crescem, fazendo de Portugal, trinta e quatro anos depois da generosa Revolução dos Cravos, o país da União Europeia socialmente mais desigual e injusto, ombreando, à sua escala, naturalmente, com a América de Bush... Ora, a pobreza e a riqueza (ostensiva e muitas vezes inexplicável) são o verso e o reverso da mesma moeda e o espelho de uma sociedade a caminho de graves convulsões. Atenção, portanto. Eu sei que o mal-estar social e as dificuldades relativas ao custo de vida que, hoje, gravemente afectam os pobres, mas também a classe média - e se tornaram, subitamente, muito visíveis, por força da comunicação social - vêm de fora e têm, evidentemente, causas externas. Entre outras: o aumento do preço do petróleo, que acaba de atingir 135 dólares o barril; a queda do dólar, moeda, até agora de referência; o subprime ou crédito malparado, em especial concedido à habitação (a bolha imobiliária); a falência inesperada de grandes bancos internacionais e as escandalosas remunerações que se atribuem os gestores e administradores; o aumento insólito do preço dos géneros alimentares de primeira necessidade (cereais, arroz, carne, peixe, frutas, legumes, leite, ovos, etc.); a desordem geostratégica internacional (com as guerras do Afeganistão, do Iraque e do Líbano, a instabilidade do Paquistão, o eterno conflito israelo-palestiniano e as guerras em África); o desequilíbrio ambiental que, a não ser de imediato corrigido, põe o Planeta em grande risco; a agressiva concorrência dos países emergentes, que antes não contavam; etc...Tudo isto configura uma situação de crise profundíssima a que a globalização neoliberal conduziu o Mundo, como tantas vezes disse e escrevi. Uma crise financeira, em primeiro lugar, na América, que está a alargar-se à União Europeia, podendo vir a transformar-se, suponho, numa crise global deste "capitalismo do desastre", pior do que a de 1929. Uma crise também de civilização que está a obrigar-nos a mudar de paradigma, tendo em conta os países emergentes, e os seus problemas internos específicos, uma vez que o Ocidente está a deixar de ser o centro do mundo. Não alimentemos ilusões. Claro que com o mal dos outros - como é costume dizer--se - podemos nós bem. É uma velha frase que hoje deixou, em muitos casos, de fazer sentido. Vivemos num só Mundo em que tudo se repercute e interage sobre tudo. No entanto, no nosso canto europeu, deveremos fazer tudo o que pudermos, numa estratégia concertada e eficaz, para combater a pobreza - há muito a fazer, se houver vontade política para tanto - e também para reduzir drasticamente as desigualdades sociais. Até porque, como têm estado a demonstrar os países nórdicos - a Suécia, a Dinamarca, a Finlândia - as políticas sociais sérias estimulam o crescimento, contribuem para aumentar a produção e favorecem novos investimentos. Este é o objectivo geostratégico para o qual deveremos caminhar, se quisermos evitar convulsões e conflitos. Depois de duas décadas de neoliberalismo, puro e duro - tão do agrado de tantos que se dizem socialistas, como desgraçadamente Blair - uma boa parte da Esquerda dita moderada e europeia parece não ter ainda compreendido que o neoliberalismo está esgotado e prestes a ser enterrado, na própria América, após as próximas eleições presidenciais. A globalização tem de ser, aliás, seriamente regulada, bem como o mercado, que deve passar a respeitar regras éticas, sociais e ambientais. Em Portugal, permito-me sugerir ao PS - e aos seus responsáveis - que têm de fazer uma reflexão profunda sobre as questões que hoje nos afligem mais: a pobreza; as desigualdades sociais; o descontentamento das classes médias; e as questões prioritárias, com elas relacionadas, como: a saúde, a educação, o desemprego, a previdência social, o trabalho. Essas são questões verdadeiramente prioritárias, sobre as quais importa actuar com políticas eficazes, urgentes e bem compreensíveis para as populações. Ainda durante este ano crítico de 2008 e no seguinte, se não quiserem pôr em causa tudo o que fizeram, e bem, indiscutivelmente, para reduzir o deficit das contas públicas e tentar modernizar a sociedade. Urge, igualmente, fortalecer o Estado, para os tempos que aí vêm, e não entregar a riqueza aos privados. Não serão, seguramente, eles que irão lutar, seriamente, contra a pobreza e reduzir drasticamente as desigualdades. Já uma vez, nestes últimos anos, escrevi e agora repito: "Quem vos avisa vosso amigo é." Há que avançar rapidamente - e com acerto - na resolução destas questões essenciais, que tanto afectam a maioria dos portugueses. Se o não fizerem, o PCP e o Bloco de Esquerda - e os seus lideres - continuarão a subir nas sondagens. Inevitavelmente. É o voto de protesto, que tanta falta fará ao PS em tempo de eleições. E mais sintomático ainda: no debate televisivo da SIC que fizeram os quatro candidatos a Presidentes do PPD/PSD, pelo menos dois deles só falaram nas desigualdades sociais e na pobreza, que importa combater eficazmente. Poderá isso relevar - dirão alguns - da pura demagogia. Mas é significativo. Do que sentem os portugueses. Não lhes parece?...

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