Friday, October 09, 2015

O SEM FIM DO HOMEM SOVIÉTICO

A Academia Sueca decidiu atribuir este ano o Nobel da Literatura a Svetlana Aleksievich, notabilizada  pela sua obra de investigação jornalística.

Dificilmente escapará esta atribuição a ser, como não raras vezes o foi no passado, conotada com  motivações  políticas. Desde logo por uma parte muito significativa da população russa, que, segundo Svetlana Aleksievich venera Putin como venerou Stalin. A Rússia não dispensa um czar.

Numa altura em que as relações entre o ocidente e a Rússia voltaram a confrontar-se em várias linhas vermelhas, o Nobel deste ano, independentemente do mérito literário da obra da escritora bielorrussa, recorda-nos as atribulações de escritores distinguidos com o Nobel durante o perído soviético. Boris Pasternak, Nobel da Literatura em 1958, não foi autorizado por razões políticas a receber o prémio; a Alexander Soljenítsin, Nobel em 1970, foi retirada a nacionalidade russa e expulso do país em 1974. 

Svetlana Aleksievich, nascida em 1948, entrevistou testemunhas dos mais dramáticos acontecimentos no seu país, a Segunda Grande Guerra, a guerra entre soviéticos e afegãos, a queda da União Soviética, o desastre de Chernobyl, e com esses testemunhos compôs a sua obra. Condenada pelo regime de Lukashenko, saiu da Bielorússia em 2000, passado a viver em Paris, Gotemburgo e Berlim. Voltou a Minsk, a sua cidade natal, em 2011.



"Há nesta obra de Svetlana Aleksievich, Prémio Nobel da Literatura deste ano, sobretudo uma análise sobre o perfil do homem russo". "Todos nos convencemos que, com a queda do império soviético, haveria da parte do povo um sentimento satisfação pela conquista da liberdade, pelo fim de um regime ditatorial, e o que ela reflete neste livro, através de centenas de testemunhos, é que não foi isso que aconteceu".
"Houve, antes, um grande desencanto no povo russo, e uma espécie de saudade dos tempos gloriosos em que a Rússia era de facto um grande império universal, e isso explica - como ela mostra perfeitamente -, o recrudescimento, entre os jovens, de um grande culto de Estaline, e de uma grande ambição de que a Rússia pudesse voltar a ser o espaço geográfico determinante no mundo" o que "explica muito o que está hoje a acontecer com [Vladimir] Putin".

 Manuel Alberto Valente, editor, Porto Editora

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